Se houve algo que experienciei quando terminei a leitura de Noir Burlesco #1 foi uma sensação de “quero mais”. A arte de Enrico Marini sempre foi (e sempre será, estou certo) verdadeiramente elegante, charmosa, requintada e bela. E as suas personagens apresentam, portanto, toda uma aura de beleza que é rara de encontrar em banda desenhada. E tudo isto num registo muito pessoal e singular, facilmente distinguível. Com Noir Burlesco #2, que as editoras A Seita e Arte de Autor lançaram em parceria, a história fica resolvida e a sensação de satisfação, por mais um belo álbum de Marini, fica completa.
E se o primeiro volume desta mini-série serviu mais como uma apresentação do universo, do ambiente e das personagens e das relações entre as mesmas, neste segundo volume temos uma trama focada em algo mais concreto. Rex, um dos chefes da máfia local, e noivo da sensualíssima Caprice - com quem o protagonista da história, Slick tem uma história de amor passada - ordena a este que faça o roubo do retrato da mãe do chefe gangster rival, Don Zizzi, que havia sido pintada por Pablo Picasso. É a única forma de Slick saldar as suas dívidas perante Rex. E se o plano não for executado na perfeição, Rex ameaça matar a irmã e o sobrinho de Slick. Para tal roubo, Slick será acompanhado por alguns capangas de Rex que são perfeitos psicopatas: um brutamontes, um pseudo-índio e um rapaz tagarela que, sendo desajeitado, tem mais conversa do que ação.
Não é uma história particularmente original. E já o tinha referido na análise que fiz ao primeiro dos dois volumes. Mas parece-me que não foi, aliás, esse o propósito de Marini. Ao invés, fica claro que o autor pretendeu homenagear o cinema americano que imortalizou estas lutas da máfia em variados clássicos da 7ª arte como Dillinger, Tudo Bons Rapazes, O Padrinho, Era Uma Vez Na América ou Os Intocáveis. Isto para nomear apenas alguns filmes. A fórmula está completa: temos o protagonista galã, temos a bela femme fatale, que transpira sensualidade por todos os poros do seu curvilíneo corpo, temos traição, temos ação, temos mortes violentas, temos foras-da-lei, temos tudo o que "é suposto” ter neste tipo de histórias ambientadas na década 50. E, pelo menos quanto a mim, esta mini-série representou um autêntico guisado de coisas boas!
A homenagem de Marini acaba, pois, por funcionar na perfeição. As personagens são carismáticas - até mesmo as mais secundárias - a ação e o enredo funcionam, com os eventos a relacionarem-se bem, e o próprio desenvolvimento narrativo está bem conseguido. Volto a dizer: não vejo outra queixa que possa vir da leitura destes livros do que a seguinte: “não é verdadeiramente original”. Mas, sendo redundante, isso não é bem uma crítica fundamentada se tivermos em conta que era óbvio que ser “original” não era certamente o intuito do autor. É uma prova mais que superada pelo mesmo, portanto.
Falando das ilustrações, o trabalho de Marini nos dois álbuns é um deleite para os olhos. Neste caso concreto, o autor optou por não nos dar ilustrações tão flashy como noutras das suas obras (Rapaces, Águias de Roma, O Escorpião), mas sim oferecer-nos um registo mais artístico, por ventura mais maduro, onde as ilustrações variam entre o preto e branco e a sépia, havendo depois espaço para que a cor vermelha assuma o destaque e realce pessoas, objetos e momentos. As cores são dadas em forma de aguarela, aumentando a beleza e profundidade de cada de cada imagem. Uma verdadeira obra prima da ilustração! Há ilustrações em cada um dos álbuns, que dariam (darão?) verdadeiros quadros. As personagens, as suas expressões e linguagem corporal, as cenas de ação, a conceção dos veículos, dos edifícios, dos ambientes e os próprios enquadramentos cinematográficos utilizados, são um mimo para a vista. Roça a perfeição, o trabalho de Marini!
Em termos de edição, o livro apresenta cada dura baça. No interior, no miolo do livro, temos papel de boa qualidade, com um ligeiro brilho, e um bom trabalho ao nível da encadernação e impressão. No final do livro, e tal como aconteceu no primeiro volume, há ainda um dossier de oito páginas com ilustrações e esboços com estudos de personagens. Algumas destas ilustrações são tão belas que poderiam estar emolduradas!
Confesso que teria gostado que as editoras A Seita e Arte de Autor tivessem aproveitado a oportunidade para lançar um integral desta série, que é bastante curta, pois só tem dois volumes, tornando o objeto-livro em algo mais definitivo e de colecionador. Porém, também compreendo o appeal comercial de ter lançado a obra em dois volumes. E, já sabem, por muito que eu goste de volumes integrais, aceito sempre que as editoras portuguesas lancem as obras da mesma forma que as mesmas foram originalmente lançadas. Portanto, se Noir Burlesco foi originalmente lançado em dois volumes é porque foi vontade do autor/editor original que assim fosse feito. O trabalho das editoras portuguesas fica, portanto, e a partir daí, incólume a críticas negativas.
Em suma, e olhando para a totalidade dos dois volumes, Noir Burlesco dá-nos um Marini mais maturado nas ilustrações, experimentando coisas diferentes em relação ao que o autor já nos tinha oferecido nas suas séries mais famosas, mas, ao mesmo tempo, mantendo familiaridade com as mesmas. O resultado é uma obra brilhantemente ilustrada e colorida, onde as aguarelas requintadas, nos permitem viajar até aos tempos dos gangsters, das belas mulheres fatais e das sempre excitantes e perigosas triangulações amorosas. Enfim, todos os clichets do género noir, mas que Marini faz questão de nos dar nesta bela homenagem a todo esse universo cinematográfico que ainda nos deixa empolgados no dia de hoje! Não restam dúvidas que Marini merece estar integralmente publicado em Portugal!
NOTA FINAL (1/10):
9.5
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Noir Burlesco #2
Autor: Enrico Marini
Editoras: A Seita e Arte de Autor
Páginas: 136, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 21,5 x 28,5 cm
Lançamento: Outubro de 2023
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