No espaço de poucos meses, a G. Floy Studio lançou o segundo volume da série Stumptown. O primeiro volume já aqui foi analisado e, na altura, a ideia que me deixou foi bastante positiva, embora a história me parecesse, por ventura, algo “morna” demais. Com este segundo volume, Greg Rucka consegue melhorar a história – que já era interessante no primeiro volume, diga-se – dando-nos uma personagem que vai sendo, cada vez mais, uma figura carismática. Admito pois, que tive ainda muito mais prazer do que no primeiro volume. Se anteriormente não estava totalmente convencido com esta série, posso dizer que, após a leitura de Stumptown – Vol. 2, estou a gostar muito do embalo da história e da construção das personagens por parte de Greg Rucka.
E é, de facto, um embalo. Não sendo uma história com um ritmo muito rápido, nem com um tema muito pesado - o que é bem comum neste tipo de comics americanos que derivam do estilo de crime e detectives, diga-se - vai-nos conquistando aos poucos. Quando damos por nós, já criámos uma relação consistente com a personagem principal Dex Parios. E não deixa de ser interessante verificar que este tipo de “conquista ao longo do tempo” é uma coisa que, muitas vezes, também acontece nas séries televisivas. Por vezes, há séries que não se destacam logo ao princípio mas que nos vão conquistando ao longo do tempo. E, também por isso, é curioso que Stumptown tenha recebido uma adaptação televisiva, da ABC, com a atriz Cobie Smulders no papel de Dex.
Na história deste segundo volume, intitulada O Caso da Bebé no Estojo de Veludo, Dex Parios irá investigar o desaparecimento da guitarra elétrica de eleição de Mim Bracca, a guitarrista da banda de rock Tailhook. E embora, à partida, o desaparecimento de um guitarra possa não parecer algo muito preocupante, a verdade é que há várias pessoas à procura do instrumento musical, para além da protagonista, Dex Parios. Há também aqui uma questão que Greg Rucka explora e que é pertinente: que possibilidades surgem às bandas de rock para, através dos seus equipamentos musicais, e das tours que fazem por todo o planeta, poderem ter um papel ativo no tráfico de droga? A temática deste segundo volume acaba por ser menos clichet do que no livro anterior, onde Dex é posta contra o chefe criminoso Hector Marenco, numa narrativa mais comum, diria. O volume 2 traz-nos uma história simples e linear, mas que funciona e respira muito bem. Algo na onda dos filmes de ação dos anos 70 ou 80.
E, depois, este livro tem um grande bónus ao qual é impossível não se fazer referência: a fantástica cena de perseguição entre carros, que ocupa um capítulo inteiro(!) neste livro composto por 5 capítulos. Perseguições entre carros é um clichet no género policial, bem sei, e algo visto vezes sem conta no cinema – e até na banda desenhada. Mas posso dizer que há muito tempo não me sentia tão empolgado com uma perseguição automóvel enérgica e emocionante, como me aconteceu na perseguição deste Stumptown - Vol. 2. Matthew Southwort faz aqui um trabalho espetacular, digno de admiração. A opção por usar as páginas do livro, de lado, é certamente uma referência às perseguições entre carros dos filmes clássicos, em que o formato era em landscape. Fantástico, audaz e a grande jóia da coroa deste livro.
Mas, se esperam que eu (apenas) enalteça o trabalho de Matthew Southworth, desenganem-se, pois os parágrafos seguintes são dedicados à “irritação” - julgo ser essa a melhor palavra – que este autor me causa. É que ele é aquilo que eu considero – e digo isto com todo o respeito, não me levem a mal – um ilustrador “calão”. Consegue o melhor e o “fraquito”. E explico o porquê desta irritação: é que, tão depressa encontro ilustrações fabulosas de Matthew Southworth, como encontro meros rabiscos feitos à pressa, onde as expressões faciais são demasiado pobres ou onde até a anatomia básica de certos corpos das personagens parece enviesada. E quero deixar uma coisa bem clara: o que me “irrita” nem é bem que existam desenhos mais simplistas. Considero-me um leitor bastante batido em vários estilos diferentes de ilustração. E há ilustrações simplistas e lineares de muitos autores, que muito me agradam e que servem bem a história. O que me “irrita” em Stumptown é a inconsistência do trabalho de Southworth.Tão depressa nos são dadas ilustrações lineares e pobres nas páginas 42 e 43, por exemplo, como, umas páginas à frente, nas páginas 66 e 67, ou 78 e 79, temos um trabalho de ilustração refinado e belo. Em que é que ficamos, afinal? Não tenho dúvidas de que Matthew Southworth consegue ser um ilustrador muito bom. Mas, aparentemente, só quando o quer. É por isso que, por vezes, o seu trabalho me parece "preguiçoso".
Há um tema que não se fala muito quando o assunto é a banda desenhada mas que, em cinema, é fundamental. Que se trata da “continuidade” ou raccord. A continuidade é aquilo que torna credível uma história que nos é contada por cenas. Um exemplo clássico: se estivermos a ver um filme em que a ação decorre durante a noite, então não podemos ter imagens em que o céu fica mais claro em relação à cena anterior. Ou se vemos uma atriz a representar determinado papel, na cena seguinte não poderemos ver outra atriz – mesmo que seja parecida – a representar o mesmo papel. A não ser que isso seja um jogo narrativo. Tal como a falta de continuidade estraga os filmes, também a falta de continuidade pode estragar um bom livro de banda desenhada. Portanto, se Dex Parios aparece desenhada num mero rabisco básico numa página e, na página seguinte, aparece com um traço cuidado e bem polido, sem que narrativamente haja uma intenção lógica para tal feito, perdoem-me mas, a meu ver, é erro de continuidade. Erro de raccord.
E esta é a minha grande queixa em Stumptown: a inconsistência. Repito que há ilustrações muito belas mas também há outras que puxam a obra para baixo. Que a prejudicam. Se eu disser que a arte de Southworth não tem momentos de grande beleza e inspiração, estarei a ser injusto. Há vinhetas que são muito bonitas. Por outras palavras, se me perguntarem como são os desenhos em Stumptown a minha resposta será: “tem desenhos muito bonitos e tem outros desenhos bem fraquinhos”. Já era assim no primeiro volume e continua a sê-lo neste segundo livro. Tanto quanto sei, Matthew Southworth será substituído por Justin Greenwood no próximo volume da série. Eventualmente, Stumptown poderá melhorar neste cômputo. Veremos.
Em termos de cores, e talvez por esta função estar entregue a três artistas – Lee Loughridge, Rico Renzi e o próprio Matthew Southworth – em Stumptown – Vol. 2 temos um trabalho que também apresenta alguma inconsistência ao longo do livro. Se bem que não duma forma tão visível como a própria arte. As cores conseguem, apesar de tudo, manter um certo ambiente constante ao longo do livro. Em termos de design, tenho que dizer que Stumptown apresenta muita personalidade, num estilo muito grungy, tão em linha com a matriz da história de Greg Rucka. Separadores, menus, capas e contracapas, há uma identidade muito própria e muito bem encetada. E, claro, a G. Floy, volta a fazer aqui um bom trabalho com uma edição em capa dura, boa encadernação e papel baço de gramagem generosa. No final, há ainda espaço para 4 páginas dedicadas a extras.
Em conclusão, para os que já gostaram do primeiro volume de Stumptown, ficarão felizes por saber que este segundo livro eleva a qualidade da série, relativamente ao argumento. Depois de um arranque morno, com o primeiro volume, estamos agora perante um livro mais quente e mais bem conseguido em termos de argumento e, principalmente, na construção do caráter de Dex Parios; enquanto que os desenhos, ora nos dão ilustrações de qualidade superior, ora se arrastam pela mediocridade. Estou muito curioso para com o tercerio álbum da série. Que venha ele!
NOTA FINAL (1/10):
8.6
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Stumptown Vol. 2 - O Caso da Bebé no Estojo de Veludo
Autores: Greg Rucka e Matthew Southworth
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 114, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Novembro de 2020
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