terça-feira, 4 de maio de 2021

Análise: Dylan Dog / Dampyr - O Detective e o Caçador



Dylan Dog / Dampyr - O Detective e o Caçador, de Roberto Recchioni, Giulio Antonio Gualtieri, Daniele Bigliardo, Mauro Boselli e Bruno Brindisi

Quando, em 2017, a Sergio Bonelli decidiu fazer um crossover com duas das suas personagens mais emblemáticas, Dylan Dog e Dampyr, certamente foram muitos os fãs que ficaram radiantes com esta opção. Até porque, na verdade, a editora nunca tinha feito um verdadeiro crossover, isto é, a junção de duas personagens de universos diferentes numa só história. Contrariamente ao mercado americano, onde os crossovers são mais do que habituais, no mercado europeu é algo bem mais raro de acontecer. Portanto, acho que a iniciativa demonstrou coragem e modernidade por parte da editora. 

E embora a minha primeira reação a esta iniciativa tenha sido: “Porreiro, e faz sentido com estas duas personagens”, a verdade é que, vendo bem, até são personagens de universos bastante distintos. Dylan Dog é uma personagem que se move num mundo que considero filosófico, onírico e, até mesmo, poético. Com uma premissa tão aberta como sendo o “detective do pesadelo”, há abertura para uma variedade enorme de situações e aventuras. Já quanto a Dampyr, estamos perante um herói muito mais clássico no seu cerne e que se move num universo com regras e barreiras muito mais específicas e previamente delineadas.

Por este motivo, e com alguma pena minha, parece-me que este crossover assume-se mais como um “Dampyr convida Dylan Dog”, do que o contrário. Ou seja, este O Detective e o Caçador parece-se mais com um clássico livro de Dampyr. A grande diferença é que, neste caso, Dylan Dog aparece como convidado. Como sou muito mais fã de Dylan do que Dampyr, tive alguma pena que assim fosse. Mas, tal como já disse, também compreendo que os envolvidos nesta obra tenham feito esta opção, pois seria mais fácil trazer Dylan Dog para o universo mais fechado de Dampyr, do que o oposto.

Se Dylan Dog é detective do pesadelo, Dampyr é filho de uma humana e de um vampiro e, por ter essa mistura rara, o seu sangue é letal para matar vampiros. O que faz dele um guerreiro verdadeiramente poderoso e temível pelos seus inimigos.

A história, que mais para o fim, especialmente no segundo livro, se torna demasiado rocambolesca, arranca em Londres quando vários vampiros invadem de surpresa um baile de máscaras e começam a fazer vítimas. Entretanto, o maquiavélico Lordbrok – retirado do universo de Dampyr – tem planos nefastos para com o mundo e para com o seu rival Marsden que, nesta aventura, faz com que Harlan Draka, Dampyr, seja involuntariamente seu aliado na luta contra Lordbrok. Dampyr faz-se acompanhar por Kurjak e Tesla. Já do lado do universo de Dylan Dog, aparece-nos o irresistível Groucho e o malvado inimigo John Ghost também faz uma aparição. As belas mulheres que, naturalmente, se apaixonam por Dylan Dog também não faltam. No primeiro livro é a bela Lagertha – cujo aspeto há-de ter sido inspirado em Angelina Jolie – que encanta o detetive do pesadelo. No segundo livro é Selkie com quem Dylan estabelece (mais) um breve romance.

A narrativa arranca com uma fantástica cena de ação e sabe colocar muito bem Dampyr no caminho de Dylan Dog (ou será o oposto que acontece?). De uma forma natural as duas personagens vêem-se na necessidade de trabalharem juntas, mesmo sendo bastante diferentes entre si. Essa dinâmica aparece especialmente bem trabalhada no primeiro álbum, sublinhando as diferenças de ambas as personagens na abordagem aos eventos com que se deparam: Dylan Dog é um romântico e uma persona algo frágil, enquanto que Dampyr é um guerreiro-nato e pragmático, que passa rapidamente para a ação.

Um destaque tem que ser dado a Groucho que aparece em ambos os livros com tiradas muito divertidas, que melhoram a leitura da obra. Diria até que foi a personagem mais bem trabalhada por ambos os autores. Ainda mais do que os dois heróis protagonistas! Interessante também é a dinâmica entre Kurjak – um autêntico brutamontes – e Groucho, que tão bem representa a função de comic relief. Muito bem conseguido.

Depois, e eventualmente, à medida que os eventos se vão desenrolando, ambos os protagonistas têm que ceder um ao outro: Dylan Dog acaba por perceber que os métodos agressivos e pragmáticos de Dampyr são muitas vezes a forma mais eficaz de lidar com o mal. Todavia, em sentido contrário, Dampyr também irá descobrir que há nobreza nos métodos ponderados e sentido de justiça de Dylan Dog.

Há uma coisa que convém desde já dizer e que se torna muito relevante para a análise deste duplo lançamento: é que, o facto deste O Detective e o Caçador ter duas equipas criativas independentes entre si, faz com que ambos os livros difiram muito entre si mesmos. Não só em termos de ilustração (já lá irei) mas, também, em termos de argumento. 

É certo que a história do primeiro livro tem continuação no segundo, mas é uma continuação demasiado livre. Como se a obra se tratasse dum exercício criativo em que os argumentistas de ambos os livros, Roberto Recchioni (que é ajudado por Giulio Antonio Gualtieri ) e Mauro Boselli combinassem entre si, “eu levo a história até aqui… e depois disso faz o que quiseres com a mesma”. Se isso traz alguns elementos de surpresa à trama, devo dizer que o segundo livro é manifestamente inferior em comparação com o primeiro. Parece-me até que a história no segundo volume resolve a trama de uma forma algo preguiçosa, apoiando-se na introdução de vikings mortos-vivos, dragões e demais elementos que acabam por ser inseridos de uma forma algo forçada, sem grande linha condutora. No primeiro livro, como a história ainda nos está a ser apresentada aos poucos, está mais conseguida e funciona melhor. E não me refiro apenas à construção do argumento porque mesmo na construção dos próprios diálogos, a obra apresenta-se menos inspirada no segundo livro.

E, claro, as diferenças não se sentem apenas em termos de argumento. Na parte ilustrativa, as diferenças também são gritantes. Enquanto que Daniele Bigliardo nos dá um trabalho soberbo no primeiro livro, com as personagens, com trato realista, a parecerem que querem sair das páginas do livro, e onde o autor também apresenta um ótimo domínio da luz, dos altos contrastes, das cenas de ação, dos planos de câmara e enquadramentos; Bruno Brindisi, por sua vez, oferece-nos uma ilustração mais clássica, menos estilizada e impactante. Pobre nos detalhes, por vezes até parece ter sido feita algo “à pressa”. Não é que seja má, mas fica, indubitavelmente, muito aquém da arte de Daniele Bigliardo. E ainda que haja um esforço por continuidade na caracterização gráfica das personagens – especialmente das principais – a própria ilustração de algumas personagens, com destaque para os inimigos, por vezes afasta-se entre ambos os livros.

Quanto à edição, a editora A Seita preparou uma edição em linha com os outros livros da sua Coleção Aleph: boa encadernação, capa dura e papel baço. Há também uma entrevista com os argumentistas que está dividida entre os dois livros. 

Mas claro que, em termos de edição, o destaque principal tem que ser dado às fantásticas capas que, quando colocadas ao lado uma da outra, formam uma bonita ilustração entre si. Como se fossem duas peças para um puzzle. No primeiro livro temos Dylan Dog em primeiro plano e, lá em cima, no título temos “Dylan Dog & Dampyr”, como se fosse o primeiro que convida o segundo. No segundo livro temos todos estes elementos inversamente colocados: Dampyr é que aparece em primeiro plano e no título aparece “Dampyr & Dylan Dog”. São duas capas espetaculares que, juntas, tornam os dois “objetos-livro” ainda mais colecionáveis e verdadeiramente apetecíveis. Julgo que A Seita foi inteligente ao escolher esta opção de capas pois dificilmente um leitor só comprará um dos livros.

Concluindo, acho que mais do que uma oportunidade para que os fãs de Dylan Dog conheçam Dampyr, esta obra dupla permite, acima de tudo, que os fãs de Dampyr possam acolher nas páginas do seu herói, a personagem maravilhosa de Dylan Dog, que vem muito bem acompanhada por Groucho. O Detective e o Caçador ficou um pouco aquém das minhas expetativas – mais pela divisão de tarefas entre autores do que por outra coisa - mas não deixa de ser uma boa iniciativa da Sergio Bonelli. E o final da obra deixa uma porta aberta para que uma nova aventura com Dylan Dog e Dampyr possa ocorrer no futuro. A ver vamos.

Desta vez, embora ambos os livros formem um todo, parece-me que a diferença de qualidade por mim percepcionada, merece notas distintas. 


NOTA FINAL LIVRO 1: A Noite de Dampyr: 8.4
NOTA FINAL LIVRO 2: O Detective do Pesadelo: 6.8


NOTA FINAL dos 2 ÁLBUNS (1/10):
7.6



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Fichas técnicas
O Detective e o Caçador vol. 1: A Noite do Dampyr
Autores: Roberto Recchioni, Giulio Antonio Gualtieri e Daniele Bigliardo
Editora: A Seita
Páginas: 104, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Março de 2021


O Detective e o Caçador vol. 2: O Detective do Pesadelo
Autores: Mauro Boselli e Bruno Brindisi
Editora: A Seita
Páginas: 104, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Março de 2021

2 comentários:

  1. excelente, excelente analise, com referencias à arte, traço, argumento, argumentistas, capa, extras dos livros, enquadramento de obra, fotos de paginas, etc etc ........ parabens :)

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    1. Caro João Ed, muito obrigado pelas simpáticas palavras. Um abraço

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