Já no final de 2021, a G. Floy Studio lançou, num só volume integral, com quase 300 páginas, que reúnem os 12 números da série, a obra Family Tree, de Jeff Lemire, com ilustração a cargo de Phil Hester, Eric Gaspur, e Ryan Cody.
Sou um confesso admirador de Jeff Lemire pela sua capacidade narrativa e de pensar em histórias com boas premissas. E a premissa deste Family Tree assume-se como original: a mãe natureza parece querer reclamar o domínio dos desígnios do mundo e começa a emergir nos próprios corpos humanos, ou seja, as pessoas começam a transformar-se em árvores. É uma outra forma de imaginar o Apocalipse e o fim da humanidade. Dito assim, até pode soar um pouco caricato, mas, lendo o livro, percebemos a seriedade da questão.
Acompanhamos uma família comum americana. O pai desapareceu há muito e uma mãe solteira, Loretta, faz o que pode para dar uma boa educação aos dois filhos: Meg e Josh. Mas, quando Meg começa a transformar-se, literalmente, numa árvore, sem qualquer razão que o possa justificar, isso desencadeia toda uma espiral de eventos tresloucados que levam a família – à qual se junta o rijo avô, Judd – numa desenfreada viagem de carro por boa parte da América, com o intuito de tentar proteger e salvar Meg, cuja mutação de humana para árvore não pára de acontecer a uma velocidade estonteante.
Loretta tudo faz para que essa transformação não ocorra na sua filha pois sabe que pode perdê-la. E esta será, por ventura, a maior reflexão que Lemire nos tenta passar em Family Tree: tudo aquilo que somos capazes de fazer pelas pessoas que amamos e, em particular, pelos nossos filhos. Se o tema não é novo, e Lemire o trate com alguma superficialidade, será, sem dúvida, a componente mais adulta e profunda deste Family Tree. Porque todo o resto é bastante superficial, concentrando-se o livro em ser (apenas) uma história de ação com laivos de fantasia e uma mensagem subliminar ecológica. Mas, quer-me parecer, não se leva demasiadamente a sério.
Enquanto a família procura desenfreadamente salvar a pequena Meg, juntam-se no seu encalço seitas e mercenários que procuram usar Meg para os seus intentos malignos. Esta perseguição é o garante de ação da narrativa, já que irá opor todos estes lunáticos agressivos à família de Meg que, compreensivelmente, a quer defender a todo o custo. Pelo meio, vamos ficando a conhecer do paradeiro do pai e do porquê de ele ter deixado a sua família, passando a história para uma realidade mais metafísica. E rebuscada, quanto a mim.
Em termos de narração, não há dúvida que Jeff Lemire nos dá um excelente trabalho. A história volta para trás e para a frente na linha cronológica e é composta por vários momentos impactantes, que fazem com que seja uma leitura em sobressalto, que nos faz querer virar a página para continuar a ler o livro. Considero que Family Tree pode ser visto quase como uma masterclass de “como tornar um argumento fraquinho em algo divertido e interessante para ler, recorrendo a uma boa narração”. Lemire sabe narrar, sabe contar uma história. Mesmo que ela não seja nada de especial. E Family Tree é a prova viva disso.
Quanto às ilustrações deste livro, parece-me que os autores envolvidos fazem um bom trabalho, oferecendo-nos um desenho moderno, dinâmico, cru, eficaz nas emoções que passa, embora demasiado simplista, por vezes. As personagens apresentam formas angulosas, com as sombras bastante demarcadas e as expressões pouco delineadas – embora, completamente perceptíveis.
É um estilo de ilustração, coerente em si mesmo, do princípio ao fim do livro, que me remeteu, com as devidas distâncias, para o desenho de Justin Greenwood em Stumptown, de Rob Guillory, em Tony Chu ou mesmo, de Jason Latour em Southern Bastards.
As cenas de violência são muito bem retratadas em termos de desenho e o ritmo visual, imposto pela planificação dinâmica, imprimem ao livro todo o sentido de urgência e rapidez necessárias a transformar a obra em algo tão acelerado como procura ser.
E a questão de ser uma história rápida e acelerada, podendo ter essa mesma vantagem, também faz com que Family Tree navegue apenas à superfície. Lemire já nos demonstrou noutras séries que é exímio na construção da personagem e do seu background, mas, neste livro de ritmo acelerado, a verdade é que não há tempo para criarmos um grande laço com as personagens. Ou, sequer, para as conhecermos bem. Apenas nos é dada a possibilidade de entrar num "carro em andamento" e irmos por ali até ao fim.
Fica a ideia de que a premissa é interessante, mas que poderia ter sido mais bem explorada por Lemire. Ou, até mesmo, ter dado origem a outras interpretações.
A edição da G. Floy Studio é fantástica. Capa dura, papel brilhante de boa qualidade num livro com mais de 300 páginas, que também tem um grafismo exemplar. Como extras, temos 4 páginas que nos mostram o processo de trabalho na execução das capas, por parte de Phil Hester.
Em suma, este Family Tree traz-nos um Jeff Lemire menos inspirado do que noutras séries ou títulos one shot que a G. Floy Studio já nos deu a conhecer. Não obstante, continua a ter uma premissa original – embora rocambolesca – e uma boa narrativa. Se olharmos para este livro enquanto história de ação que procura apenas entreter, é justo dizer que funciona bem. Mas também não vai muito além disso.
NOTA FINAL (1/10):
7.2
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Family Tree
Autores: Jeff Lemire, Phil Hester, Eric Gaspur, e Ryan Cody
Editora: G. Floy Studio Portugal
Páginas: 292, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2021
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