Análise: Comanche Integral (Volume 3)
Muitas crianças portuguesas que se transformaram em adultos que hoje continuam a ler banda desenhada e a ser adeptos desta 9ª arte, iniciaram-se neste género com três obras juvenis que qualquer pessoa reconhecerá: Astérix, Lucky Luke ou Tintim. No meu caso, e embora o meu irmão mais velho já tivesse bastante banda desenhada que eu bisbilhotava; ou sendo verdade que era frequente encontrar revistas da Disney ou da Turma da Mónica lá em casa, os meus dois primeiros livros de banda desenhada “mais a sério“ foram Comanche – Os Guerreiros do Desespero e Blake e Mortimer – O Caso do Colar. Era o meu 6º aniversário (1990) e ambos esses livros já tinham sido editados pelos autores há mais de 15 anos, nessa altura. Mas para mim, foi o primeiro e verdadeiro mergulho na banda desenhada. Depois disso chegaram os Asterix, Lucky Luke, Tintim e muitos outros mas o meu real "baptismo" foi com Comanche e Blake e Mortimer. Passados quase 30 anos, esses livros ainda ocupam um lugar de destaque nas minhas bem compostas estantes de banda desenhada.
E, já que neste artigo, falo sobre Comanche, se há coisas que posso dizer desta obra incontornável de Greg e Hermann, é que será sempre algo marcante e especial na minha vida. Como qualquer série de banda desenhada ou de televisão que nos marca, parece que as personagens e as aventuram que habitam a série Comanche passam o teste do tempo e ficam para sempre connosco. E é provavelmente por isso que esta é uma banda desenhada que terá certamente milhares e milhares de admiradores em todo o mundo.
E quando a Ala dos Livros anunciou que ia lançar a série integral de Comanche (por Greg e Hermann), a minha reação foi de espanto, por um lado, e de felicidade, por outro. Acho que já tive oportunidade de o referir quando falei sobre o que de melhor aconteceu em Portugal no ando de 2019, referente à banda desenhada, mas vou repeti-lo: as Editoras portuguesas nos últimos anos, não só têm apostado em banda desenhada nova (por nova, considero livros que foram lançados há menos de 5 anos), como têm apostado em "banda desenhada clássica", já com alguns anos de idade, mas que estava em falta no mercado português. Nuns casos, já não se encontram certos livros que já cá existiram. Noutros casos, certas obras ou séries nunca tinham sequer sido lançadas em Portugal.
Com esta edição a preto e branco, parece-me que a Ala dos Livros mata dois coelhos com uma só cajadada. Bem sei que foram muitas as críticas que vi espalhadas pela blogosfera ou pelas redes sociais dizendo que tendo em conta que a edição original de Comanche é colorida, não fazia qualquer sentido ser lançada a preto e branco. E embora, essa crítica seja tão legítima como qualquer outra, eu aconselhava as pessoas que criticaram a Ala dos Livros a folhearem estes livros a preto e branco. Penso que, caso não sejam muito teimosos, rapidamente mudarão de opinião. O traço de Hermann é lindíssimo e nestes livros a preto e branco, poderemos até conseguir analisá-lo com mais detalhe, desfrutando desta arte soberba. Não é a mesma coisa, não. É diferente. Mas igualmente bom. É por isso que digo que a Ala dos Livros matou dois coelhos com este lançamento: por um lado lança uma obra clássica que já era dificílima de encontrar em loja; mas por outro lado, acrescenta algo de novo à coleção. É como se reinventasse a série Comanche para os portugueses. Parece aquilo que as marcas de automóveis Volkswagen (New Beetle), Fiat (500) ou Mini fizeram quando resgataram os seus modelos clássicos. Trouxeram-nos de volta para os saudosos e para as novas gerações mas, ao mesmo tempo, adaptaram-nos aos tempos modernos, oferecendo algo novo.
Folheando os meus álbuns a cores de Comanche, a verdade é que continuo a adorá-los dessa forma (a cores) mas reconheço que talvez tenham um aspecto mais vintage (o que também não tem mal nenhum). Comanche a preto e branco parece-me mais moderno, mais up to date. Não tenho preferências: adoro a versão a cores e adoro a versão a preto e branco.
Focando-me mais neste Volume 3 que encerra a série elaborada por Greg e Hermann, o livro é constituído por 2 histórias longas (E o Diabo Gritou de Alegria e O Corpo de Algernon Brow) e por 5 histórias curtas. Estas histórias curtas acabam por ser um bom mimo para os fãs da série e uma forma de permitir desvendar mais algumas coisas acerca das personagens. Faço um destaque para a história curta O Palomino que, inesperadamente para mim, teve uma força emotiva muito forte pois mostra-nos como Ten Gallons capturou o cavalo favorito de Red Dust. Maravilhoso. Penso até que poderia ter dado para fazer uma história longa.
Sobre as narrativas aqui presentes, e agora focando-me nas duas histórias longas, o trabalho de Greg é sempre de uma inteligência e consistência enorme. Quase em género de "história de detective localizada no faroeste", o autor vai desvendando muito bem a trama, levando o leitor por encruzilhadas narrativas que, ora nos parecem indicar que o vilão é uma personagem como, a seguir nos levam por outro caminho. Muito bem construído.
Quanto à arte de Hermann, é absolutamente impressionante. Especialmente aquelas vinhetas grandes que ocupam dois terços de uma página, e que são apaixonantes devido à meticulosidade com que Hermann nos presenteia. A opção pelo livro a preto e branco tem claramente o meu aval porque acho que as ilustrações de Hermann ganham muito, especialmente quando os fortes constastes de sombra aparecem mais presentes. Admito que há algumas páginas que não funcionam tão bem porque, provavelmente, foram desenhadas pelo autor a pensar nas cores que posteriormente seriam aplicadas. Um destes exemplos são as páginas com as cenas de incêndios da primeira história E o Diabo Gritou de Alegria. Ainda assim, mantenho que são pequenas exceções à regra e que esta versão a preto e branco desta fantástica série é bem-vinda.
Resta-me ainda dizer que a qualidade da edição é de luxo. Um livro bonito de se ver, com uma qualidade de papel muito boa. Parabéns, Ala dos Livros! Admito porém que, dos três volumes da série, e embora eu goste muito da personagem Ten Gallons, este é aquele que tem a capa menos bonita. Preferi as ilustrações escolhidas para os volumes 1 e 2. Mas claro, trata-se de um gosto pessoal.
Em conclusão, posso afirmar que ler Comanche é como ver um dos melhores filmes do género western: somos transportados para um universo longínquo, com o qual todos nós já sonhámos nas nossas brincadeiras de infância (quem é que nunca gostou de brincar aos índios e aos cowboys?). Mas este universo, mesmo fazendo parte do nosso imaginário, é também credível na narrativa e nas personagens, sendo coerentemente construído por Greg e sublimemente desenhado por Hermann.
Uma obra de arte da banda desenhada.
NOTA FINAL (1/10):
8.9
-/-
Ficha Técnica:
Comanche Integral (Volume 3)
Autores: Greg e Hermann
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 160, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
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