O primeiro trimestre de 2022 está, para já, a demonstrar algo inequívoco: a forte aposta da editora Gradiva no lançamento de nova banda desenhada que, em pouco tempo, lançou 6 novos livros de bd, enquanto reeditou mais dois livros. É mais do que aquilo que a mesma editora lançou durante outros anos inteiros. Portanto, enquanto leitor, é com muita satisfação e apreço que dou conta desta nova abordagem à banda desenhada, por parte da editora portuguesa.
Lonesome é uma série western, da autoria de Yves Swolfs, que conta, para já, com três álbuns editados na sua língua original. Se a Gradiva continuar com o mesmo ritmo estonteante de lançamentos, talvez esta série venha a apanhar os lançamentos originais franceses em pouco tempo. Eu bem gostava que isso acontecesse, pois, depois de lido este primeiro álbum, fiquei com bastantes boas indicações sobre Lonesome.
Vou começar por dizer algo taxativo: Lonesome não inventa – ou reinventa – nada. Para quem já leu muitos westerns em bd, até pode ficar com uma certa sensação de déjà vu. No entanto, quando aquilo que nos é dado detém imensa qualidade, quem se pode mesmo queixar?
Quer no desenho, quer no argumento – que inicialmente pareceu-me demasiado clichet, mas que, ao longo da leitura, e mesmo não sendo perfeito, me foi surpreendendo pela positiva – Lonesome é daquelas obras que faz tudo com uma boa dose de qualidade. Nada está “estragado”, por assim dizer. Talvez não seja o livro mais marcante de ler – e ficará aquém do maravilhoso O Último Homem…, também publicado pela mesma editora – mas assegura-se que Lonesome é uma boa leitura, especialmente recomendada para os amantes de histórias do faroeste.
A história ambienta-se no Kansas, no final do século XIX, por altura em que o governo norte-americano, para fazer face ao contexto tenso entre o norte e o sul do país, criou dois novos Estados: o próprio Kansas e o Nebrasca. Em pleno conflito por questões raciais e da abolição – ou não – da escravatura, este período desencadeou autênticos combates de guerrilha entre as várias fações que tentavam fazer prevalecer os seus interesses socioeconómicos.
O protagonista desta história é um cowboy anónimo que, não nos mostrando exatamente ao longo de todo este primeiro livro quais são as razões para as suas motivações de vingança, procura encontrar o pregador Markham, bem como ao seu pequeno exército de fanáticos religiosos que andam a espalhar o terror nas fronteiras do Missouri, assassinando, roubando e violando famílias indefesas.
Há ainda uma particularidade no nosso protagonista que merece ser referida: o seu poder sobre-natural de, tocando numa pessoa, conseguir visualizar o passado dessa mesma pessoa. Lembram-se do Comissário Ricciardi que aqui analisei há uns tempos? Não sendo um poder igual, aquele que ambas as personagens possuem, tem bastantes semelhanças, vá. E é um daqueles poderes especiais que, bem utilizado, pode servir como uma boa “bengala” narrativa para nos aprofundar o passado e a essência de alguns dos personagens que circundam à volta da trama principal. E o autor Swolfs faz isso bem. Não é um argumento demasiado complexo ou que nos faça refletir muito, mas também não é uma história oca e vazia de cowboys que andam aos tiros entre si. Não, é bem mais do que isso.
E quanto às ilustrações, de que Swolfs também se encarrega, posso dizer igualmente que o resultado é muito bom. Oriundo de uma escola de desenho franco-belga realista e clássica, os seus desenhos são muito bem executados, com os personagens a apresentar boas expressões faciais e uma boa linguagem corporal. Também os cenários naturais – que aqui são pontuados por um extenso pano de neve que está sempre presente –, bem como os animais, as armas, as vestes e os restantes cenários estão muito bem executados.
A filha do autor, Julie Swolfs, é responsável pela bonita paleta de cores que, ora assumindo tons mais azulados e gélidos para os cenários ao ar livre, ora assumindo tons mais amarelados e quentes para os cenários indoor, ainda torna a obra mais agradável ao olho.
A planificação é bastante dinâmica e os enquadramentos e utilização de câmara, não sendo inovadores, são feitos com grande destreza técnica. Um destaque deve ser dado, ainda, às cenas de ação e tiroteio. Podem não ser muitas e o livro até ser calmo em grande número de páginas, mas quando há cenas de ação, Swolfs demonstra-se exímio nos desenhos e na sensação de dinâmica, ritmo e velocidade.
A boa edição da Gradiva é em capa dura, com papel brilhante, de boa gramagem, e boa encadernação e impressão. Nada mais a objetar.
Em suma, digo “bem-vinda” a esta nova série Lonesome que, em boa altura, recebeu aposta por parte da Gradiva. Uma série bastante bem feita aos mais variados níveis: argumento, desenho e cores. Não será a obra mais fantástica ou obrigatória de sempre, repito, mas, bem vistas as coisas, é muito boa. E recomenda-se vivamente.
NOTA FINAL (1/10):
8.9
-/-
Lonesome #1: A Pista do Pregador
Autor: Yves Swolfs
Editora: Gradiva
Páginas: 56, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Fevereiro de 2022
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