quarta-feira, 16 de março de 2022

Análise: Tintin no País dos Sovietes

Tintin no País dos Sovietes, de Hergé - ASA (Leya)

Tintin no País dos Sovietes, de Hergé - ASA (Leya)
Tintin no País dos Sovietes, de Hergé

Tintin no País dos Sovietes é a primeira aventura do jovem repórter e a única que o autor, Hergé, deixou por colorir, pelo que é especialmente emblemática por esse motivo. A obra original tem quase 100 anos, pois data de 1929, mas foi em 2017 que recebeu, finalmente, cores pelas mãos da direção artística de Michel Bareau. E agora, ou, mais precisamente, no passado mês de Novembro, a ASA – que até já tinha publicado a mesma obra a preto e branco – lançou a versão a cores no mercado português.

Este é um Tintin embrionário. E um Tintin imberbe, também. Na música chamamos a este tipo de obras “demos” porque são ainda uma ideia prática daquilo que uma canção pode vir a ser. E assim é Tintin no País dos Sovietes sendo, no entanto, uma obra completa. Mesmo assim, é ainda um começo, uma proposta, uma intenção autoral. E o próprio Hergé sabia disso mesmo. Portanto, nunca quis redesenhar a obra original ou, sequer, colori-la porque, reza a lenda, o próprio autor não tinha especial orgulho por este Tintin no País dos Sovietes.

Tintin no País dos Sovietes, de Hergé - ASA (Leya)
A grande novidade desta obra, certamente conhecida por já muitos dos meus leitores, é o facto de ser uma obra a cores. Que a torna mais leve, mais legível e mais agradável à vista. Alguns leitores – mais puristas – poderão queixar-se de que tudo isto deriva de um mordaz interesse comercial por parte da(s) editora(s) envolvida(s) e que se está a desrespeitar a vontade original do autor. Aceito isso. Por outro lado, e olhando para o álbum em si, também podemos considerar que o (suposto) interesse comercial traz consigo, mesmo que seja num segundo plano, a valorização da obra original. E a capacidade de a fazer chegar a novos públicos. Se bem que, a meu ver, não seja um livro especialmente adequado para os mais pequenos. Mas já lá irei.

O processo de cores está, quanto a mim, bem equilibrado, ao tentar balancear entre uma certa modernidade - mas com conta e medida - para que haja, igualmente, uma ligação algo vintage ao estilo clássico da obra original. E acho que acaba por funcionar bem, se pensarmos que o argumento deste livro procura ser de tom marcadamente cómico, colocando Tintin e o seu cão Milu em inúmeras situações caricatas, lembrando aquele estilo de humor – o chamado “cómico de situação” - que Charlie Chaplin imortalizou nos seus filmes mudos.

Tintin no País dos Sovietes, de Hergé - ASA (Leya)
Sendo um traço ainda muito longe, em termos de desenvolvimento, técnica e detalhe, daquilo a que nos habituámos na obra de Hergé, esta obra funciona bem para nos mostrar as origens do traço do autor e como as suas ilustrações – mesmo sendo arcaicas quando analisadas nos dias de hoje, quase 100 anos após a sua criação – já assumiam, não obstante, uma clareza tão grande nas personagens e no comportamento físico das mesmas. E isso é, quanto a mim, verdadeiramente impressionante em Hergé.

Na longa sequência verdadeiramente genial, de quase oito páginas, em que os soldados soviéticos tentam arrombar a porta do quarto de Tintin, Hergé oferece-nos uma autêntica lição de como utilizar bem os limites e regras da banda desenhada para criar uma sequência divertida e cheia de ritmo. Fantástico.

É claro que, hoje em dia, e no seu todo, este Tintin no País dos Sovietes vai parecer envelhecido e datado a leitores de banda desenhada que, eventualmente, peguem no livro após um longo interregno sem lerem nada de Hergé. (Sim, custa-me a crer que haja algum leitor de banda desenhada que nunca tenha lido um livro de Tintin, portanto, falo em  leitura após um “interregno” e não numa "nova leitura").

Tintin no País dos Sovietes, de Hergé - ASA (Leya)
Dito isto, esta não é uma obra que eu ofereceria a uma criança ou a um jovem, de forma a introduzi-la(o) no universo de Tintin. Para isso, optaria, sem hesitar duas vezes, em oferecer-lhe O Segredo do Licorne/ O Tesouro de Rackham, o Terrível, por exemplo. Ainda que, reconheço, tendo em conta o argumento simplista e infantil de Tintin no País dos Sovietes, uma criança não tenha dificuldades em lê-lo. Mas, lá está, se queremos introduzir as crianças a Tintin, há outros álbuns melhores e mais adequados, quanto a mim.

A edição da ASA é muito boa em termos de material, com uma capa dura envernizada, papel baço de ótima qualidade e um excelente trabalho de encadernação e impressão. Penso que, tendo em conta o cariz documental deste lançamento, um dossier de extras em que a obra original e, até, o processo de colorização eram abordados e explicados, teria tornado o livro ainda mais apetecível. Creio, no entanto, que a ASA apenas tenha reproduzido o trabalho da edição original francesa. Por esse motivo, este meu reparo acaba por ser mais direcionado à edição original do que à edição portuguesa. Mas destaco a nota positiva que é saber que Portugal é o quarto país do mundo (depois de França, Países Baixos e Dinamarca) a receber esta versão a cores.

Por fim, considero que este lançamento tem o grande valor de servir como objeto de culto, de coleção, de arquivo. Para que os inúmeros fãs de Tintin e de Hergé em Portugal, possam voltar a mergulhar na obra original, mas numa versão a cores.


NOTA FINAL (1/10):
7.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Tintin no País dos Sovietes, de Hergé - ASA (Leya)

Ficha técnica
Tintin no País dos Sovietes (Versão Colorida)
Autor: Hergé
Editora: ASA
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Novembro de 2021

4 comentários:

  1. Eu não daria nem nota, não merece.

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    1. Compreendo o porquê da sua opinião, caro Ivo. Mesmo assim, tento sempre dar uma nota. Neste caso, atribuía-a mais pelo valor histórico da obra.

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  2. Viva Hugo, possuo a edição original limitada deste livro e contém, de facto, um excelente prefácio introdutório com 16 páginas (da autoria de Philippe Goddin) contextualizando a obra, num total de 160 páginas. Mais uma vez, uma oportunidade perdida pela ASA para valorizar um autor de referência mundial. Enfim...

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    1. Obrigado pela informação, caro António. Assim sendo, é pena que a ASA não tenha aproveitado esse trabalho de fundo já feito. :(

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