Se não me falha a memória, Branco em Redor marca a estreia do profícuo autor francês Wilfrid Lupano em Portugal. Bem como a de Stéphane Fert. O livro acaba de ser editado, pela editora Arte de Autor, que tem nesta edição uma aposta que, a meu ver, é um pouco menos convencional em relação às obras do seu catálogo. O que é, quanto a mim, algo que merece louvores, pela tentativa de alargar propostas e públicos.
Branco em Redor é uma obra conceituada - e que até foi nomeada para o Prémio dos Liceus no Festival de Angoulême – , baseada em factos verídicos, que nos remete para o Connecticut, do séc. XIX, onde uma professora achou por bem que a sua escola passasse a acolher apenas alunas negras. Logicamente, tendo em conta o período histórico e o local onde se desenrola a ação, esta decisão da professora Prudence Crandall, não é nada bem aceite por parte da população local que, também expectavelmente, tudo fará para que os intentos desta escola vanguardista não se consolidem.
Sendo uma história que, à partida, nos transporta logo para os problemas da segregação racial dos Estados Unidos da América, também toca, de forma profunda, no problema da discriminação baseada no género já que, em Branco em Redor, a população local vê uma ameaça numa escola para indivíduos negros e que, ainda por cima, são mulheres e não homens! Contado assim, parece ridículo – e é! – mas a verdade é que a história se mantém em linha com aquilo que se passa nos dias de hoje. A Malala Yousafza e outros milhares de mulheres por esse mundo fora que o digam!
E, nesse sentido, acaba também por ser uma leitura que, infelizmente, se mantém muito atual pois, ainda nos dias que correm, onde, supostamente, a sociedade já evoluiu tanto, continuamos a perpetrar atos de discriminação baseada na raça e no género. E a vedar o direito à educação a tantas mulheres.
O argumento tecido por Lupano é bastante coerente e bem conseguido, fazendo um bom equilíbrio entre aquilo que são os factos desta história real, e que interessam contar, e uma certa reflexão implícita que a obra oferece ao leitor. Houve, certamente, uma boa documentação por parte de Lupano.
A capacidade de luta da professora Prudence Crandall e das suas jovens alunas, num contexto social tão difícil, representa um ótimo documento histórico sobre a longa marcha pelos direitos básicos dos negros norte-americanos e um exemplo que não deveremos esquecer. Até porque esta escola tornou-se a primeira escola exclusiva para meninas negras na história dos Estados Unidos da América. E isto oferece a este livro um cariz didático muito relevante. Com efeito, considero que todas as escolas portuguesas deveriam ter este livro nas suas bibliotecas.
A conclusão deste livro também é que mesmo que a população local cometa atrocidades perante esta escola, a sua professora e as suas alunas, uma boa ideia, carregada de bons valores e justiça, nunca morre. De uma forma ou de outra, e passe mais ou menos tempo, o certo acaba por imperar sobre o errado. Pelo menos, é essa a crença que nos vale, diria!
Quanto à arte ilustrativa, este é um livro que apresenta uma abordagem visual bastante diferente das outras propostas – mais clássicas – no catálogo da Arte de Autor. Os desenhos do autor Stéphane Fert apresentam um estilo perto da animação infantil – ou do livro ilustrado – mas em que a linguagem própria da banda desenhada, com toda a sua sequência narrativa, é totalmente feita ao estilo da banda desenhada clássica. Ou seja, apenas nos próprios desenhos, este livro assume um estilo mais diferente e original.
Os desenhos de Fert trazem alguma frescura e leveza à história (que é pesada), apresentado um desenho simples, mas, ao mesmo tempo, muito rico. Assim, o desenho de Branco e Redor – que quase não utiliza contornos – consegue despertar serenidade no leitor. As meninas e os cenários são muito bonitos. Apenas há alguma rudez na forma como os oponentes da escola de Prudence Crandall são caracterizados, onde o autor adopta um estilo mais caricatural para enfatizar o ridículo da situação. Uma maneira de criticar de forma subtil com quem é/foi parvo, diria.
Mas será, por ventura, nas cores, com tons suaves e lisos, que este álbum consegue ser maravilhoso. Com uma bonita, suave e subtil paleta de cores, posso dizer que o resultado final nos oferece uma bela experiência visual. Por outras palavras, os desenhos de Fert nunca seriam tão maravilhosos se, por acaso, este álbum fosse a preto e branco. Porque são, de facto, as cores que nos pintam e ambientam, com doçura, nesta história que de doce não tem nada.
Se me posso queixar de alguma coisa nos desenhos de Stéphane Fert é que, entre as personagens negras e brancas, é difícil, por vezes, distingui-las entre si. Claro que - e especulando - esse até pode ter sido um intuito oculto do autor, para manifestar como brancos e negros são, na realidade, a mesma coisa. Todavia, por uma questão de fluidez narrativa, vi-me forçado, em algumas vezes, a ter que decifrar quem era aquela personagem. Nada de muito grave, ainda assim.
A edição da Arte de Autor é muito boa, com capa dura que apresenta a tal “textura aveludada” – na falta de termo mais técnico da minha parte – que é tão suave ao toque e que eu tanto aprecio. Reparei que este livro tem um bom papel baço, muito adequado ao estilo de ilustração de Fert, mas que me pareceu mais frágil e fino do que o papel habitual que a editora utiliza. Nota ainda para um posfácio de cinco páginas que, através de um texto de Joanie DiMartino, conservadora do museu Prudence Crandall, nos dá relevantes informações sobre algumas das mulheres negras que lutaram pelo seu direito à educação.
Concluindo, Branco em Redor constitui uma excelente aposta da editora Arte de Autor e merece ser lido por todos: miúdos e graúdos. Para que todos possamos aprender com a História e refletir como a educação é - talvez - a melhor arma para superar preconceitos e, quiçá, operar subtilmente na sociedade as principais mudanças.
NOTA FINAL (1/10):
8.8
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Branco em Redor
Autores: Wilfrid Lupano e Stéphane Fert
Editora: Arte de Autor
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Março de 2022
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