Já no final de 2021, a editora Devir apostou numa nova série de manga, da autoria de Tatsuya Endo, e que dá pelo nome de Spy x Family. Esta é uma série relativamente recente, que começou a ser publicada no Japão em 2019 e que, neste momento, já conta com 7 volumes publicados no país de origem. Por cá, a Devir prepara-se para editar, neste mês de janeiro, o segundo volume da série.
Não sendo eu um leitor muito batido no universo dos mangás, tenho que admitir que a leitura deste primeiro volume de Spy x Family se revelou bastante gratificante para mim. E talvez mesmo por esse mesmo motivo de eu não ser tão batido assim no género.
A história é deveras original. Acompanhamos o experiente agente secreto Crepúsculo, a quem é dada uma nova missão – a mais difícil de sempre – que consiste em infiltrar-se numa escola particular para poder chegar ao seu alvo, Donovan Desmond, que pertence ao Partido de União Nacional. Mas, claro, para que a infiltração de Crepúsculo na escola ocorra da melhor forma – e sem levantar dúvidas –, o agente secreto precisa de ter um filho(a) inscrito(a) na escola onde Desmond também tem o seu filho. O único problema é que Crepúsculo não é pai nem sequer tem alguma relação amorosa. Resultado: para que a missão possa ser levada a cabo, o protagonista terá que “arranjar” uma esposa e um(a) filho(a). E é desta forma que resgata de um orfanato Anya e que casa com Yor.
Se, até aqui, a premissa já parece deveras cómico-trágica e sui generis, deixem-me dizer-vos ainda que, logo por azar – ou nem tanto – a criança que Crepúsculo adota é telepata, conseguindo saber aquilo que os outros pensam, e a sua nova esposa, Yor, é assassina nas horas vagas. E Crepúsculo não sabe disto. São daquelas coincidências da vida. Ou dos mangás, vá.
A premissa deste shonen (um mangá para crianças a partir dos 8 anos) é bastante divertida. Não se leva muito a sério e, portanto, assume uma postura cómica na forma como aborda a história que, convenhamos, até poderia ser mais obscura e pesada. Mas não, é bastante leve. Por esse motivo, é recomendada para crianças, até.
Depois temos as coisas clássicas deste tipo de mangás: boa disposição, um certo exagero nas situações que sucedem às personagens e na forma como as mesmas personagens reagem aos eventos com que se deparam. Tudo isto é pontuado por um enredo leve e divertido que coloca o agente secreto Crepúsculo a lidar com inúmeras situações de stress, pois parece que até um agente com tanta experiência e missões bem-sucedidas no passado encontra, finalmente, as suas fraquezas, ao ter que lidar com uma missão tão diferente e singular. E isso é particularmente bem conseguido em termos de história: Tatsuya Endo explora bem o facto do seu protagonista encontrar as maiores dificuldades na tarefa que supostamente seria mais fácil. A de ter uma família. A de ser pai. Pelo menos, comparando com missões de alto risco que Crepúsculo resolveu no passado. Tantos de nós que somos pais e mães. Mas quantos de nós somos talentosos agentes secretos e mestres da espionagem? Spy x Family parece querer, por isso, prestar um certo tipo de louvor ao homem e à mulher comum. Mesmo que o faça em tom leve e de brincadeira.
Quando, finalmente, Crepúsculo consegue encontrar a filha e esposa ideais, passamos para a parte em que os três terão a difícil missão de levar a escola mais exclusiva do país a aceitar Anya enquanto sua aluna. Julgo que aqui, devido aos (muito) caricatos eventos que se sucedem, a série assume um tom ainda mais exagerado e infantil que, no meu caso, me fez torcer um pouco o nariz, pois estava a adorar a premissa inicial do livro. Ainda assim, e relembrando que este é um livro aconselhado para jovens adolescentes, é justo dizer que é compreensível que, aqui e ali, a narrativa fique um pouco mais infantil. Mas, seja como for, não escondo que, apesar desse lado menos adulto, continuei a gostar bastante de história até ao final do livro. E, quando se chega ao fim do mesmo, a vontade imediata é saber o que acontece, a seguir, às personagens.
Quanto à componente ilustrativa, estamos perante um livro clássico de manga. O estilo de ilustração inconfundível está muito em linha com aquilo a que já nos habituámos neste tipo de livros. A expressividade (por vezes exagerada, mas assim é um bom e clássico mangá) das personagens, a dinâmica muito rápida na sequência narrativa, a utilização de uma planificação muito diversificada que também ajuda ao tal ritmo rápido de narração, está cá tudo.
Devo dizer que gostei particularmente de algumas vinhetas que nos mostram cenários lindíssimos e muito detalhados e, também, da maneira muito dinâmica e bem conseguida como o autor ilustra as poucas cenas de ação do livro. E, claro, todas as personagens também estão exemplarmente desenhadas. Tatsuya Endo pode ser um autor que não traz inovações para o género, mas não deixa de ser verdade que é um perfeito executante do melhor que já todos conhecemos neste estilo de ilustração japonesa. Tudo muito bem feito.
Se há algo que posso lamentar é que o livro seja a preto e branco. Bem sei que essa é a norma e o expetável neste tipo de livros, mas eu adoraria ver este livro totalmente colorido. Aliás, as primeiras três páginas do livro, que são coloridas, dão-me razão, mostrando o quão mais bela (ainda) seria a arte ilustrativa deste livro, se o mesmo fosse totalmente a cores. Mas claro, também sei que isso teria outras implicações para a série, nomeadamente no custo dos livros e na própria rapidez com que os mesmos são criados pelos autores de manga. Mas é um desejo que mantenho, pronto. Seja como for, e colocando os meus desejos pessoais de parte, graficamente falando, este Spy X Family #1 é um livro muito bem executado.
Quanto à edição da Devir, temos um trabalho bem conseguido, em linha com os outros mangás da editora. O livro respeita o pequeno formato e sentido de leitura original japonês, ou seja, é lido de trás para a frente. De resto, tem capa mole e brilhante (que emana uns belos brilhos metálicos a verde, diga-se) e papel baço de qualidade decente. Aquilo a que a editora já nos habituou nos seus lançamentos de mangás, diga-se. Ainda que quase toda a gente (já) não tenha problemas em efetuar uma leitura no formato original japonês, de trás para a frente, acho sempre positivo que, na última página do livro, a editora explique o sentido certo de leitura para que a mesma seja feita sem problemas. Isto porque - nunca se sabe! - um novo leitor, que dá de caras com o livro, pode não estar familiarizado com o formato original e esta breve explicação é muito esclarecedora.
Em suma, este Spy X Family demonstrou ser uma história com uma premissa bem original, que mantém o leitor colado à narrativa, que acaba por ser bastante divertida. Os desenhos, à semelhança dos melhores mangás clássicos, são espetacularmente bem executados. Pelo cariz mais terra-a-terra da história, até diria que é uma boa porta de entrada no universo dos mangás para aqueles que estão menos acostumados ao género. Recomenda-se, sem dúvida.
NOTA FINAL (1/10):
7.8
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Spy x Family #1
Autor: Tatsuya Endo
Editora: Devir
Páginas: 216, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Novembro de 2021
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