No passado mês de Agosto, a editora Escorpião Azul lançou a obra A Aranha, do autor português Carlos Pais. E apesar deste livro até ter figurado nos nomeados para Obra Revelação da Banda Desenhada Nacional, dos prémios VINHETAS D’OURO 2021, parece-me que foi um título que passou ao lado de muita gente. Incluindo crítica especializada e público.
A isso talvez se deva o facto de o livro ter sido lançado em agosto, numa altura em que, devido às férias, é mais difícil acompanhar as obras que são lançadas nessa época estival.
Mas, seja como for, A Aranha é um interessante livro que marca a estreia na banda desenhada do autor Carlos Pais que já é bastante experiente no lançamento de inúmeros livros infantis ilustrados. Talvez por isso – embora não só – A Aranha se assuma como um livro algo diferente daquilo a que estamos habituados a ver em banda desenhada.
A obra começou, conforme nota introdutória do próprio autor, ainda em 2017, sob a forma de conto. E só através das novas ferramentas digitais, devido à sua facilidade e rapidez de produção, é que o livro chegou a ver a luz do dia, confessa Carlos Pais.
A história que nos é dada funciona como um conto alegórico, parecendo uma fábula para crianças. No entanto, a narrativa acaba por assumir um teor bastante adulto. O autor revela-nos, ainda na nota introdutória do livro, que A Aranha procura falar sobre a impossibilidade de comunicar com os outros de forma total e de como isso gera frustração no próprio.
Acompanhamos Pigmalião, o protagonista deste conto, que se sente atraído por uma misteriosa aranha, que parece estar sempre escondida de tudo e de todos, nesta floresta sombria onde se desenrola a ação. E apesar da Aranha não se dar muito a conhecer, faz crescer em Pigmalião uma enorme vontade de a conhecer, de falar com ela. O fruto proibido (e misterioso, acrescento) é sempre o mais apetecido, certo?
A viagem que o protagonista enceta para melhor descobrir a Aranha acaba por ter um resultado de autodescoberta, isto é, querendo descobrir a Aranha, Pigmalião acaba por se descobrir a si mesmo. A rodear estas duas personagens, encontram-se os naturais habitantes de uma floresta, como vários animais, mas também algumas figuras do universo do fantástico, como fadas, por exemplo.
O tom da história é demarcadamente obscuro e misterioso, proporcionando ao leitor uma constante incerteza para onde a história irá fluir. Julgo que essa é o grande feito do autor. Esse enamoramento entre uma história que causa impacto, mas que deixa muitas dúvidas no ar. Até mesmo quando terminada a leitura na sua totalidade. Por esse motivo, não é de estranhar que, servindo-se de uma metáfora constante – quase como um poema visual –, as possíveis interpretações para o desfecho da história sejam várias.
Em termos de desenho, o trabalho de Carlos Pais é muito peculiar e original, levando-nos para um universo de fortes contrastes a preto e branco, com muitas sombras negras - e onde o espaço negativo das imagens é bem aproveitado pelo autor –, que tem tanto de cativante como de misterioso. E isto, sem dúvida, está em linha com aquilo que também nos é dado em termos de texto e história, como já referi mais acima.
Visualmente, gostei particularmente do modo como o autor construiu a figura de Pigmalião. Tem formas humanas mas, ao mesmo tempo, assume características "abonecadas", que me remetem para um qualquer filme melancólico, onde o poder da imagética nos transporta para um certo sentimento de inquietude.
Além de que há desenhos que são verdadeiramente bonitos e onde o autor se transcende. Outros há, também, que não estão em linha com os primeiros e em que o preto e branco acaba por tornar os desenhos algo difusos, levando a crer que alguns desenhos foram feitos um pouco à pressa.
E por falar nisso, uma coisa de que não gostei tanto foi que em vários casos o autor tenha usado a mesma ilustração, mas com um zoom in, zoom out ou outro enquadramento, de forma a disfarçar que se trata do mesmo desenho. Atenção que esta técnica até não tem, forçosamente, de ser negativa se se justificar em termos de narração sequencial. Mas tal não parece ser o caso, olhando para este A Aranha. Ao invés, parece apenas que houve uma certa preguiça do autor ao não fazer novos desenhos, limitando-se a reutilizar ilustrações. O auto fá-lo de um modo relativamente airoso e bem doseado, mas a verdade é que esta decisão prejudica um pouco a fluidez da leitura.
Há também pequenas nunces gráficas como, por exemplo, o grafismo para os separadores entre capítulos ou o próprio mapa do Mar de Lavafria, que são verdadeiramente apetitosos para os olhos, já que têm uma beleza muito peculiar.
Quanto à edição, trata-se de um habitual lançamento da Escorpião Azul. O livro tem capa mole e um papel decente para que se torne num objeto-livro visualmente eficaz e apresentável mas sem primar pela qualidade.
Em suma, A Aranha é uma proposta que me agradou por toda a peculiaridade que em si encerra: um argumento não muito comum, ilustrações impactantes e fora do habitual, e um conjunto de perguntas (sem resposta?) que a obra levanta. Tem tanto de estranho como de cativante e vale a pena descobrir.
NOTA FINAL (1/10):
7.5
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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A Aranha
Autor: Carlos Pais
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 68, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Julho de 2021
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