Hoje falo-vos de um projeto que, por vários motivos, me parece único em Portugal: o projeto In The Dust Of Our Planet, ou Solar Sailors, ou Sweet Wind, do autor português Daniel da Silva Lopes.
E é um projeto diferente e original a vários níveis. Em primeiro lugar, porque se trata de uma revista de banda desenhada. É certo que não estamos perante um conjunto de livros de BD e, também, chamar fanzine a esta iniciativa seria, quanto a mim, muito redutor. In The Dust Of Our Planet é algo que vai além de tudo isso, traçando o seu próprio caminho. E que meritório isso é!
Acredito que os leitores que agora caem de pára-quedas nesta iniciativa editorial da editora independente Gorila Sentado, possa parecer um projeto algo complexo de decifrar. Como tal, tentarei simplificar a coisa.
Estas revistas reúnem um conjunto de histórias que permanecem em continuação de um número para o outro de cada revista. Ou seja, à boa maneira old school, quando compramos uma destas revista, somos colocados no cerne de uma história, mas que permanecerá em aberto, não nos mostrando o seu fim. Quer dizer, em boa verdade, até há pequenas histórias nestas revistas que parecem ficar resolvidas de uma forma auto-conclusiva. Mas a história principal, pelo menos, mantém-se em aberto, em continuação, oferecendo-nos apenas um breve capítulo.
Outra coisa interessante nesta iniciativa editorial é que, mesmo reunindo várias histórias, todas elas estão interligadas entre si. Ou, pelo menos, ao universo imaginado pelo autor Daniel da Silva Lopes que, quanto a mim, me parece ter muito potencial. E é aqui que importa clarificar os vários nomes dados à revista/iniciativa. O universo criado é o de Solar Sailors. É nesse ambiente que se situa cada uma das histórias e esse universo funciona quase como a “marca” criada por Daniel da Silva Lopes. E que, relembro, o autor já havia explorado em edições mais antigas da Gorila Sentado. No entanto, o nome da revista acaba por ser In The Dust Of Our Planet. Pelo menos, duas destas três revistas que li. Porque a terceira, denomina-se Sweet Wind que se assume como uma história spinoff da série principal In The Dust Of Our Planet. Confuso? Admito que possa parecer algo confuso, mas asseguro-vos que, assim que pegamos nas revistas, essa suposta confusão dissipa-se, pois somos logo mergulhados na trama imaginada pelo autor português.
No seu cerne, esta é uma história pós-apocalíptica que nos apresenta um mundo diferente daquele em que vivemos. No universo futurista de Solar Sailors, a raça humana encontra-se disseminada por toda a galáxia, sendo perseguida, escravizada e vítima de abusos por parte das outras criaturas e espécies dominantes. E caberá aos Solar Sailors - chamemos-lhe uma espécie de milícia armada que luta para se estabelecer enquanto comunidade - assegurar um lugar próprio da galáxia para aí viver. O autor não nos dá muitas mais informações além destas, o que eleva o nível de mistério da trama e aguça o interesse do leitor.
Com efeito, à medida que vamos lendo estas histórias, são mais as questões que formamos na nossa mente, do que, propriamente, as respostas que obtemos. E, quanto a mim, essa é uma forma hábil de manter vivo o interesse dos leitores pelas personagens, pelas suas demandas e pela origem deste universo distópico. Portanto, devo dizer que o formato de revista acaba por funcionar muito bem para o tipo de história em questão.
Apreciei bastante. Confesso que esta forma de nos oferecer diversas histórias me deixou, ainda assim, um pouco perdido neste mar de informação. E talvez seja por isso que, das três revistas, a minha preferida tenha sido, curiosamente, a revista Sweet Wind pois é, sem dúvidas, uma narrativa mais escorreita, mais direta e até algo clássica na sua génese de ação. Para mim, resultou muito bem. Também gostei da história principal de In The Dust Of Our Planet, mas como é algo que parece estar ainda longe de demonstrar o caminho que quer seguir em termos de enredo, ainda está um pouco imberbe na conceção. Até mesmo a breve história que aparece na revista In The Dust Of Our Planet #1, denominada Down The Hole We Go, que parece funcionar como prequela ao universo de Sweet Wind, me deixou bastante satisfeito.
Quanto às ilustrações, devo dizer que fiquei muito convencido com o trabalho de Daniel da Silva Lopes. O estilo de desenho é bastante diferenciado e as paisagens áridas imaginadas pelo autor fazem com que esta revista tenha uma aura muito própria. Com um traço a preto e branco estilizado, Daniel da Silva Lopes oferece-nos uma imagética bem concebida que fica na nossa retina já depois de finalizadas as leituras destas revistas.
É verdade que, em termos cénicos, as ilustrações nunca são muito detalhadas, mas isso não é algo que, quanto a mim, prejudique a imersão nas histórias, já que toda a aridez e desolação deste universo pós-apocalíptico também não pressuporiam uma paisagem cénica tão detalhada assim. Acaba por funcionar bem.
Gostei também da planificação que é feita, levando o relato a assumir uma postura mais dinâmica e cinematográfica.
Utilizando a parte interior das capas, são-nos dadas pranchas a cores que, a meu ver, funcionam bastante bem. E embora aprecie o registo do autor a preto e branco, considero que estas imagens a cores aumentam a minha vontade de ter lido a totalidade das revistas a cores, já que as paletas cromáticas utilizadas parecem tornar as ilustrações ainda mais vibrantes e impactantes.
Em termos de edição, o trabalho que a Gorila Sentado tem vindo a fazer com estas revistas é meritório. Todas elas apresentam capa mole, com uma ótima textura e sensação ao toque, bem como um belo papel, que oferecem ao objeto-físico uma sensação de requinte e de coleção de culto. A própria legendagem é bastante bem feita, aumentando o profissionalismo da proposta.
As histórias estão na língua inglesa. E ainda que compreenda a tentativa de internacionalização desta opção, devo dizer que teria apreciado mais que a revista fosse lançada em português.
Em suma, In The Dust Of Our Planet e Sweet Wind são projetos de um mesmo universo de banda desenhada idealizados pela prolífica mente de Daniel da Silva Lopes, que merecem a minha admiração, especialmente pela proposta diferenciada que propõem. Atualmente, em Portugal, não há nenhum outro projeto semelhante a este. Aconselho-vos, por isso, a darem uma oportunidade a esta obra.
NOTA FINAL (1/10):
7.8
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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In The Dust Of Our Planet #1
Autor: Daniel da Silva Lopes
Editora: Gorila Sentado
Páginas: 28, a preto e branco
Formato: Capa mole (revista)
Dimensões: 210 x 280 mm
Lançamento: Maio de 2023
Autor: Daniel da Silva Lopes
Editora: Gorila Sentado
Páginas: 28, a preto e branco
Formato: Capa mole (revista)
Dimensões: 210 x 280 mm
Lançamento: Setembro de 2023
Autor: Daniel da Silva Lopes
Editora: Gorila Sentado
Páginas: 28, a preto e branco
Formato: Capa mole (revista)
Dimensões: 210 x 280 mm
Lançamento: Dezembro de 2023
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