Chamei TOP 3 a este artigo, mas bem que lhe podia ter chamado, apenas, as "3 adaptações para BD de 1984, publicadas em Portugal, enumeradas da melhor para a pior".
Bem, mas esse título também não me deixou muito satisfeito. Até porque, como veremos mais abaixo, não me parece justo que, no caso concreto, haja uma obra que se demarca muito, pela positiva ou pela negativa, em relação às demais.
Mas já lá irei.
Por agora, relembro que a grande causa que originou que, em cerca de um ano, surgissem no nosso pequeno mercado de banda desenhada, não uma, nem duas, mas três (!) adaptações da icónica obra 1984, de George Orwell, foi o facto da obra do escritor inglês ter entrado em domínio público recentemente.
Quer isto dizer que as editoras são agora livres de publicar a obra sem as habituais condicionantes e regras dos direitos de autor. A obra passou a ser do público, portanto.
E que obra ela é! Já o disse aqui, creio eu, que coloco 1984 numa restrita lista dos melhores livros que li na minha vida. Pela sua audácia, pelo facto de ser uma obra visionária e porque, em jeito de distopia futurista, nos permite ver tanto do que está errado nas sociedades contemporâneas e que riscos daí poderão advir no futuro. De quantas obras podemos nós dizer isto, não é?
Mas focando o meu texto nas bandas desenhadas que foram publicadas pela Alfaguara, pela Cavalo de Ferro (20|20 Editora) e pela Relógio d’Água, posso dizer que temos obras para todos os gostos. Ou, por ventura, para todo o tipo de leitores. Acho até que esse será o principal ponto.
É que, sendo uma adaptação da obra de Orwell, todas estas adaptações cumprem os requisitos mínimos de o ser, mas, claro está, com resultados e abordagens bastante diferentes entre si.
Sei também que a escolha de qual será "a melhor" dependerá muito dos gostos de cada um. Mas, não obstante, olhando para as características inerentes das obras, até não é muito difícil percecionar as diferenças.
A mim, enquanto leitor, parece-me que a obra que globalmente é mais bem conseguida é a versão de Fido Nesti. Acredito que não será uma opinião muito consensual, já que este livro sofreu bastantes críticas – não só em Portugal, como lá fora – por ter demasiado texto e de não ter conseguido abreviar bem a obra. Meus caros, permitam-me discordar nesse ponto. 1984 é uma daquelas obras que tem que ser explicada para que possa ser (melhor) percecionada. E é isso que Fido Nesti aqui faz.
Se é verdade que também eu achei que, por vezes, há demasiado texto – incluindo páginas de texto em prosa! -, não deixa de ser verdade que, para quem conhece bem a obra original, como é o meu caso, esta será a versão das três que melhor – e de forma mais completa – tenta ser uma adaptação completa. Dito por outras palavras, é – das três opções – o livro que me parece mais completo e, portanto, mais recomendável para quem não conhece, ou para quem conhece mal, a obra original de George Orwell.
No entanto, parece-me claro que, graficamente falando, a obra mais espetacular das três, é a de Xavier Coste.
Esta adaptação tem, aliás, sido alvo de muito mais louvores e aceitação do que a de Fido Nesti. O problema que esta tem, quanto a mim, é que quase nem parece uma adaptação, mas mais uma homenagem à obra. E porquê? Bem, porque tentando não ter tanto texto e deixar mais espaço para que os desenhos e os momentos possam respirar melhor – e isso é, de facto, conseguido – acaba por explicar de uma forma bastante incompleta quem foi Winston e o mundo de 1984.
Se a obra de Fido Nesti tinha muito texto, esta tem demasiado pouco texto. E se a adaptação de Nesti é a que considero pertinente para alguém que nunca leu a obra original, e quer fazê-lo através de uma novela gráfica, esta adaptação de Xavier Coste é completamente adequada para quem já conhece a obra original e/ou para aqueles que são leitores mais batidos de bd e procuram um álbum com ilustrações maravilhosas.
Finalmente, a adaptação da dupla de autores Sybille Titeux de la Croix e Amazing Améziane situa-se no meio termo. Nem os desenhos são tão bonitos como os de Xavier Coste, nem a adaptação é tão bem elaborada como a de Fido Nesti. Acaba, por isso, por ser a obra mais superficial das três e a menos memorável.
Mas isto também não quer dizer que não seja um livro com vários pontos interessantes, quer do ponto de vista narrativo, quer do ponto de vista visual. Para quem aconselharia eu esta versão? Bem, para aqueles vossos amigos que não lêem banda desenhada habitualmente e que também só querem uma leitura mais leve e fácil da obra.
Quanto às edições, todas elas são em boa qualidade, com um bom trabalho de encadernação por parte das respetivas editoras. As da Alfaguara e da Cavalo de Ferro apresentam capa dura, enquanto que a versão da Relógio d’ Água é em capa mole.
Em suma, e abreviando aquilo que escrevi mais acima, esta é a minha consideração sobre as três obras, quando comparadas entre si:
1984, de Fido Nesti (Alfaguara) – destina-se aos que não conhecem bem a obra original e querem passar a conhecê-la através da banda desenhada. É a adaptação mais completa da história original.
1984, de Xavier Coste (Relógio d’Água) – destina-se aos que já são leitores de bd e procuram um álbum muito belo em termos de ilustrações e, também, aos que já conhecem, pelo menos por alto, a obra original.
1984, de Sybille Titeux de la Croix e Amazing Améziane (Cavalo de Ferro – 20|20 Editora) – destina-se aos leitores que habitualmente não lêem banda desenhada e querem apenas ficar com uma breve ideia da obra original de Orwell.
A mim, enquanto leitor, diria que as minhas preferências recaem algures entre a edição de Nesti e a de Coste. Nenhuma das duas me deixa totalmente satisfeito, mas ambas são bastante boas. E, eventualmente, tenho uma ligeira preferência pela edição de Nesti, diria. Não tem desenhos tão bonitos, mas é um livro mais completo para uma história tão complexa como 1984.
Para saberem mais sobre cada uma destas obras, convido-vos a visitarem os artigos que escrevi para cada livro, mais abaixo.
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Fichas técnicas
Autor: Fido Nesti
A partir da obra original de: George Orwell
Editora: Alfaguara
Páginas: 224, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Outubro de 2020
Análise à obra, aqui.
Autor: Xavier Coste
A partir da obra original de: George Orwell
Editora: Relógio D’Água
Páginas: 248, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Agosto de 2021
Análise à obra, aqui.
Autores: Sybille Titeux de la Croix e Amazing Améziane
A partir da obra original de: George Orwell
Editora: 20|20 (Cavalo de Ferro)
Páginas: 240, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Agosto de 2021
Análise à obra, aqui.
Eu comprei a de : Sybille Titeux de la Croix e Amazing Améziane
ResponderEliminarTambém é uma boa opção.
EliminarEu optei pela do Coste.
ResponderEliminarA arte agrada-me mais e deixa as narrativas "respirarem". Mas já li 2 vezes o 1984 e leio BD há várias décadas...
Pois, faz sentido essa opção, então.
EliminarSou da sua opinião, Hugo. Li em digital as outras 2 adaptações e, definitivamente, a versão do brasileiro Fido Nesti parece-me a mais bem conseguida, não só em termos de arte (é relativo…) como em adaptação. Acabei por comprar a versão inglesa porque deixa a arte “respirar” muito mais do que o formatinho da Alfaguara. Já agora, este tópico seria interessante para lançar o debate sobre as opções de lançamento de BD de várias editoras nacionais e o seu aparente entendimento de que está é uma disciplina subalterna da verdadeira “literatura”. Será assim?…
ResponderEliminarÉ interessante a questão que levanta, António. Acredito que algumas editoras - não todas, porém - considerem que a bd é uma "discuplina subalterna da verdadeira literatura", tal como diz. Mas acredito que não são todas assim. A aposta e reconhecimento da bd como verdadeira arte é cada vez mais frequente, diria.
EliminarHugo, a análise *a versão de De La Croix não está disponível, pois não?
ResponderEliminarEstá sim, neste link: https://vinheta2020.blogspot.com/2021/11/analise-1984-novela-grafica.html
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