Depois de vários anos sem que nenhuma obra desta série de culto fosse publicada em Portugal, A Seita voltou a pegar nas rédeas de Thorgal, editando O Eremita de Skellingar. Convém começar por dizer que Thorgal sempre foi uma série um pouco maltratada pelas editoras em Portugal. Já foi publicada pela ASA, Bertrand e Futura, mas sempre de uma forma demasiadamente intermitente. A ASA ainda fez um esforço mais sério perante a série, ao lançar uma coleção com o jornal Público há uns anos, mas, tanto quanto sei, as vendas ficaram um pouco aquém das expetativas e ficou-se por ali. Talvez também por isso, li vários Thorgal ao longo dos anos, mas nunca fiquei com uma relação muito estreita com a série. Era gira e lia-se bem, mas não mais que isso.
Mas agora A Seita decidiu apostar nesta série e fez uma escolha muito inteligente e sensata, na minha opinião, ao apostar neste O Eremita de Skellingar, da autoria de Yann e Vignaux. Aliás, a escolha d’ A Seita merece louvores por duas razões: primeiro, porque a aposta num volume auto-conclusivo (tendo em conta a dimensão da série que, neste momento, já conta com 39 volumes na edição original) é muito mais fácil para que os leitores queiram conhecer o livro - especialmente, se não conhecerem muito bem a série. E, em segundo lugar, os editores decidiram incluir uma introdução à série e às personagens da mesma que, numa só página, consegue resumir muito bem as aventuras vividas por Thorgal até então. Fantástico trabalho editorial!
A juntar a isso, esta bela edição em capa dura, baça e espessa, inclui um ótimo papel baço e uma excelente qualidade de impressão. Há ainda, no final do livro, um dossier de extras com vários esboços de Vignaux e uma capa da edição exclusiva da FNAC, em França. Bem sei que esta capa é exclusiva e, por ventura, A Seita não poderia tê-la usado na edição portuguesa. Mas é uma pena que não o tenha feito. Isto porque a capa deste livro, sendo bonita – e, portanto, não é isso que está em causa - tem alguns problemas na legibilidade. Especialmente porque o título a preto, num fundo bastante escuro, se torna pouco visível e porque as próprias sombras na cara do personagem Thorgal, tornam-na demasiado escura. Olhando para a imagem em formato digital e comparando-a, depois, com a capa do livro à minha frente, fico com a ideia que talvez isto tenha acontecido devido à impressão que acabou por escurecer um pouco a capa do livro. Bem sei que estou aqui a dar ênfase a um pequeno detalhe numa edição tão boa. Mas considero uma (pequena) coisa relevante. A “culpa” é um bocado da própria ilustração original (pouco friendly para a impressão, por usar tons escuros e tantas sombras) e da própria impressão. Acredito que, se A Seita tem usado a capa exclusiva da FNAC em França, estávamos aqui a falar de uma das mais belas capas do ano.
Porque sim, as ilustrações de Vignaux são verdadeiramente maravilhosas! Arrebataram-me da primeira à última página. Estou familiarizado com o traço de Grzegorz Rosinski que, salvo erro, ilustrou todos os 36 álbuns anteriores da série, e que tem uma qualidade enorme no desenho e na forma como parece ser mais um "pintor" do que propriamente um "desenhador". É igualmente fantástico! Só acho que tem um certo problema, se é que se pode chamar de “problema”: é que o seu género de pintura, sendo bastante maduro, assume um tom adulto que pode não encaixar tão bem em séries de aventuras para um público juvenil, afastando, consequentemente, jovens para a série Thorgal. É demasiado sóbrio, demasiado adulto.
E Vignaux consegue a proeza de honrar o trabalho miraculoso de Rosinski e ainda conseguir trazer algumas inovações no estilo e no traço, mais definido e delineado, que colocam este Thorgal num patamar mais comercial e com a capacidade de angariar mais (jovens) leitores para a série. E atenção! Dizer isto, não é dizer que a série se direcionou para um público mais jovem. Nada disso! Na verdade, até está muito fiel ao original. Mas sublinho que apresenta um estilo mais moderno, mais contemporâneo e, até, mais dinâmico nas cenas de ação. Não consigo dizer se é melhor ou pior, mas posso dizer que, a meu ver, os desenhos de Vignaux até funcionam de forma mais orgânica – para a série em questão, que é, apesar de tudo, de ação – do que os de Rosinski. Dito por outras palavras, mais depressa apresentaria a um leitor mais jovem do que eu, que quisesse conhecer Thorgal, este O Eremita de Skellingar do que por exemplo, Alinoë.
Vignaux maravilhou-me, portanto, ao longo de toda a leitura desta obra, revelando uma qualidade incrível no belo tratamento das personagens, quer nas suas expressões faciais, quer na sua linguagem corporal. Também o tratamento dos cenários, a reprodução das cenas de ação, a dinâmica da planificação, a bela utilização da luz e da sombra, dos diferentes estados do clima, das cenas navais… enfim, tudo é maravilhoso e roça a perfeição! E este será – assim acredito - um dos livros mais maravilhosamente bem ilustrados que chegará aos leitores portugueses de banda desenhada em 2022. Para tal, também contribui o trabalho fantástico de cores, por parte de Gaétan Georges. Com efeito, se este O Eremita de Skellingar tem ilustrações sublimes, isso também é permitido pelo perfeito jogo de cores que oferece aos desenhos de Vignaux tudo aquilo que era necessário para o livro ser ainda melhor. Absolutamente moderno e clássico ao mesmo tempo.
Abordando agora a história, Yann dá-nos um argumento bastante bem conseguido. Que sabe pegar em alguns eventos que Thorgal viveu em aventuras anteriores e apresentá-los num enredo que, embora simples e clássico na forma, funciona bastante bem.
Ambientado num universo que junta elementos da mitologia escandinava com o fantástico e a ficção científica, esta série, cujo argumento foi elaborado, originalmente, pelo consagrado Jean Van Hamme, apresenta-nos a personagem de Thorgal, que é um herói clássico no sentido que defende ideais como a justiça, a família, a bondade, o correto e a liberdade.
E, em O Eremita de Skellingar, até acaba por ser o ideal da liberdade o tema fulcral, já que neste volume Thorgal tudo fará para se libertar do seu passado demoníaco, em que teve ações que não eram totalmente controladas por si mesmo, mas que deixaram marcas e mágoa em tanta gente. Agora, Thorgal, para cumprir o último desejo de uma jovem e expiar os crimes do seu alter-ego Shaigan ruma à ilha de Skellingar, onde um misterioso eremita controla a população local, através da sua mística negra.
Tendo em conta que estamos perante um álbum com 50 páginas de banda desenhada, acho notável a forma como Yann conseguiu fabricar um bom argumento. Com um vilão emblemático, com belos momentos de ação e de mistério, e com um constante piscar de olho ao passado do personagem. Não é um livro para refletir na vida ou que, tampouco, vai mudar a nossa para melhor. Mas também não creio que seja esse o intuito de uma série como Thorgal. Tendo em conta aquilo que a série representa, acho que Yann esteve à altura do que lhe era pedido.
Em conclusão, posso dizer que adorei este livro. Já não lia Thorgal há muitos anos e esta foi uma ótima oportunidade para mergulhar novamente neste universo fantástico de aventuras. Com um argumento sólido e desenhos de cortar a respiração, de tão belos que são, esta é já uma aposta ganha por parte d’A Seita. A ler por todos os que já conhecem a série e, também, por todos os que nunca leram um livro de Thorgal na vida. Vai na volta e ainda ficam fãs!
NOTA FINAL (1/10):
9.3
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Thorgal - O Eremita de Skellingar
Autores: Yann e Vignaux
Editora: A Seita
Páginas: 56, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Dezembro de 2021
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