Black Crow foi a primeira – e, para já, única – série de banda desenhada que a ASA lançou com o jornal Público neste ano de 2023. A editora portuguesa voltou a apostar no autor Jean-Yves Delitte, de quem já havia editado, no ano passado, a série U-Boot.
De resto, bem o sabemos, de há uns anos para cá, a ASA tem vindo a apostar no lançamento de mini-séries de BD franco-belga com o jornal Público, sendo já várias as séries de excelente qualidade que a editora tem lançado recentemente. Entre elas, destaco Peter Pan (de Loisel), Rio (de Garcia e Rouge), O Grão-Duque (de Yann e Hugault) e Long John Silver (de Dorison e Lauffray). Esta última, Long John Silver, versa sobre piratas tal como esta Black Crow, de Jean-Yves Delitte. Mas, meus caros, há um oceano qualitativo de diferença entre Black Crow e Long John Silver.
Black Crow é uma obra que, sendo competente, também parece andar meio à deriva entre a BD educativa e a BD de aventura. Satisfaz minimamente em cada uma das vertentes, mas está longe de ser fantástica.
Sendo composta por seis volumes, pode-se dizer que há um ténue fio condutor entre os seis tomos. Contudo, acho que é mais certo dizer que a série é composta por 3 ciclos, ou 3 sub-narrativas. Enquanto que o primeiro volume tem uma história isolada, os volumes 2 e 3 completam uma história entre si. E embora se considere que os volumes 4, 5 e 6 complementam a mesma história, quer parecer-me que o último tomo, O Eldorado, pode ser tido como um volume único e auto-conclusivo. Seja como for, o que importa realçar é que, mesmo que haja algumas referências a volumes passados, Black Crow não apresenta uma história, mas sim, três histórias diferentes.
A ASA volta a apostar numa obra de Jean-Yves Delitte já depois de ter lançado U-Boot e da Gradiva ter lançado, já neste ano, a obra As Grandes Batalhas Navais - Jutlândia. Parece-me óbvio que talvez tenha havido uma boa adesão do público português, que justifique a aposta de já duas editoras na obra do autor que, há pouco mais de um ano, não tinha nenhum álbum publicado em Portugal e que, neste momento, já conta com 11 livros. Não tirando o valor à obra de JEan-Yves Delitte, parece-me que haveria um enorme conjunto de obras mais relevantes em que apostar. Mas posso ser eu que estou errado.
Black Crow é ambientada no universo dos piratas, durante o século XVIII, e segue as aventuras do capitão Black Crow e da sua tripulação. O protagonista é um mestiço ameríndio que, trabalhando em prol do Reino de Inglaterra na Guerra da Independência dos Estados Unidos, acaba por ser traído, vendo-se forçado a conjeturar uma vingança. Mas não ficamos por aí, com Black Crow viajamos até à Flandres, a África, ao Brasil e à Austrália, fazendo, portanto, uma volta ao mundo. Até que se mete pelo meio essa demanda pelo Eldorado, por esse tesouro infindável. Um lugar comum neste tipo de aventuras, diga-se.
Um dos pontos fortes desta história é que fica claro que há um cuidado do autor na tentativa de recriar uma atmosfera verosímil em relação ao referido período histórico. Isso atribui autenticidade ao intuito do autor. Porém, como o autor procura dar-nos uma série de aventuras, com um personagem com um carisma interessante, a obra acaba por ser demasiado insonsa nesses dois trâmites.
Enquanto “série educativa” – chamemos-lhe assim – não consegue ter esse pendor muito vincado; mas, como “série de aventura”, também não consegue ser tão aventureira assim, ou ter aquele ritmo de ação, alicerçado num enredo cativante, que seria desejável. Comparando, aliás, com Jutlândia e com a própria mini-série U-Boot, acho que Black Crow consegue ficar uns furos abaixo. Jutlândia está focada em ser uma obra didática e U-Boot está focada em ser uma obra mais preocupada com o enredo, em detrimento da componente informativa. Sendo que nenhuma dessas duas obras me encantou, acho que ambas alcançaram melhor os seus intentos do que Black Crow.
Se o primeiro volume A Colina de Sangue me trouxe uma experiência de leitura agradável, com um protagonista que tinha potencial, devo dizer que a magia da proposta se foi desvanecendo logo a partir do segundo volume. Não é uma série que não se leia bem – porque é – mas é inquestionável que poderia ser melhor em todos os quadrantes. Até mesmo ao nível do desenho.
Porque, nesse cômputo, o trabalho de Delitte apresenta duas vertentes bastante distantes. Em termos de desenho de embarcações, é praticamente perfeito. Os navios são desenhados com um detalhe impressionante e algumas batalhas navais são muito belas na sua conceção. Não admira, portanto, que Jean-Yves Delitte seja o Pintor Oficial da Marinha Belga.
Todavia, dificilmente os desenhos para uma banda desenhada poderiam ser apenas assegurados com belas ilustrações de embarcações. Há, pois, toda uma panóplia de personagens – e de diálogos entre as mesmas - e de momentos de ação, que dão vivacidade e profundidade à banda desenhada. E é aí, com pena minha, que o trabalho de Delitte está longe de ombrear com os seus belos desenhos de barcos. É que as personagens apresentam muitas semelhanças entre si, dificultando a fluidez da compreensão narrativa, e, além disso, envergam expressões faciais não muito bem conseguidas. Até mesmo a própria anatomia e linguagem corporal das personagens deixa algo a desejar, em variadas vezes.
Vê-se que François Boucq será uma influência nos desenhos do autor, mas, ao contrário desse autor consagrado, Delitte não consegue ter a mesma consistência ao longo dos seus livros. Algumas coisas são desenhadas de forma eloquente e bela, outras coisas são desenhadas de forma bruta e algo arcaica. Acaba, pois, por ser inglório que, em alguns momentos, como nas ilustrações de dupla face, em que vemos belas paisagens ou navios em alto mar, o trabalho do autor se transcenda e, depois, em pequenos segmentos visuais da restante obra, como um simples passeio das personagens pela savana africana, o trabalho do autor não passe do aceitável. Há um desequilíbrio, portanto que leva a que o desenho da obra não atinja o patamar desejável. Ou potencial, se partimos da qualidade do autor no desenho dos navios.
A edição da ASA obedece aos padrões a que a editora já nos habituou nestas coleções que lança com o jornal Público: capa dura brilhante, bom papel brilhante, boa encadernação e boa impressão. Julgo que seria mais adequado se o conjunto das seis lombadas formasse um desenho conjunto, nem que fosse o logótipo da série. Acho que isso aumenta a vontade de se completar a coleção. E já foi feito, por exemplo, na série Long John Silver, que também foi lançada pela ASA e pelo jornal Público. Mas é apenas uma opinião minha.
Em suma, devo dizer que Black Crow é uma série que, podendo agradar a alguns adeptos do franco-belga clássico de aventuras, deixa a desejar quer no argumento, quer nas ilustrações e que, por esse motivo, me faz questionar se a ASA não poderia ter apostado numa série do mesmo cômputo, mas de maior qualidade. Não faltariam opções.
NOTA FINAL (1/10):
6.7
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Black Crow #1: A Colina do Sangue
Autor: Jean-Yves Delitte
Editora: ASA
Páginas: 46, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 24 x 32 cm
Lançamento: Abril de 2023
Autor: Jean-Yves Delitte
Editora: ASA
Páginas: 46, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 24 x 32 cm
Lançamento: Abril de 2023
Autor: Jean-Yves Delitte
Editora: ASA
Páginas: 46, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 24 x 32 cm
Lançamento: Maio de 2023
Autor: Jean-Yves Delitte
Editora: ASA
Páginas: 46, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 24 x 32 cm
Lançamento: Maio de 2023
Autor: Jean-Yves Delitte
Editora: ASA
Páginas: 46, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 24 x 32 cm
Lançamento: Maio de 2023
Autor: Jean-Yves Delitte
Editora: ASA
Páginas: 46, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 24 x 32 cm
Lançamento: Maio de 2023
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