Se há coisas que podem alterar uma série de banda desenhada – para melhor ou para pior – é a troca de um dos artistas. Essa troca pode ser nefasta quer a alteração seja feita em termos de argumentista, quer seja feita relativamente ao desenhador. Isto porque pode afetar negativamente a série aos olhos daqueles que já eram fãs da mesma. Mas, claro, também pode fazer o inverso e tornar a série muito melhor.
Por esse motivo, começo esta análise a Stumptown - Vol. 3 com o foco na questão da arte visual.
Depois de dois volumes que contaram com as ilustrações de Matthew Southworth, o argumentista Greg Rucka regressa com a série Stumptown – que até já teve uma adaptação para o pequeno écran, com Cobie Smulders no papel de Dex Parios – mas, desta feita, as rédeas da ilustração são entregues a outro ilustrador. Trata-se de Justin Greenhood.
E aviso desde já: as mudanças são drásticas. E quando digo “drásticas” não quero dizer que os novos desenhos sejam piores do que os anteriores. Nem que sejam melhores. Simplesmente, quero chamar a atenção para o facto de serem muito diferentes. De uma maneira quase disruptiva.
Olhando para os álbuns lançados, quer o Volume 1, quer o Volume 2, apresentavam, a meu ver, uma arte muito intermitente, por parte de Matthew Southworth. Ora encontrávamos ilustrações verdadeiramente maravilhosas, ora encontrávamos alguns desenhos, nomeadamente ao nível das expressões faciais das personagens, que pareciam verdadeiramente feitos à pressa. Na análise ao Volume 2 cheguei a referi que a minha grande queixa nesta série era a inconsistência visual pois “há ilustrações muito belas mas também há outras que puxam a obra para baixo. Que a prejudicam.”
Agora, com Justin Greenwood aos comandos das ilustrações, o estilo de desenho mudou consideravelmente. E, se anteriomente a arte era inconsistente, agora a consistência visual está presente da primeira à última página. Greenwood apresenta um traço mais “cartoonizado”, que procura ser menos realista do que o de Southworth. Com personagens mais “abonecadas”, a fazerem lembrar, em parte, o trabalho dos irmãos Gabriel Bá e Fábio Moon.
Se calhar já não temos algumas vinhetas tão impressionantes como as de Southworth. Mas, com Greenwood temos um trabalho mais equilibrado no cômputo geral. Southworth poderá ter algumas vinhetas nota 18 (em 20) mas tem outras que são nota 8. Já as vinhetas de Greenwood têm uma nota constante de 14. No final, a ter que escolher entre um e o outro autor, acho que talvez a minha escolha recaia em Greenwood.
Portanto, acho que esta alteração acaba por ser uma boa notícia para os fãs da série.
E para isso também contam as cores de Ryan Hill. Com tons bastante baços, acho que encaixam perfeitamente nas ilustrações de Greenwood. Graças a esta harmonia cromática, esta é uma banda desenhada mais agradável de acompanhar a partir deste terceiro volume. Portanto, nas cores a série evoluiu bastante com a introdução de Hill.
Abordando agora a questão do argumento, este Volume 3, intitulado O Caso do Rei de Paus, traz-nos Dex Parios em mais uma aventura que, desta vez, tem um tom mais pessoal.
Toda a história circula muito à volta do futebol (europeu) – aquele que se joga, efetivamente com o pé. A seguir a um jogo do clube de futebol Portland Timbers, um amigo de Dex acaba espancado e abandonado à sua sorte. Sentindo na sua pele - pois trata-se de um amigo pessoal - esta enorme injustiça, Dex decide investigar quem foi o responsável. Mesmo sem o pedir, contará com a ajuda da detetive privada de Seattle, CK Banes. Devo dizer que esta personagem não acrescenta grande coisa à história. Por vezes é mais um engodo, ou uma causa, para que Dex dialogue. Creio que talvez fizesse mais sentido se nos fosse dada a informação destes diálogos em caixas narrativas com o pensamento solitário de Dex do que na forma destes diálogos com CK. Estive sempre à espera que CK mostrasse algo de surpreendente ou de impactante mas o livro terminou sem que tal acontecesse. Pareceu-me uma personagem bastante unidimensional e cuja presença é pouco justificável.
A própria investigação também me pareceu algo vazia sem que fosse passada para o leitor aquela urgência de encontrar o malfeitor. Nunca senti que Dex estivesse em real perigo ou que o mistério a envolver o espancamento do seu amigo fosse verdadeiramente marcante. Creio até que, entre os 3 livros lançados até agora, este é aquele onde Greg Rucka aparece menos inspirado.
A história lê-se bem, a presença do irmão de Dex, Ansel, que tem necessidades especiais, é sempre bem-vinda. Além desta interessante relação entre irmãos, o que me pareceu mais bem conseguido na história foi o desenvolvimento da relação de Dex com Grey. Se isso for novamente explorado nas próximas histórias da série, penso que é uma personagem muito interessante que Greg Rucka criou e que pode explorar (ainda) melhor. Porque a história e a investigação em si, pareceram-me algo insípidas neste Volume 3.
A edição da G. Floy Studio continua a ser excelente! Capa dura e bastante espessa, bom papel baço – que é a escolha ideal para o tipo de ilustração e cores desta série, diria – e uns extras muito pertinentes. E outra coisa que gosto bastante nesta série Stumptown é o grafismo meio vintage dos livros.
Como nota negativa, acho apenas que o texto dos extras, na cor preta e com um fundo verde escuro, naturalmente, tem uma legibilidade muito fraca. Não pude verificar se isto já aconteceu na edição original mas acho incrível e lamentável que ninguém tenha dito algo como “texto preto em cima de fundo verde escuro, simplesmente não se vai ler bem”. Bastaria que o texto fosse em branco para ter boa leitura. São coisas básicas que por vezes me fazem confusão como não são revistas antes de avançar para a gráfica. É apenas o texto dos extras, eu sei. Não é isso que estraga o prazer desta obra, eu sei. Mas era fácil ter feito isto bem. Isso também eu sei.
Em conclusão, parece-me que o terceiro volume de Stumptown surpreende pela mudança de ilustrador, que acaba por nos oferecer uma arte mais "cartoonizada" mas muito mais consistente no seu todo, do que a arte do ilustrador anterior. Acho que foi uma mudança para melhor. É uma série que, sem apaixonar logo, se tem vindo a afirmar. Primeiro estranha-se, depois entranha-se.
NOTA FINAL (1/10):
8.5
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Stumptown Vol. 3 - O Caso do Rei de Paus
Autores: Greg Rucka e Justin Greenwood
Editora: G. Floy
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Fevereiro de 2021
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