Dizer que Go West – Young Man se trata de uma antologia de banda desenhada está certo e errado ao mesmo tempo. Com efeito, as antologias de banda desenhada não costumam ter as características basilares que este Go West – Young Man tem. Normalmente, são histórias muito dispersas entre si, apresentando conceitos muito díspares e sem que haja, salvo algumas exceções, um tema muito homogéneo – pelo menos ao nível do tratamento gráfico-narrativo. Obviamente, e consequentemente, do ponto vista dos desenhos, também é natural que as antologias apresentem uma panóplia enorme de estilos de desenho diferentes.
Por isso, sim, Go West – Young Man é uma antologia de banda desenhada, uma vez que nos apresenta um conjunto de 14 histórias desenvolvidas pelo mesmo argumentista, mas ilustradas e coloridas por um grande conjunto de autores. Mas, por outro lado, por haver um fio condutor que vai ligando as histórias entre si e, também, pelo facto de haver um grafismo muito típico do estilo de traço franco-belga para western – não obstante ser verdade que, naturalmente, cada história ter um estilo de ilustração próprio – pode-se dizer que Go West – Young Man chega a parecer uma só história e não uma antologia de banda desenhada.
O fio condutor deste conjunto de histórias criadas por Tiburce Oger reside num relógio de bolso. É ele a personagem principal do livro e não as diferentes personagens que vão aparecendo nas 14 histórias. Essas apenas protagonizam o momento em que o relógio lhes vai parar às mãos. Será esse relógio de bolso que passando de mão para mão, através de uma diversidade de formas para tal, que fará com que cada uma das histórias tenha ligação entre si. Mesmo havendo, igualmente, uma independência entre cada uma das histórias.
Explico o paradoxo que acabei de escrever: é verdade que cada uma das histórias é uma mini-história auto-conclusiva, que funciona como um breve capítulo, e que até pode ser lida de forma independente. Com personagens novas, com um mini-enredo independente. Todavia, como aparece sempre a menção do relógio de bolso, de uma forma ou de outra, podemos dizer que há aqui uma ligação natural entre personagens. Afinal de contas, se fôssemos contar a história de alguns objetos, que circularam de mãos para mãos até chegarem até nós, que histórias mirabolantes não teria esse objeto para contar?
A premissa é muito criativa e fez-me logo gostar do livro. Pode até ser uma ligação algo artificial, mas, lá está, consegue dar à história uma grandeza maior. Mais não seja porque, como acompanhamos a história do relógio a partir do ano 1763, e que se estende até ao ano 1938, também acompanhamos a história do faroeste americano nesse período de tempo. Estão cá muitos momentos relevantes como a a presença dos mexicanos, dos índios, dos caçadores de prémios, dos pioneiros, dos foras-da-lei, dos túnicas azuis, das prostitutas que davam beleza aos saloons e até da personagem emblemática de Wild Bill. Nesse cômputo de tentar bem resumir as temáticas que naturalmente associamos ao western, pode-se dizer que Oger fez um grande trabalho.
Gostei também que cada história apareça separada por uma página em branco onde, através de quatro linhas de texto, Oger aproveita para ligar, de uma forma ainda mais clara, as histórias entre si. Sem estas linhas talvez algumas das histórias ficassem algo mais dispersas entre si. Portanto, parece-me mais um bom truque narrativo utilizado pelo argumentista e que serve, acima de tudo, para dar coesão à narrativa global da obra. Gostei.
É claro que, tal como em todas as antologias de banda desenhada, algumas histórias funcionam melhor do que outras. E acredito que, neste caso, isso nem se deve assim tanto à maior ou menor qualidade dos ilustradores, mas sim a momentos mais ou menos inspirados do argumentista. Há histórias que pura e simplesmente me pareceram meras divagações, que acrescentam pouco ao todo. Mas também há outras mais marcantes onde, em meras páginas, conseguimos, ainda assim, criar uma ligação com as personagens.
Por falar em número de páginas, as 14 histórias que nos são dadas também variam no número de páginas, havendo uma história com apenas 2 páginas e outra com 9 páginas. Mas, na maior parte das vezes, as páginas têm entre 6 e 8 páginas.
Dentro dos ilustradores, devo dizer que os nomes que eram por mim mais bem conhecidos eram os de Ralph Meyer (Undertaker), Boucq (Bouncer) ou Gastine (O Último Homem). Além do trabalho destes, que não desilude, posso dizer que fiquei agradavelmente surpreendido com os desenhos de Olivier Taduc, Benjamin Blasco-Martinez ou Ronan Toulhoat.
Os dois autores que apresentam estilos mais diferentes serão, por ventura, Patrick Prugne, devido à forma como usa as aguarelas, e Dominique Bertail, que nos oferece desenhos em tons de sépia e com forte impacto visual.
Mas, como já disse, apresentando naturais diferenças em termos de desenho, acho que o livro consegue alcançar, ao mesmo tempo, uma forte homogeneidade visual. Todos os estilos de ilustração coabitam bastante bem entre si e não há nenhuma história que seja particularmente superior – ou inferior – às demais.
Em termos de edição, a Gradiva dá-nos um belo trabalho com este livro. O livro apresenta capa dura e baça, com bom papel brilhante e boa qualidade ao nível da encadernação e da impressão. Já agora, aproveito para dizer que depois desta obra também já foi lançado, em França, Indians! - L'ombre noire de l'homme blanc, do mesmo autor que é outra antologia nos mesmos moldes e que, portanto, faria sentido que Gradiva editasse por cá.
Em suma, Go West - Young Man é uma bela aposta da Gradiva, que nos vai permitir 14 breves viagens no tempo até ao coração do faroeste americano, através de uma bengala narrativa bem engendrada pelo argumentista Tiburce Oger que, através da narração do que acontece a um relógio de bolso, consegue percorrer quase 200 anos da história do lado oeste dos Estados Unidos. E tudo isto com a participação de célebres ilustradores da banda desenhada franco-belga!
NOTA FINAL (1/10):
8.8
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Go West - Young Man
Autores: Tiburce Oger, Bertail, Blanc-Dumont, Blasco-Martinez, Boucq, Cuzor, Gastine, Hérenguel, Labiano, Meyer, Meynet, Prugne, Rossi, Rouge, Taduc e Toulhoat
Editora: Gradiva
Páginas: 112, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Março de 2023
Só uma nota. O relógio não é uma personagem mas sim um MacGuffin. No fundo é um conceito, objecto, neste caso que serve de pretexto para avançar a narrativa.
ResponderEliminarO filme Pulp fiction já tinha usado um relógio num segmento do filme, como motor narrativo - o relógio q esteve no cu do pai do Bruce Willis na guerra
Se na ficção actual existe um excesso do uso de MacGuffins, aqui penso que foi uma boa sacada.
Obrigado pelo esclarecimento! O relógio funciona como MacGuffin, sim!
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