quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Análise: O Assassino (Série Completa)

O Assassino (Série Completa), de Matz e Luc Jacamon - ASA e Público

O Assassino (Série Completa), de Matz e Luc Jacamon - ASA e Público
O Assassino (Série Completa), de Matz e Luc Jacamon

Quando a ASA anunciou que iria lançar a série O Assassino, dos autores franceses Matz e Luc Jacamon, devo dizer que fiquei muito satisfeito! Esta série, composta por 13 volumes, até já tinha sido parcialmente lançada em Portugal mas, como em tantos outros casos, a sua publicação ficou a meio. Ou nem isso. Os dois primeiros volumes foram lançados pela extinta editora Booktree, enquanto que os volumes 3 e 4 foram lançados num só volume duplo pela ASA, numa das coleções dedicadas aos Incontornáveis da Banda Desenhada, em que cada álbum continha dois tomos de uma série/autor de relevância. Foi até com esses tomos 3 e 4 que me iniciei na leitura desta série. Mais tarde, cheguei a ler os primeiros dois volumes, mas a minha leitura da série ficou-se por aí.

Foi, pois, com entusiasmo que recebi a notícia desta nova aposta da ASA que lançou, a partir do passado mês de Novembro, toda a série em volumes duplos, juntamente com o jornal Público. Este lançamento acontece na altura em que chegou ao cinema e à Netflix a adaptação da obra para cinema, pelas mãos do realizador David Fincher, que conta com o ator Michael Fassbender no papel de protagonista da história. De resto, o sétimo e último volume desta coleção, como já só tinha o tomo 13 para publicar, acabou por incluir um generoso dossier de extras sobre a série. Mas já lá irei. Por agora, focar-me-ei na história deste O Assassino.

O Assassino (Série Completa), de Matz e Luc Jacamon - ASA e Público
A série começa por nos apresentar o protagonista que é um assassino solitário contratado, profundamente frio, metódico e calculista. Inicialmente, começamos até por conhecer a personagem através dos seus monólogos que são a sua única companhia enquanto espera pelo momento certo para ceifar as vidas das suas vítimas. E apesar de ser muito bem sucedido na sua atividade profissional - que lhe rende muito dinheiro, naturalmente - alguns pequenos erros que a personagem comete, levam o leitor a ser transportado para uma maior trama, onde a personagem terá que medir cada um dos seus passos para não ser apanhada por ninguém. Eventualmente, o Assassino acaba por travar amizades com os membros de um cartel de drogas da Colômbia, para quem executa alguns trabalhos - em especial, fica amigo de Mariano, que terá um papel importante ao longo de toda a série. Surgem ainda algumas paixões e amores na vida do protagonista que dão cor e vida à trama.

A primeira parte da série está pois mais centrada nos trabalhos para os quais o Assassino é contratado mas, mais para a frente, sensivelmente a meio da série, a história assume um lado mais político, com uma certa posição algo panfletária da personagem na justificação de regimes ditatoriais da América do Sul. Neste ponto, parece-me que Matz se excede um pouco, tentando muitas vezes justificar certas afirmações da personagem em demasia. Como se estivesse a escrever não para o leitor, mas para alguém em concreto. Ou paa si mesmo.

O Assassino (Série Completa), de Matz e Luc Jacamon - ASA e Público
No entanto, são mais as coisas boas do que as coisas más que o argumentista nos oferece neste O Assassino. E, em rigor, a escrita e carisma desta série até me leva a constatar com surpresa que, em comparação, Tango, a outra série do autor que é publicada em Portugal pela Gradiva, é muito mais "sem sal," em termos de argumento.

Acho, pois, que o maior destaque deste O Assassino é a maravilhosa concepção de uma personagem tão carismática como este Assassino que é bem apoiada pela escrita intensa e impactante dos seus monólogos, que nos vão permitindo conhecer os pensamentos e carácter da personagem. É verdadeiramente fascinante mergulhar na mente desta personagem. A forma fria e pessimista como vê o mundo, bem como a própria atividade que leva, a maneira como encara a vida e a sociedade atual, apontando críticas à forma como vivemos e como as economias e nações se alimentam dos mais fracos, é razão de sobra para que queiramos ler toda a série.

O Assassino (Série Completa), de Matz e Luc Jacamon - ASA e Público
Todavia, esta não é uma daquelas séries que se mantém em altas até ao fim. Quer dizer, mantém sempre qualidade, mas vai caindo alguns furos. Assim, lá mais para o meio, a trama parece focar-se mais nas atividades empresariais e políticas da personagem principal, afastando-o um pouco dos seus trabalhos de assassino solitário contratado e da sua vida na sombra. A personagem passa a pertencer a um conglomerado empresarial e a ter uma vida mais pública. Quanto a mim, isto agasta um pouco a série, fazendo com que a mesma caia um pouco em termos qualitativos e perca aquilo que, realmente, a diferenciava. Não é algo “gritante” ou que estrague a série, mas, quanto a mim, impede a mesma de ser perfeita. Sente-se um certo arrastamento dos negócios com o petróleo e de algumas personagens de quem o Assassino se foi rodeando ao longo da história. O próprio final da série, pareceu-me pequeno e a carecer do impacto mais assinalável que a série merecia.

Mesmo assim, tenho que dizer que é nesta questão dos monólogos desiludidos da personagem que todos os tomos acabam por funcionar bem. São essas considerações do Assassino que alimentam toda esta série e que dão força e relevância à mesma, unindo muito bem as peças. Mesmo nos momentos menos bons, a série é boa.

O Assassino (Série Completa), de Matz e Luc Jacamon - ASA e Público
Mas, claro, o trabalho de Luc Jacamon também é mais do que meritório. Na primeira vez que, há uns anos, olhei para as ilustrações do autor, lembro-me que não fiquei logo rendido. Pareciam-me ilustrações algo arcaicas e, por vezes, toscas, face a várias expressões faciais das personagens. No entanto, à medida que fui mergulhando na leitura, vi que a minha opinião sobre o trabalho de Jacamon mudara totalmente. E, na verdade, considero as ilustrações desta série muito bem conseguidas e inspiradas, com o autor a revelar a dinâmica necessária para momentos tão díspares como as cenas de ação, as cenas mais calmas, as paisagens paradisíacas ou os momentos de sensualidade íntima. 

É verdade que, aqui e ali, podemos encontrar uma ilustração que parece ter sido feita mais à pressa do que o pretendido. Mas, de tempos a tempos, também somos surpreendidos pelo desenho de uma paisagem ou de uma cena de ação que nos tiram o fôlego. E uma outra coisa que merece admiração é que o autor consegue um certo signature style. É fácil identificarmos o estilo do autor olhando para os seus desenhos durante alguns segundos apenas. E isto é algo de que, como sempre digo, nem todos os autores se podem gabar.

O Assassino (Série Completa), de Matz e Luc Jacamon - ASA e Público
A única coisa que não me agradou tanto no trabalho de Luc Jacamon foi que, ao longo da série, com especial incidência na segunda metade da mesma, se sente uma tendência do autor para uma maior digitalização da sua arte. Se as ilustrações continuam a ser bonitas - e algumas até apresentam detalhes mais belos - também adquirem uma aura mais "plástica" e menos em linha com os primeiros álbuns, onde os desenhos pareciam mais crus e honestos. Mesmo assim, é justo dizer que O Assassino é, em termos gráficos, uma série bastante original que quase sempre nos dá bons momentos. Por vezes, até nos dá momentos geniais. As cores também são uma mais-valia da obra e contribuem para a imersão na mesma, quer a ação se passe na Venezuela, em Cuba, na Argentina, em França ou nos Estados Unidos. Parece, pois, existir sempre a cor certa para cada um dos locais a retratar.

Aprecio também, e muito, a planificação bastante variada, dinâmica e cinematográfica do autor. Por esse mesmo motivo (e não só), não me admira, portanto, que David Fincher se tenha entusiasmado com a série. E já que menciono novamente a adaptação para o cinema desta série, tenho que dizer que a mesma fica muito, muito, muito aquém da banda desenhada. Se gostaram do filme, vão adorar a BD. Se não gostaram do filme, poderão, mesmo assim, gostar desta excelente série de BD.

O Assassino (Série Completa), de Matz e Luc Jacamon - ASA e Público
Com efeito, a aposta neste O Assassino parece-me uma boa jogada editorial da ASA a vários níveis: em primeiro lugar, a editora teve o bom sentido de oportunidade de lançar uma série de BD quando a adaptação da obra para cinema estava no auge do seu hype; por outro lado, acho sempre positivo que as editoras terminem séries cuja edição tinha sido cancelada. Estou ciente de que as editoras não o têm de fazer, logicamente, mas é positivo que o façam pois, desta forma, capitalizam os leitores que já têm/tinham interesse na série, bem como restituem a confiança dos leitores portugueses nas editoras que, compreensivamente, tinha sido abalada durante anos em que a prática de deixar séries a meio era recorrente. Por último, e talvez o mais importante, a ASA está de parabéns por ter lançado uma série de excelente qualidade. Não tenho nada contra as obras de Jean-Yves Delitte (Black Crow e U-Boot) em que a ASA apostou recentemente. São, aliás, séries decentes. No entanto, não têm uma qualidade diferenciada. Por outras palavras, há mais e melhores séries onde apostar. Como este O Assassino, por exemplo. Já agora, aproveito para relembrar que, embora esta série tenha ficado fechada, os dois autores continuaram as aventuras de O Assassino numa nova série, de nome O Assassino - Assuntos de Estado, que começou a ser lançada em 2019 e já conta com cinco volumes na edição original. Quiçá, poderá vir a ser uma boa ideia para a ASA a continuação desse spin-off por cá, também. Fica a sugestão.

O Assassino (Série Completa), de Matz e Luc Jacamon - ASA e Público
Continuando no tema da edição, a editora optou por lançar a série em livros de capa mole, com badanas, e em papel brilhante de boa qualidade. O conjunto das 7 lombadas forma uma imagem, o que é sempre vantajoso, a meu ver. O sétimo e último volume, tal como já referi, tem um enorme “Making Of”, um dossier de extras, em que nos é dado um belo e completo conjunto de conteúdos adicionais. No total, são 40 páginas, com textos dos autores, estudos de capa, esboços e uma curiosa e breve história em que nos é revelada a razão da única discórdia que a feitura desta série gerou entre os seus dois autores.

Além do já referido, uma das coisas que, em termos de edição, gerou alguma polémica na comunidade bedéfila, foi a opção da editora por lançar a série em capa mole quando, curiosamente, e de há uns anos para cá, a ASA até foi revelando o hábito de lançar este tipo de séries com o jornal Público em capa dura. Ora bem, não estou em condições de dizer se esta opção pela capa mole neste O Assassino se deveu a questões de orçamento, isto é, contenção de custos, ou não. Posso, no entanto, dizer que em 95% dos casos prefiro sempre que um livro de BD seja lançado em capa dura. Porque lhe dá mais robustez - que culminará numa maior resistência à erosão natural do tempo - e porque também lhe atribui um certo requinte. Como tal, sim, também preferia que este O Assassino tivesse sido lançado em capa dura. Não obstante, e antevendo que esta foi uma forma de poder lançar álbuns duplos pelo preço incrível de 12,95€ - que permite que cada tomo tenha, na prática, um preço inferior a 6,5€ (!) - devo dizer que a opção pela capa mole não me choca nada, nem acho o “ultraje editorial” que, aparentemente, tanta gente achou. Não é a minha preferência, repito, mas também não é algo assim tão mau. Até vou mais longe: prefiro que a ASA continue a lançar séries de qualidade semelhante a O Assassino, mas em capa mole, do que a apostar em séries de qualidade mais questionável, como Black Crow ou U-Boot, mas em capa dura. São escolhas. Adoro a qualidade das edições, mas a qualidade das obras é sempre o mais importante, quanto a mim.

Agora, uma questão que subsiste é a seguinte: qual é o critério da editora para optar por capa dura ou mole? Essa sim, é a questão que deveremos fazer. Para esta questão eu posso ter suspeitas, mas não tenho respostas diretas. Portanto, a dúvida ficará a pairar no ar.

Concluindo, e colocando esta questão da capa mole, mais superficial, de lado, uma coisa há que ser dita: O Assassino é uma belíssima série de banda desenhada que se recomenda veementemente por variadíssimas razões: porque tem uma bela história, bem arquitetada por Matz - que, nesta série, aparece 10 vezes mais inspirado do que em todas as outras obras que pude ler do autor (I’m looking at you, Tango); e porque é verdadeiramente bem ilustrada pelos magníficos desenhos de Luc Jacamon que, especialmente na primeira metade da série, são verdadeiramente diferenciados e dinâmicos. Mas o melhor desta série é mesmo a própria personagem deste Assassino. Uma daquelas personagens que ficam connosco, anos depois de lermos a obra.


NOTA FINAL (1/10):
9.4



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Assassino (Série Completa), de Matz e Luc Jacamon - ASA e Público

Fichas técnicas
O Assassino #1 e #2 - Debaixo de Mira | A Engrenagem
Autores: Matz e Luc Jacamon
Editora: ASA
Páginas: 128, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Novembro de 2023

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O Assassino #3 e #4 - A Dívida | Laços de Sangue
Autores: Matz e Luc Jacamon
Editora: ASA
Páginas: 112, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Novembro de 2023

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O Assassino #5 e #6 - Com a Morte na Alma | Modus Vivendi
Autores: Matz e Luc Jacamon
Editora: ASA
Páginas: 112, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Dezembro de 2023

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O Assassino #7 e #8 - O Comum dos Mortais | A Ordem Natural das Coisas
Autores: Matz e Luc Jacamon
Editora: ASA
Páginas: 112, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Dezembro de 2023

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O Assassino #9 e #10 - Concorrência Desleal | A Mão na Massa
Autores: Matz e Luc Jacamon
Editora: ASA
Páginas: 112, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Dezembro de 2023

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O Assassino #11 e #12 - Quando o Passado nos Persegue | A Mão que Alimenta
Autores: Matz e Luc Jacamon
Editora: ASA
Páginas: 112, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Dezembro de 2023

O Assassino (Série Completa), de Matz e Luc Jacamon - ASA e Público

O Assassino #13 - Pontos de fuga | Making Of
Autores: Matz e Luc Jacamon
Editora: ASA
Páginas: 96, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Janeiro de 2024

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