sexta-feira, 20 de março de 2020

Análise: Darwin 1 e 2



Darwin (1. A Bordo do Beagle e 2. A Origem das Espécies), de Christian Clot e Fabio Bono

Durante o ano de 2019, a Editora Gradiva surpreendeu todos os leitores de banda desenhada, demonstando ser muito ativa e produtiva no lançamento de muitos livros, se compararmos com aquilo que a editora costumava lançar, ao nível da banda desenhada, no passado. É notável e digno de vénias, e lembro-me que na minha análise ao melhor de 2019, até acabei por considerar a Gradiva como uma das melhores editoras do ano. Para além dos vários lançamentos avulso da editora, estão as séries "Descobridores", "Sabedoria dos Mitos" ou "Eles fizeram História". Todas elas muito apetecíveis e relevantes. Estes lançamentos de personagens históricas representam um franja de mercado na banda desenhada que, até agora, nenhuma editora portuguesa estava a aproveitar. A Gradiva merece pois o meu aplauso, pelo seu sentido de oportunidade. 

Relativamente a Darwin, que nos foi entregue nos dois volumes A Bordo do Beagle e A Origem das Espécies, com um espaçamento editorial de poucos meses entre si, esta é uma obra que nos conta a história do célebre cientista que revolucionou, para sempre, a maneira como a sociedade via a criação do mundo e da própria ciência. 

O primeiro tomo, A Bordo do Beagle, relata-nos os primeiros anos da vida adulta de Charles Darwin, que estava destinado a uma carreira religiosa mas que, quando confrontado com a possibilidade de embarcar a bordo do HMS Beagle, decide agarrar esta oportunidade única. O segundo tomo, A Origem das Espécies, apresenta-nos algumas das conclusões a que Darwin parece estar a chegar e como as mesmas o começam a atormentar e aos que o rodeiam, pois eram conclusões demasiado à frente do seu tempo – que uns achavam ridículas – e que punham em causa a ordem natural do mundo que, nesta altura, ainda assentava as suas explicações oficiais naquelas que eram concedidas através dos textos sagrados da Bíblia. 

Ao longo de ambos os livros, a personagem de Charles Darwin vai-se desenvolvendo de forma gradual. Primeiro interroga, depois tenta encontrar uma resposta. E através dessa resposta encontrada, começa a pôr em causa – mesmo sendo de forma completamente cordial, porque os tempos eram outros – os textos bíblicos e as teorias de que a Terra só teria 4.000 anos desde o dia em que fora criada por Deus. Por conseguinte, a relação de respeito/desacordo de Darwin e do Capitão do HMS Beagle, Fitz Roy, que era um homem devoto à religião, tem altos e baixos, e é muito bem explorada em ambos os livros.

Embora falar das teorias de Darwin pressuponha falar de ciência, devo dizer que Christian Clot, que além de argumentista de bd também é membro da Societé des Explorateurs Français, faz aqui um trabalho exemplar. E fê-lo também em Magalhães – Até ao Fim do Mundo e em Tenzing – No Teto do Mundo com Edmund Hillary, ambos da mesma coleção e co-argumento de Clot. Nunca somos bombardeados com demasiados factos históricos, com demasiada ciência ou com linguagem técnica em demasia, que afastaria muitos leitores, certamente. Mas também, a informação nunca nos é dada como se fôssemos crianças ou pessoas desprovidas de inteligência. Nem demasiado complexa, nem demasiado básica. No equilíbrio certo.

E mesmo tendo em conta de que se trata de uma aula de história, a mesma é-nos dada como se fosse um trabalho ficcional. Lembro-me que tive um professor de história no ensino secundário que nos falava dos eventos históricos de uma forma que captava o nosso interesse, como se nos tivesse a contar uma história de ficção e não a despejar factos, acontecimentos e datas. É isso que Clot faz de forma demais competente.

Quanto à arte, temos aqui um trabalho muito interessante por parte de Fabio Bono. Se o desenho das caras das personagens e, especialmente, das suas expressões, por vezes me parece algo vago e pouco detalhado ou diferenciador entre as várias personagens, tenho que realçar que a concepção dos locais, dos animais, dos navios, dos interiores das casas ou do navio, das paisagens é muito bem conseguida, com algumas vinhetas majestosas. Por vezes, algumas delas ocupam uma página inteira e são um mimo para os olhos. Também em termos de cor e luz, estamos perante um trabalho clássico fe bd franco-belga e muito competente.

Cada um dos dois livros contém ainda um dossiê histórico preparado pelo autor Christian Clot que nos oferece muitas informações que complementam a história principal com detalhes relevantes. Uma ótima adição, portanto.

Faço apenas uma nota em relação ao lançamento da obra em dois volumes. Tendo em conta que Darwin foi originalmente lançado pela Glénat em 2016 e que, por esse motivo, ambos os volumes já estariam disponíveis no mercado, não tendo a Gradiva e os leitores que esperar pela publicação do segundo tomo, como por vezes acontece, admito que teria ficado mais satisfeito se a Gradiva tivesse lançado estas duas histórias num só volume integral. Algo como a Arte de Autor tem vindo a fazer nos seus lançamentos. Não sei até que ponto as Editoras têm isto em conta mas a verdade é que o próprio espaço físico que um livro ocupa, começa já a ser uma coisa a ter em conta pelos leitores na altura da compra – especialmente aqueles que compram muita bd, que naturalmente serão sempre um público-alvo privilegiado pelas Editoras. Portanto, posso dizer que falo por mim e pelos meus pares, com quem discuto bd, que vale mais um livro mais grosso e mais completo (mesmo que seja relativamente mais caro) do que dois volumes.  Reconheço a lógica comercial da Editora Gradiva pois, afinal de contas, se cada um destes livros custa cerca de 17€, isso significa que para se ter a história completa de Darwin, os leitores terão que investir 34€, aproximadamente. Se a editora colocasse no mercado um álbum duplo por 34€, talvez isso "assustasse" alguns leitores por ser um avultado valor. No entanto, algo como outras editoras têm feito de vender estes álbuns duplos a rondar os 25€, seria bastante agradável para todos. A Editora não faria tanto lucro, é verdade. Mas não esqueçamos que muitos leitores poderão não comprar o segundo volume (ou não comprarem nenhum, mesmo pela razão da história estar dividida por dois liros), o que também acarreta riscos e me remete para a clássica frase: “vale mais um pássaro na mão do que dois a voar”. Fica a minha nota sobre esta questão.

Voltando ao tema principal, Darwin é uma aposta ganha da Gradiva. Tal como é a coleção “Descobridores”, que contém livros que vou querer manter na minha biblioteca. São uma forma light – mas coerente e cheia de conteúdo – de mergulhar nas histórias reais destes pensadores vanguardistas para a sua época. Quer seja para jovens, quer seja para adultos, são excelentes livros.

E Darwin é uma obra muito competente e com relevância, que vale a pena adquirir.

NOTA FINAL (1/10):
8.5

-/-

Ficha técnica
Darwin 1: A Bordo do Beagle e Darwin 2: A Origem das Espécies
Autores: Christian Clot e Fabio Bono
Editora: Gradiva
Páginas: 56, a cores (cada livro)
Encadernação: capa dura

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