quarta-feira, 5 de abril de 2023

Análise: Noir Burlesco

Noir Burlesco, de Marini - A Seita e Arte de Autor

Noir Burlesco, de Marini - A Seita e Arte de Autor
Noir Burlesco, de Marini

Já vos aconteceu ficarem boquiabertos perante uma beleza que consideram magnânime? Não me refiro apenas a banda desenhada. Refiro-me a toda e qualquer coisa que vos faça ficar assim meio aparvalhados(as) por visualizarem algo que vos parece tão bonito. Pode ser uma pessoa. Um animal. Um monumento. Uma paisagem. Um carro. Um objeto. Uma obra de arte. Qualquer coisa. Eu sinto-me assim meio aparvalhado quando vejo os desenhos de Enrico Marini, o autor de Noir Burlesco, que hoje vos trago.

É um dos meus ilustradores preferidos. Não apenas por ser, tecnicamente falando, um excelente desenhador, mas, também, por um outro motivo: sinto-me especialmente atraído pela beleza e originalidade dos seus desenhos. As personagens são todas, sem exceção, muito belas. E não falo apenas das personagens femininas que, por motivos óbvios, serão o meu principal interesse. A verdade é que até as personagens masculinas são muito bonitas e parecem ter um carisma muito próprio. Tal como os carros. Tal como os edifícios. Tal como tudo o que Marini desenha.

Portanto, quando parti para a leitura de Noir Burlesco, o primeiro tomo de um díptico, que as editoras A Seita e Arte de Autor editaram em parceria, já na reta final de 2022, já tinha presente que era quase impossível eu não adorar Noir Burlesco. E, sem surpresas, depois de feita a leitura deste livro, eu estava encantado e a chorar por mais.

Noir Burlesco, de Marini - A Seita e Arte de Autor
Começando, pois, por falar da arte ilustrativa deste livro, há que dizer que, se Marini já nos habituou em muitas das suas obras publicadas em Portugal – como Rapaces, Gypsy, As Águias de Roma, O Escorpião ou Batman – O Príncipe Encantado das Trevas, entre outros – a fantásticas ilustrações, neste Noir Burlesco, o autor suíço não foge à regra, dando rédeas à sua criação e dotando a obra de ilustrações verdadeiramente belíssimas.

Num registo mais em tons de sépia, onde ganham destaque os vermelhos fortes, o autor transporta-nos até ao universo dos filmes noir por essa Filadélfia dos anos 50. Os desenhos das personagens são do mais belo que há, mas também os cenários, quer interiores, quer exteriores, são executados com profunda mestria.

Além disso, e como se já não bastasse, também no plano da narração por imagens, até porque há muitos momentos da história que nos são dados de forma muda, sem o recurso de texto, o autor se revela exímio. E, para isso, também ajuda que sejam utilizados planos cinematográficos que, estando a ler o livro de forma imersa, mais parecem retirados de um clássico filme noir do que, propriamente, de uma banda desenhada. Dito de outra forma, as imagens acústicas que a leitura deste livro nos deixam na memória fazem parecer que, depois de lido o livro, acabámos de assistir a um filme e não de ler uma banda desenhada.

Do ponto de vista de desenho e cor considero, pois, Noir Burlesco como uma verdadeira obra-prima. Nota máxima na execução!

Noir Burlesco, de Marini - A Seita e Arte de Autor
Já quanto ao argumento, à história, propriamente dita, não tendo ficado propriamente desapontado, nem nada que se pareça, também não posso dizer que tenha ficado maravilhado. O que me leva ao ponto como comecei este texto. É fácil ficar-se meio aparvalhado a olhar para a beleza visual com que o trabalho de Marini nos brilha. Tudo é lindo e espetacular para observar. E tanto o é que, por vezes, isso até pode mascarar um argumento menos conseguido. Ou, pelo menos, não tão bom como os desenhos.

A história que o autor nos apresenta parece já ter sido dada e baralhada milhentas vezes: o protagonista é Terry Slick, um gangster daqueles à antiga, que poderíamos retirar de filmes como Os Intocáveis, de Brian de Palma, por exemplo. Slick tem uma ardente paixão, mal resolvida, por Deb Caprice, uma mulher sexy até à exaustão que, por azar dos azares, é a noiva de Hollow, outro gangster para o qual Slick se vê forçado a trabalhar e com quem já tem um passado atribulado. Ora, por vários motivos, para além dos óbvios, este trio amoroso tem tudo para acabar em mal. Pelo menos, para um (ou mais) dos envolvidos. Não há muito mais a dizer sobre o argumento ou estaria a estragar o prazer da leitura àqueles que forem ler o livro, depois de lerem este meu texto.

Noir Burlesco, de Marini - A Seita e Arte de Autor
Mas, por aquilo que apresentei, torna-se claro que Noir Burlesco tem uma gritante dose de clichets, que fazem com que fiquemos com a sensação de que já lemos/vimos esta história noutro lugar. Há belas perseguições de carros, há belas imagens de mulheres semi-nuas em cabarets, há imagens de tiroteios e combates corpo a corpo bem violentos, há belas cenas de sexo, carregadas de um belo erotismo. Tudo magnificamente desenhado, repito. Mas, lá está, em termos de argumento, as personagens não chegam a ser profundas nem a história tem uma dinâmica especialmente notável.

Explico de outra forma: se este livro não fosse tão soberbamente bem desenhado, também não seria a história que o faria ser fantástico. É a beleza das ilustrações que nos deixa meio que aparvalhados a olhar para o livro de forma imersa.

Porém, também seria injusto se dissesse que a história está mal montada por Marini ou que tem problemas. Não, nada disso. Funciona bem e cumpre a sua tarefa. Simplesmente, fica (muitos?) furos abaixo do desenho. Se a ilustração é nota máxima, o argumento é nota mediana.

Noir Burlesco, de Marini - A Seita e Arte de Autor
Antes de uma posição final sobre a história, há que dizer que este ainda é o primeiro tomo da obra e, como tal, até é possível que a história venha a puxar ainda mais, no sentido ascendente, a perceção global com que fiquei da obra. Assim espero.

A edição das editoras A Seita e Arte de Autor apresenta-se muito boa. Capa dura baça, bom papel brilhante, boa impressão e boa encadernação. Há ainda um delicioso dossier de extras, com oito páginas, que inclui alguns desenhos e estudos de personagens. Algumas destas ilustrações são tão boas que apetece retirá-las do livro e emoldurá-las, tal não é a sua beleza.

À data do lançamento deste volume, já tinha saído o segundo volume na sua língua original. Ora, não posso afirmar com certeza se, em termos logísticos e de autorizações, teria sido possível, ou não, lançar a obra por cá em formato integral. Em caso afirmativo, acho que teria sido benéfico – pelo menos para os leitores – que assim tivesse sido feito.

Portanto, em suma, Noir Burlesco traz-nos um verdadeiro portento da ilustração europeia. Visualmente falando, é um dos livros mais bonitos que pude ler nos últimos meses. E relembro que eu leio muita, muita banda desenhada. Carregada de mulheres lindas, de boa ação e de belas imagens que nos ficam gravadas na retina, esta obra não apresenta, para já, um argumento especialmente cativante, mas, não obstante, é suficiente para nos deixar a salivar pelo segundo e último tomo da obra.


NOTA FINAL (1/10):
9.4



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Noir Burlesco, de Marini - A Seita e Arte de Autor

Ficha técnica
Noir Burlesco #1
Autor: Marini
Editoras: A Seita e Arte de Autor
Páginas: 104, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento: Novembro de 2022

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