Análise: Criminal: Livro Dois, de Ed Brubaker e Sean Phillips
A série Criminal está para a banda desenhada como, para o cinema, estão os filmes O Padrinho, de Francis Ford Coppola, Era uma Vez na América, de Sergio Leone ou Tudo Bons Rapazes, de Martin Scorsese. Crimes sangrentos habitam esta narrativa adulta e intensa, com uma forte trama construída em torno das personagens, todas elas a um passo da destruição. Esta série criminal que, legitimamente também se chama Criminal, tem todos os ingredientes obrigatórios (sexo, drogas, álcool, crimes, corrupção), com a dosagem certa, que um amante de histórias de gangsters, adora.
Quando em 2019 a G.Floy lançou o primeiro volume de Criminal que, aliás, acabou mencionado nas minhas melhores 10 leituras de 2019, a Editora Portuguesa mais do que presentear os fãs portugueses que já conheciam esta série imprescindível, estava a fazer serviço público pela comunidade de leitores portugueses de banda desenhada.
Afinal, trata-se da obra mais conhecida de Ed Brubaker e Sean Phillips que, nos últimos anos se têm afirmado como uma das duplas com mais sucesso da banda desenhada norte-americana.
Criminal apresenta-nos várias histórias das personagens da cidade de Center City. Todas elas são histórias pesadas, agressivas, negras, adultas e que nos revelam o que de mais negativo e nefasto há na condição humana. Podíamos fazer um paralelismo com a Sin City de Frank Miller embora, essa seja uma obra mais estilizada e talvez mais superficial, do que Criminal. Cada uma, à sua maneira, são excecionais.
E se é verdade que há um ambiente próprio, comum a cada uma das histórias da série Criminal, este Criminal Livro Dois não é, ainda assim, mais do mesmo. Cada história deste volume tem a sua própria singularidade mesmo quando há personagens repetidas com quem já nos cruzámos numa outra história.
E uma outra coisa que este Criminal Livro Dois tem, e que merece o meu destaque, é a capacidade de contar uma mesma história através de várias perspetivas. Isto permite que a relação criada entre o leitor e as personagens se intensifique, levando-nos, muitas vezes, a relativizar e a pôr em perspetiva determinada opinião que tínhamos sobre um personagem.
Assim, se, há algo que a banda desenhada clássica nos deu foi um universo de personagens que espelhavam o bom e o mau, o que devemos e o que não devemos fazer, qual objeto de culturalização. Contudo, com o passar dos anos e com o amadurecimento da banda desenhada enquanto meio, fomos começando a ter personagens mais dúbias que nos aproximam muito mais da realidade em que vivemos. Porque de facto, nós não somos só “bons” ou só “maus”. Temos um conjunto de atitudes “boas”, mas também temos um conjunto de atitudes “más”.
Criminal agarra muito bem neste paradigma. Estes vários pontos de vista que nos são dados sobre as personagens, levam-nos a mudar – ou pelo menos a ajustar – certa opinião que possamos ter sobre as diversas personagens. À partida, podemos olhar para uma personagem e catalogá-la, automaticamente, como sendo um vilão ou um “bom”, baseando-nos nos seus actos. Não obstante, como Criminal regressa às mesmas personagens e aos meus actos mas de uma outra perspetiva, faz com que, por diversas vezes, consigamos perceber quais são as motivações que transformaram aquela personagem num "mau da fita" e, por conseguinte, leva-nos a alargar os nossos horizontes em relação ao que é certo e errado. Olhando para os super-heróis clássicos da banda desenhada em que fica claro quem são os bons e quem são os maus, através de uma dimensão unilateral, aqui, a postura é completamente multilateral. O que atribui a esta série um cariz totalmente adulto.
Em termos de arte, acho que cumpre bem os propósitos da série, apresentando-nos um ambiente noir, com muitas sombras acentuadas e umas cores propositadamente esbatidas numas alturas e muito vivas, noutras. Não é um desenho que eu considere espetacular mas também não lhe posso apontar erros. Como já disse, cumpre. Porque claro, aqui a estrela da companhia não é a arte mas sim o texto, a história, a teia de personagens que Brubaker constrói de forma magistralmente inteligente, levando-nos a relacionarmo-nos com as mesmas e com as vicissitudes que enfrentam.
Criminal é uma série obrigatória para fãs de bd. Na verdade, nem consigo nutrir muito respeito por uma pessoa que se considere leitor de banda desenhada e não tenha nenhum Criminal na sua estante. Imprescindível.
Parabéns à G.Floy Studio por trazer esta magnífica série para Portugal. A edição é de luxo, com capa rija. Penso que as capas podiam ser mais apelativas – como as da versão americana Deluxe Integral - mas calculo que não se trate de uma escolha da G. Floy pois há versões em inglês com estas mesmas capas, naturalmente.
Se adoraram o Criminal: Livro Um, continuarão a adorar este novo volume. Se ainda não têm nenhum destes dois livros, façam a vocês mesmos um favor e tratem de resolver esta falta para convosco mesmos.
NOTA FINAL (1/10):
9.0
-/-
Ficha Técnica:
Criminal: Livro Dois
Autores: Ed Brubaker e Sean Phillips
Editora: G. Floy
Páginas: 224, a cores
Encadernação: Capa dura
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