Desde Outubro que o Comissário Ricciardi, personagem emblemática dos fumetti – da Sergio Bonelli Editore – se encontra publicado em Portugal pela primeira vez. E vénias sejam feitas à editora A Seita pela aposta.
Esta é uma série, relativamente recente, que adapta para banda desenhada uma famosa série de romances policiais italianos, da autoria de Maurizio de Giovanni.
E, ainda que este primeiro livro me tenha sabido a pouco, pois é constituído por três pequenas histórias que servem mais como apetitivo e delineação da premissa da personagem, devo dizer que gostaria que a série vingasse, em termos comerciais, em Portugal. O Comissário Ricciardi é uma personagem carismática, com uma personalidade bem vincada e com uma premissa de história deveras original, que merece ser conhecida.
Premissa essa que é a seguinte: "o Comissário Ricciardi possui um dom que é, ao mesmo tempo, uma maldição: desde criança que consegue ver os últimos instantes de quem morreu de morte violenta". Essa é a singular capacidade do protagonista desta história e, como tal, não admira que opte por uma carreira profissional enquanto comissário da polícia, com o primordial intuito de investigar crimes hediondos. E esta capacidade de conseguir visualizar os últimos momentos de uma vítima, antes desta ser assassinada, vai permitir-lhe desvendar injustiças e mistérios com uma precisão ainda maior do que a de um Sherlock Holmes ou a de um Hercule Poirot.
A premissa é gira e funciona bem, fazendo com que visualmente se torne interessante para o leitor, já que nos é dada a possibilidade de visualizar as próprias visões do protagonista. Ou seja, só Ricciardi e nós, leitores, é que sabemos aquilo que aconteceu antes de um crime violento acontecer. Em detrimento de todas as outras personagens que, naturalmente, não conseguem descortinar o que realmente aconteceu.
Como já disse, este livro é constituído por três histórias auto-contidas, que se desenrolam na cidade de Nápoles e que têm o propósito de nos dar a conhecer a personagem do Comissário e de como funciona o seu poder. Não são histórias arrebatadoramente boas – nem, tão pouco, são más histórias – mas são eficazes enquanto como cartão de visita da personagem e do universo da mesma. E isso traz duas coisas, uma negativa e outra positiva, por arrasto: é que, por um lado, é um livro que sabe a pouco. Mas, por outro lado, deixa no ar muita expetativa para uma história maior, que possa desenvolver melhor a trama e que venha a ser publicada futuramente.
Estas breves histórias parecem quase 3 trailers de filmes de cinema, estão a ver? Embora, repito, sejam histórias completas, portanto é um daqueles livros que se pode comprar à confiança e que me leva a considerar que A Seita fez uma aposta inteligente ao iniciar esta personagem com este volume seminal.
A primeira história, Dez Cêntimos, foi a que achei mais marcante. Nesta história é revelado o porquê da opção profissional de Ricciardi que até queria, inicialmente, estudar filosofia. No entanto, percebendo o seu dom, opta por licenciar-se em direito. Em Os Vivos e os Mortos, Ricciardi investiga as mortes que ocorreram num incêndio de uma pizzaria e, utilizando o seu dom, consegue perceber o que desencadeou, verdadeiramente, estes crimes macabros. Por fim, em Mammarella, o Comissário investiga o crime de uma prostituta, que foi encontrada morta num quarto trancado e que, no momento derradeiro da sua vida, dizia a enigmática frase “desejas-me como Mammarella (mãezinha)?”.
São histórias interessantes, de fácil leitura, e que nos deixam ávidos de conhecer o que se passou realmente com as personagens, à medida que vamos acompanhando a investigação do Comissário.
Em termos de ilustração, Daniele Bigliardo ilustra as duas primeiras histórias e Luigi Siniscalchi ilustra a última. Ambos fazem um bom trabalho de desenho - e com unidade entre si - mas tenho que dizer que, especificamente o trabalho de Bigliardo, com um traço mais detalhado do que o de Siniscalchi, me deixou rendido.
Tudo graças um desenho realista, num traço fino e elegante que oferece às histórias o ambiente perfeito para que nelas possamos mergulhar. Os grandes planos das expressões faciais, a caracterização fiel e detalhada na construção dos cenários, a brilhante utilização da luz e do espaço negativo, a maneira variada e dinâmica como utiliza a planificação, tudo é feito com um enorme rigor nestes fabulosos desenhos a preto e branco.
A edição d’A Seita é interessante. Num livro de capa dura e bom papel e encadernação, nos mesmos padrões de qualidade de todos os outros títulos desta coleção Aleph, temos, também, uma entrevista ao próprio criador da personagem, Maurizio de Giovanni.
Concluindo, posso dizer que acolho com os braços abertos a vinda do Comissário Ricciardi para a banda desenhada lançada em português. Se me posso queixar de alguma coisa é que este livro soube a pouco, o que me faz esperar com curiosidade por um livro com uma só história que possa desenvolver melhor o argumento e a própria curiosa e original premissa da série.
NOTA FINAL (1/10):
7.6
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Comissário Ricciardi: Primeiros Inquéritos
Autores: Sergio Brancato, Claudio Faco, Daniele Bigliardo e Luigi Siniscalchi
Editora: A Seita
Páginas: 128, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2021
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