segunda-feira, 30 de março de 2020

Análise: Watchmen




Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons

Inspirado pelo lançamento da ColeçãoWatchmen, ainda em curso, da editora Levoir, que resgata a obra original de Alan Moore e Dave Gibbons e adiciona os volumes Dc Universe, The Button e Doomsday Clock, que nos revelam a entrada das personagens Watchmen no universo DC, voltei a ler a obra original Watchmen, publicada há cerca de 4 anos pela mesma editora.

E para fazer uma análise de Watchmen, das duas, uma: ou faria a análise mais extensa, complexa e difícil de ler do Vinheta 2020; ou fazia uma análise mais sintética, que conseguisse apenas tocar nos pontos fulcrais da série.

E é isso que tentarei fazer.

Watchmen é daquelas obras mais do que incontornáveis da banda desenhada. Diria que para um adepto de banda desenhada é tão indispensável ler esta série (a obra original, de Alan Moore e Dave Gibbons, sublinho), como é indispensável para um amante de literatura portuguesa ler Os Maias, de Eça de Queiroz. É quase como se fosse um baptismo ao comic para adulto.

De facto, parece que foi mesmo esse o ponto de partida - ou, pelo menos, o ponto de chegada - de Alan Moore: fazer algo, baseado em super-heróis mas que fosse mais para adultos do que para jovens. É disruptivo na medida em que acaba por repensar toda a maneira, todas as temáticas, todas as subnarrativas que geralmente eram aplicadas nas histórias de super-heróis americanas. E mesmo hoje em dia, a forma como esta obra está construída, ainda a coloca entre as novelas gráficas mais relevantes da história da banda desenhada. E não está minimamente datada. Continua a estar mais do que atual.

Mas que se desengane quem achar que Watchmen é um livro leve ou de fácil leitura. É dos livros mais pesados e mais exigentes para com o leitor, de toda a banda desenhada. Na verdade, estou aqui a puxar pela cabeça e não me recordo de um livro de bd que considere mais complexo na leitura.

E sim, diria que o grande alicerce de Watchmen e, talvez mesmo, a razão pela qual esta obra é tão aclamada no mundo da banda desenhada – e até mesmo no mundo da literatura, tendo Watchmen sido incluído na lista das 100 obras mais importantes da literatura em inglês, pela revista Time – é que Watchmen é um punhado de subnarrativas que se complementam entre si, que se questionam entre si e que, no final, contam uma história maior.

A história passa-se nos Estados Unidos da América, em 1985, e remete-nos para uma realidade carregada de super-heróis fantasiados. Nesta altura, a América vivia ainda o período da Guerra Fria na iminência, sempre constante, de iniciar uma guerra nuclear contra a União Soviética e assim propiciar a Terceira Guerra Mundial. Mas a história não se centra apenas neste grupo de super-heróis dos anos 80. Frequentemente somos remetidos para os acontecimentos que marcaram um primeiro grupo de super-heróis do passado, no período pós-Segunda Guerra Mundial. 

Entretanto, um dos super-heróis, o Comediante, é assassinado e é isso que acende o rastilho para a investigação por parte dos heróis atuais, embora os flashbacks até ao passado sejam recorrentes para que o autor nos desvende algumas pistas (ou por vezes, nos deixe ainda com mais dúvidas).

Watchmen retrata os super-heróis como indivíduos verossímeis, que enfrentam problemas éticos e psicológicos, lutando contra dúvidas internas e contra os seus próprios defeitos. A obra está carregada de simbolismo e toca em temas tão variados como filosofia, política, ética, moral, história, artes e ciência.

O resultado é uma grande teia de narrativas, inteligentemente interligadas por Alan Moore. No final de cada capítulo, há ainda espaço para textos em prosa que complementam a história dando (muita) mais informação ao leitor, acerca das personagens e dos vários eventos que se vão sucedendo.

E, por fim, no meio desta história que, temporalmente, anda para a frente e para trás, temos ainda uma "sub-sub-narrativa" que se baseia nuns livros de banda desenhada, denominados Contos do Cargueiro Negro, que um jovem vai lendo. O genial Alan Moore e a enorme legião de fãs de Watchmen que me perdoem mas tenho que afirmar que, na minha humilde opinião, Contos do Cargueiro Negro é apenas um filler que não acrescenta nada de verdadeiramente relevante a Watchmen. A meu ver, é uma tentativa de mergulhar ainda mais fundo, nas premissas da banda desenhada, qual exercicío estético, mas que, no final de contas, não é mais do que uma iniciativa pobre, um pouco sem lógica e quase presunçosa, que acaba por sair “ao lado”. Alguns poder-me-ão dizer: “ah mas o texto de os Contos do Cargueiro Negro encaixa que nem uma luva no que, fora dessa banda desenhada, está a acontecer na narrativa de Watchmen”. Discordo. É um texto demasiado abstracto, pouco inspirado até, que poderia ser “enfiado à força” em tantas outras bandas desenhadas, que encaixaria tão bem como em Watchmen. Faz-me lembrar os textos de horóscopo. É um tipo de texto feito para encaixar. Mas é tão artificialmente feito para tal, que acaba por ser vazio. E é por isso que quando leio o meu horóscopo, aquilo até pode fazer algum sentido. Mas se ler o horóscopo de qualquer outro dos restantes 11 signos, também fará sentido à minha pessoa. E a qualquer outra pessoa, claro.

Mas tirando esta irritação que Os Contos do Cargueiro Negro geram em mim, posso dizer que o que é fantástico em Watchmen é a sua natureza original, de uma profundidade muito bem tecida por Alan Moore. Impressionante na narrativa, merece mil vénias. Quanto à arte de Gibbons, diria que cumpre bem (sem ser inesquecível) e que não me merece qualquer tipo de comentário negativo. Mas lá está, a genialidade de Watchmen está no texto, e na teia intricada de tantas narrativas e tantas personagens marcantes, cada uma com a sua própria vivência, valências e fraquezas. Não dira que qualquer ilustrador poderia ter desenhado Watchmen (isso seria desrespeitar o bom legado de Dave Gibbons) mas diria que muitos ilustradores poderiam ter-se sentado nessa cadeira. Já quanto ao texto e história desta obra, já me parece mais claro que, se não houvesse Alan Moore, não haveria Watchmen.

Obrigatório de ler. Pelo menos, uma vez na vida.

NOTA FINAL (1/10):
9.0

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Ficha Técnica
Watchmen
Autores: Alan Moore e Dave Gibbons
Editora: Levoir
Páginas: 432, a cores
Encadernação: Capa dura

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