Pardalita marcou o regresso da Planeta Tangerina ao lançamento de banda desenhada. Coisa que aplaudo, naturalmente. Com uma oferta algo diferente da banda desenhada, vulgarmente apelidada de “mais tradicional”, a editora já nos deu obras muito interessantes como Finalmente o Verão, A Época das Rosas ou Desvio. Este último da dupla portuguesa formada por Ana Pessoa e Bernardo P. Carvalho, que, no ano passado, até acabou mesmo por receber o VINHETA D'OURO para Obra Revelação da Banda Desenhada Nacional.
Pardalita, da autora portuguesa Joana Estrela, constitui mais uma proposta da coleção Dois Passos e Um Salto que, segundo a peculiar editora, se destina a “adolescentes e outros leitores mais crescidos”. Se em termos de marketing e posicionamento do produto me parece uma boa ideia, acho que olhar para os livros desta editora como sendo, apenas, para adolescentes ou, mesmo, jovens adultos, será deveras redutor. Isto porque todos os livros que já tive a oportunidade de ler, podem muito bem ser lidos pelo mais graúdo dos adultos. E Pardalita não é exceção.
Sendo uma história de coming of age, que nos retrata a vida de uma adolescente e a busca pela sua própria sexualidade e o seu lugar no mundo, é um livro que se recomenda para qualquer adolescente mas, também, para qualquer adulto poder mergulhar com subtileza neste assunto delicado. A protagonista da história é Raquel que, parecendo (e sendo!) uma adolescente completamente normal, começa a interessar-se por uma outra rapariga a quem denomina, amistosamente, de Pardalita.
O que gostei particularmente na abordagem da autora Joana Estrela, foi a forma descomplexada e descontraída com que nos narra a história de Raquel. Por vezes, quando abordadas as questões da homossexualidade, há uma certa tendência para uma comiseração que se torna um pouco enfastidiante e aborrecida para quem lê. Mas nada disso acontece aqui. Na verdade, a personagem Raquel até começa por duvidar das sensações que vai experenciando. Sem dramas, sem pena de si mesma. Com naturalidade. Imagino que um jovem não tem a resposta para a sua sexualidade de um dia para o outro. É algo que se vai desenvolvendo lenta e gradualmente. E isso acaba por estar bem esplanado na obra.
Raquel até já se tinha cruzado muitas vezes com Pardalita nos corredores da escola, mas é quando entra para o clube de teatro que a relação entre ambas começa, tímida mas naturalmente, a desenvolver-se. A sexualidade nunca aparece de forma direta mas está implícita desde cedo. E claro que há muito mais nas nossas vidas – e principalmente nas vidas dos jovens – para além da sexualidade: a escola, os estudos, os amigos, a família, os passatempos, as perguntas, as respostas, o futuro idealizado. E, nesta obra, a autora Joana Estrela também nos dá isso, num relato simples.
A forma como nos é narrada a história aqui presente é bastante singular. Temos páginas inteiras de texto, temos páginas inteiras de banda desenhada, temos páginas inteiras com apenas uma ilustração, temos, até, ilustrações que ocupam duas páginas. Por vezes, parece uma banda desenhada com algumas páginas de texto. Noutras vezes, parece exatamente o oposto, isto é, um livro em prosa que é complementado por algumas páginas de banda desenhada. Noutros casos ainda, parece ser um livro ilustrado. E todas estas nuances tornam a leitura em algo refrescante e diferente no seu todo o que, a meu ver, acaba por funcionar bastante bem.
Em termos de ilustração, Joana Estrela apresenta um desenho a preto e branco, de cariz infantil, muito simples, que procura apenas ilustrar da forma mais direta, e sem espaço para grandes detalhes, as ações mais básicas. É certo que, quanto a mim, o estilo de ilustração revela algumas insuficiências a nível de linguagem corporal e físionomia das personagens. Ainda assim, admito que consegue cumprir com aquilo que, do ponto de vista visual, interessa passar para o leitor.
E, bem vistas as coisas, a ideia que este livro nos dá é que o mesmo procura assumir-se como um diário verossímil de uma adolescente. Um diário que tem as suas notas sobre os mais variados temas e que, muitas vezes, é ilustrado, de forma infanto-adolescente, pela autora desse mesmo diário. Como se, em vez de ser escrito e ilustrado por Joana Estrela, o referido diário fosse efetivamente escrito pela própria Raquel, a protagonista da história. E isto acaba por dotar a obra de uma certa veracidade mesmo que, não escondo, as ilustrações pudessem ser alvo de um maior aprumo visual por parte da autora.
Quanto à edição da obra, a Planeta Tangerina oferece-nos um livro em capa mole, com os cantos arredondados, que nos remete para os blocos de notas de estilo Moleskine. O que, tal como acabei de referir, assentua, ainda mais, aquela ideia de que este objeto procura ser um diário/bloco de notas de uma adolescente real, em detrimento da criação artística e ficcional de uma autora. E, mais uma vez, funciona bem.
Em conclusão, posso dizer que considero muito importante que este tipo de livros direcionados para os jovens – mas que merece igualmente chegar aos mais adultos - mereça aposta por parte da edição de banda desenhada em Portugal. Pardalita pecará um pouco por falta de eloquência mas, parece-me, também, que é nessa procura pelo quotidiano mundano do dia-a-dia que a obra concentra os seus esforços.
NOTA FINAL (1/10):
7.0
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
-/-
Pardalita
Autora: Joana Estrela
Editora: Planeta Tangerina
Páginas: 216, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Novembro de 2021
Sem comentários:
Enviar um comentário