Entre os vários lançamentos que a editora Polvo fez durante o último festival Amadora BD, dois foram dedicados a obras do autor brasileiro André Diniz. Falo de A Revolta da Vacina e de Matei o Meu Pai e foi Estranho. E é sobre este último que esta análise se centra.
Editado originalmente no Brasil, em 2017, pela Jupati Books, Matei o Meu Pai e foi Estranho é um livro extremamente bem conseguido do ponto de vista narrativo, trazendo-nos um André Diniz bastante inspirado enquanto narrador!
A história coloca-nos na pele de Zaqueu, um jovem brasileiro que nasceu albino, com cabelo e pele brancos, numa família disfuncional, onde todos são morenos: o seu pai, a sua mãe, a sua irmã e o seu irmão. Sendo de uma família pobre, Zaqueu tem a sorte(?) de poder estudar numa escola de ricos, devido ao gesto de generosidade do patrão do pai de Zaqueu. E é sobre a relação com este, o pai do protagonista, que a história mais vai incidir. Zaqueu é a antítese do seu pai. Enquanto o filho tem boas notas na escola, o seu pai só valoriza é que ele saiba jogar futebol. E enquanto Zaqueu é um adolescente sensível, o seu pai só o quer bem masculino e violento, naquela definição clássica de “ser-se verdadeiramente homem”.
Zaqueu parece, por isso, deslocado de tudo e de todos, não encontrando um local ou um grupo de pessoas com quem se possa encaixar organicamente. Aonde possa pertencer. Em casa é um deslocado. Na escola é um deslocado. E talvez seja por isso que o jovem passa a “baldar-se” às aulas, apanhando o autocarro para outros lugares da cidade. Quiçá, em busca de novas pessoas, novos lugares, novas realidades. E é numa dessas escapadas que, num dia, sem que nada o fizesse prever, Zaqueu vê o seu pai de braço dado com outra mulher e com uma criança que lhe chama pai. Naturalmente, o mundo de Zaqueu sofre um abalo assim que descobre a vida dupla que o seu pai anda a manter.
Paralelamente, a forma execrável como o seu pai o trata, rebaixando-o e ridicularizando-o à menor oportunidade, fará com que Zaqueu acabe por tomar medidas drásticas em relação ao seu pai. Mais, não digo, pois não ouso sequer tentar estragar o prazer de leitura deste livro, que é tão gratificante.
Partindo do princípio que, logo no título da obra, que na verdade é uma frase, André Diniz nos revela um acontecimento irrevogável, que é o facto de Zaqueu matar o seu pai, devo dizer que achei o exercício narrativo do autor, verdadeiramente brilhante. Que me fez sorrir, acenar com a cabeça e murmurar: “Bem jogado, André!”.
A narrativa está, pois, muito bem construída, com o autor a dosear muito bem o suspense causado no leitor e mostrando ser um verdadeiro contador de histórias. Sabemos que a história caminha para uma apoteose desde que lemos a primeira vinheta, mas estamos sempre colados às páginas, deixando-nos levar pela boa trama montada pelo autor.
Quanto à arte ilustrativa, posso dizer que é um típico livro de André Diniz.
Apresentando o seu característico e disruptivo traço grosso, carregado por uma grande geometrização nas figuras, que traz para as personagens e cenários, as formas de triângulos, quadrados e círculos. Os tracejados para descreverem as formas dos objetos também são uma constante, o que oferece aos desenhos uma certa sensação de simpatia. Basta-nos um breve vislumbre de uma vinheta para sabermos, logo ali, que o desenho em questão é de André Diniz. Pode-se ter mais signature style do que isto? Dificilmente.
Por esse mesmo motivo, também calculo que existam leitores que adoram e leitores que odeiam. Tal como eu próprio escrevi quando fiz a minha análise ao também fantástico Morro da Favela, “o autor conseguiu criar um universo pictórico só dele. É bom? Sim, é! É para todos os amantes de banda desenhada? Provavelmente não. Tem demasiada personalidade, reconheço. Mas, no meu caso, e sublinhando que esta é a parte subjetiva na minha análise, é uma arte ilustrativa que me convence e onde gosto de mergulhar.”
Falando da edição, temos um livro bem executado, com capa mole, bom papel, boa encadernação e boa impressão.
Em conclusão, posso dizer que Matei o Meu Pai e foi Estranho demonstrou ser um excelente livro, que apresenta uma narrativa exemplarmente construída por André Diniz e que nos proporciona uma leitura mais do que agradável. Sinceramente, um dos meus livros favoritos do autor!
NOTA FINAL (1/10):
8.8
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Matei o Meu Pai e foi Estranho
Autor: André Diniz
Editora: Polvo
Páginas: 120, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Novembro de 2021
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