Inspirado pelo lançamento da ColeçãoWatchmen, ainda em curso, da editora Levoir, que resgata a obra
original de Alan Moore e Dave Gibbons e adiciona os volumes Dc
Universe, The Button e Doomsday Clock, que nos revelam a entrada das
personagens Watchmen no universo DC, voltei a ler a obra original
Watchmen, publicada há cerca de 4 anos pela mesma editora.
E para fazer uma análise de Watchmen,
das duas, uma: ou faria a análise mais extensa, complexa e difícil
de ler do Vinheta 2020; ou fazia uma análise mais sintética, que
conseguisse apenas tocar nos pontos fulcrais da série.
E é isso que tentarei fazer.
Watchmen é daquelas obras mais do que
incontornáveis da banda desenhada. Diria que para um adepto de banda
desenhada é tão indispensável ler esta série (a obra original, de
Alan Moore e Dave Gibbons, sublinho), como é indispensável para um
amante de literatura portuguesa ler Os Maias, de Eça de Queiroz. É
quase como se fosse um baptismo ao comic para adulto.
De facto, parece que foi mesmo esse o
ponto de partida - ou, pelo menos, o ponto de chegada - de Alan Moore:
fazer algo, baseado em super-heróis mas que fosse mais para adultos
do que para jovens. É disruptivo na medida em que acaba por repensar
toda a maneira, todas as temáticas, todas as subnarrativas que
geralmente eram aplicadas nas histórias de super-heróis americanas.
E mesmo hoje em dia, a forma como esta obra está construída, ainda
a coloca entre as novelas gráficas mais relevantes da história da
banda desenhada. E não está minimamente datada. Continua a estar
mais do que atual.
Mas que se desengane quem achar que
Watchmen é um livro leve ou de fácil leitura. É dos livros mais
pesados e mais exigentes para com o leitor, de toda a banda
desenhada. Na verdade, estou aqui a puxar pela cabeça e não me
recordo de um livro de bd que considere mais complexo na leitura.
E sim, diria que o grande alicerce de
Watchmen e, talvez mesmo, a razão pela qual esta obra é tão aclamada no mundo da banda desenhada – e até mesmo no mundo da literatura,
tendo Watchmen sido incluído na lista das 100 obras mais
importantes da literatura em inglês, pela revista Time – é que
Watchmen é um punhado de subnarrativas que se complementam entre si,
que se questionam entre si e que, no final, contam uma história
maior.
A história passa-se nos
Estados Unidos da América, em 1985, e remete-nos para uma realidade
carregada de super-heróis fantasiados. Nesta altura, a América vivia
ainda o período da Guerra Fria na iminência, sempre constante, de
iniciar uma guerra nuclear contra a União Soviética e assim propiciar a Terceira Guerra Mundial. Mas a história não se centra apenas
neste grupo de super-heróis dos anos 80. Frequentemente somos
remetidos para os acontecimentos que marcaram um primeiro grupo de
super-heróis do passado, no período pós-Segunda Guerra Mundial.
Entretanto, um dos super-heróis, o Comediante, é assassinado e é
isso que acende o rastilho para a investigação por parte dos
heróis atuais, embora os flashbacks até ao passado sejam
recorrentes para que o autor nos desvende algumas pistas (ou por
vezes, nos deixe ainda com mais dúvidas).
Watchmen retrata os super-heróis como
indivíduos verossímeis, que enfrentam problemas éticos e
psicológicos, lutando contra dúvidas internas e contra os seus próprios defeitos. A obra
está carregada de simbolismo e toca em temas tão variados como
filosofia, política, ética, moral, história, artes e ciência.
O resultado é uma grande teia de
narrativas, inteligentemente interligadas por Alan Moore. No final de cada capítulo, há ainda espaço para
textos em prosa que complementam a história dando (muita) mais
informação ao leitor, acerca das personagens e dos vários eventos
que se vão sucedendo.
E, por fim, no meio desta história
que, temporalmente, anda para a frente e para trás, temos ainda uma "sub-sub-narrativa" que se baseia nuns livros de banda desenhada,
denominados Contos do Cargueiro Negro, que um jovem vai lendo. O
genial Alan Moore e a enorme legião de fãs de Watchmen que me
perdoem mas tenho que afirmar que, na minha humilde opinião, Contos
do Cargueiro Negro é apenas um filler que não acrescenta nada de verdadeiramente relevante
a Watchmen. A meu ver, é uma tentativa de mergulhar ainda mais
fundo, nas premissas da banda desenhada, qual exercicío estético,
mas que, no final de contas, não é mais do que uma iniciativa pobre, um
pouco sem lógica e quase presunçosa, que acaba por sair “ao
lado”. Alguns poder-me-ão dizer: “ah mas o texto de os Contos do
Cargueiro Negro encaixa que nem uma luva no que, fora dessa banda
desenhada, está a acontecer na narrativa de Watchmen”. Discordo. É
um texto demasiado abstracto, pouco inspirado até, que poderia ser
“enfiado à força” em tantas outras bandas desenhadas, que
encaixaria tão bem como em Watchmen. Faz-me lembrar os textos de
horóscopo. É um tipo de texto feito para encaixar. Mas é tão
artificialmente feito para tal, que acaba por ser vazio. E é por
isso que quando leio o meu horóscopo, aquilo até pode fazer algum
sentido. Mas se ler o horóscopo de qualquer outro dos restantes 11
signos, também fará sentido à minha pessoa. E a qualquer
outra pessoa, claro.
Mas tirando esta irritação que Os Contos do Cargueiro Negro geram em mim, posso dizer que o que é fantástico em Watchmen é a
sua natureza original, de uma profundidade muito bem tecida por Alan
Moore. Impressionante na narrativa, merece mil vénias. Quanto à
arte de Gibbons, diria que cumpre bem (sem ser inesquecível) e que
não me merece qualquer tipo de comentário negativo. Mas lá está,
a genialidade de Watchmen está no texto, e na teia intricada de
tantas narrativas e tantas personagens marcantes, cada uma com a sua
própria vivência, valências e fraquezas. Não dira que qualquer
ilustrador poderia ter desenhado Watchmen (isso seria desrespeitar o
bom legado de Dave Gibbons) mas diria que muitos ilustradores
poderiam ter-se sentado nessa cadeira. Já quanto ao texto e história
desta obra, já me parece mais claro que, se não houvesse Alan
Moore, não haveria Watchmen.
Obrigatório de ler. Pelo menos, uma
vez na vida.
NOTA FINAL (1/10):
9.0
-/-
Ficha Técnica
Watchmen
Autores: Alan Moore e Dave Gibbons
Editora: Levoir
Páginas: 432, a cores
Encadernação: Capa dura
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