quarta-feira, 4 de março de 2020

Análise: Finalmente o Verão


Finalmente o Verão, de Jillian Tamaki e Mariko Tamaki

Numa altura em que a Levoir se prepara para lançar o bastante aguardado Harley Quinn – Através do Espelho, da autora canadiana Mariko Tamaki, é tempo de olhar (novamente) para o seu trabalho em Finalmente o Verão, que foi lançado em Portugal, em 2015, pela editora Planeta Tangerina. 

Esta obra com argumento de Mariko Tamaki e cujas ilustrações ficam a cargo da sua prima, Jillian Tamaki, acabou mesmo por ganhar um Eisner para Melhor Álbum Gráfico, entre vários outros galardões. Mas, prémios à parte, que valem o que valem, uma coisa é certa sobre este livro: é absolutamente maravilhoso. Uma autêntica obra de arte da banda desenhada.

A história é simples, real e permite a quase todos os leitores poderem encontrar nela, algo com que se relacionam. 

Relatam-nos as férias das amigas Rose e Windy, duas adolescentes que, desde muito cedo, passaram juntas as férias de verão, ao longo dos anos. Rose é ligeiramente mais velha que Windy e, no verão concreto, relatado nesta obra, essa pequena diferença de idade entre elas começa a ganhar relevância. Ao contrário dos verões anteriores, em que faziam todo o tipo de brincadeiras juntas, neste ano Rose começa a não ter tanta paciência para as brincadeiras e comportamentos mais infantis de Windy, e a ter outro tipo de interesses que surgem na puberdade: o interesse em fazer amizades com jovens mais velhos mas também o interesse em observar com verdadeira atenção os adultos e as relações que eles têm entre eles. 

De facto, todas as crianças observam os adultos mas é só a partir de uma certa idade, na adolescência, que começam a "dissecar" o comportamento adulto, reunindo dúvidas, colocando questões e começando a ganhar consciência de como poderão ser enquanto adultas. Ou como não quererão ser. Ora, isto é um paradigma que poucas vezes se vê num livro de banda desenhada, tendo em conta a sua profundidade. Mas isso também não faz com que Finalmente o Verão seja um livro demasiado técnico, do ponto de vista sociológico. 

Na verdade, esta é uma obra que se concentra em narrar eventos que até podem parecer mundanos e banais mas, aqui e ali, vão levantando o véu para assuntos mais sérios e maduros, que ficam subtilmente subentendidos na narrativa. À semelhança do clássico da literatura infanto-juvenil O Principezinho, de Antoine Saint-Exupéry, este é um livro que pode muito bem ser lido por uma criança mas que, no entanto, será o adulto que perceberá melhor os significados nas entrelinhas da narrativa. E por esse motivo, acaba por ser uma história soberba. 

Através da mera narração do dia a dia de Rose e Windy e de como ocupam as suas férias, Mariko Tamaki vai-nos mostrando as mudanças de interesses que acontecem forçosamente a todos nós, durante o período da adolescência. Tendo em conta que a narrativa versa sobre as férias, acentuando este amadurecimento natural dos jovens, poderia dizer que Verões Felizes, de Zidrou e Lafebre, (publicado em português pela Arte de Autor) ou mesmo Uma Irmã, de Bastien Vivès (publicado em português pela Levoir, na sua coleção Novelas Gráficas), me vieram à memória embora, deva salvaguardar que, quer em termos narrativos, quer em termos de ilustração, cada uma destas três obras traça o seu próprio caminho.

Mas não é só ao nível narrativo que este Finalmente o Verão brilha. Também ao nível gráfico esta obra surpreende e encanta. As ilustrações são-nos dadas a preto e branco, ou melhor a "azul e branco", o que permite à obra conquistar uma tonalidade cromática muito suave, com maravilhosos sombreados a azul, chegando por vezes a parecerem ter sido feitos com o recurso à esferográfica, que percorrem todo o livro, pautando de forma singular o aspeto gráfico da obra. 

O desenho de Jillian Tamaki apresenta influências quer do comic americano, quer do manga japonês, quer da banda desenhada franco-belga. Este misto de tantas influências permite à autora apresentar um estilo de desenho que acaba por ser original e apresentar a sua própria assinatura em termos estéticos. Diria que pode remeter para o estilo de desenho de Craig Thompson, autor de Blankets e Habibi (ambos publicados em Portugal pelo selo Biblioteca da Alice, da Devir), embora a arte da autora canadiana tenha a sua própria personalidade. Em termos de planificação de páginas, encontramos nesta obra bastante diversidade também. Por vezes temos páginas inteiras ocupadas com uma só ilustração mas também temos páginas ocupadas com inúmeras vinhetas. Foi uma opção inteligente se tivermos em conta que o ritmo da ação possa ser lento para alguns leitores. Mas não confundamos ter um ritmo lento com ser entediante. Isso nunca acontece. A arte é sempre bonita para se apreciar e a história é sempre interessante para acompanhar.

Em suma, tudo o que é do foro gráfico parece pensado ao pormenor: os desenhos, a componente cromática, os próprios balões de diálogo, o tipo de letra, a capa em si, a lombada do livro… enfim, para aqueles que, como eu, apreciam o livro (também) enquanto objeto físico, este Finalmente o Verão é um livro lindíssimo e extremamente recomendável. Só é a pena que a encadernação tenha sido em capa mole porque parece-me que merecia, claramente, uma capa dura. Mas, nem isso melindra a beleza deste livro.

Uma obra de arte da banda desenhada, repito. 



NOTA FINAL (1/10): 
9.4


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Ficha Técnica
Finalmente o Verão
Autoras: Jillian Tamaki e Mariko Tamaki
Editora: Planeta Tangerina
Páginas: 332, a preto e branco
Encadernação: Capa mole

1 comentário:

  1. Eu adorei o livro é muito interessante, adequado e divertido.

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