Depois de mais tempo do que o esperado, a Teorema (Grupo LeYa) retomou o lançamento da série O Árabe do Futuro, publicando o quinto e penúltimo volume desta fantástica série da autoria de Riad Sattouf.
Gosto especialmente de citar esta série como um claro exemplo de que não devemos julgar um livro pela sua capa. Nem pelo seu título, já agora. Contra mim falo já que, desde que apareceu o primeiro volume da série, que não senti qualquer apelo pela mesma. As capas não são minimamente apelativas e o próprio nome “O Árabe do Futuro”, não me parece nada cativante, embora reconheça a piada irónica inerente ao mesmo. Como tal, lembro-me que via os livros nas livrarias, tinha amigos que me recomendavam a série, via que alguns livros arrecadavam prémios, mas, enfim, não lhe dava hipótese. Era um preconceito parvo, sim.
Mas tudo mudou quando, em 2020, dei uma hipótese à série, começando por ler o quarto volume. A experiência foi tão boa que, rapidamente, fui à procura dos volumes anteriores. Fiquei fã de O Árabe do Futuro e com vontade de me autoflagelar devido a ter, durante tanto tempo, negado dar uma hipótese à série. Continuo a achar as capas sofríveis e pouco apelativas, e o título continua a parecer-me desinspirado e pouco cativante, mas como o que mais interessa é – ou devia ser – o que está no interior, devo dizer-vos que esta é uma série que recomendo totalmente.
O Árabe do Futuro é uma história biográfica do autor franco-sírio Riad Sattouf e leva-nos à infância do autor, oferecendo-nos uma perspetiva única sobre as vivências e experiências de um rapaz que era filho de pai sírio e de mãe francesa. Naturalmente, este mix numa França que, diga-se o que se disser, nunca superou/aceitou totalmente bem a presença de imigrantes no seio da sua sociedade, levou Riad a ter um conjunto de interações marcantes. Mais do que isso, esta dualidade, revela bem como se pode tornar difícil – embora, por vezes, cómica – a vida de um jovem que advém de origens tão diferentes. Por um lado, o seu pai tem uma mentalidade que não se coaduna com a forma de pensar francesa. Por outro lado, a sua mãe, não pode fugir ao facto de ter uma postura perante a vida e os valores da família muito mais ocidentais no seu âmago. E o resultado acaba por ser que Riad não se sinta um sírio "a sério", nem um francês "a sério".
Embora dê para começar a ler a série a partir de qualquer volume, há um fio condutor entre os volumes, já que o autor nos vai contando a história da sua vida, desde os anos 70 até aos anos 2010. Portanto, sim, recomendo que leiam a série a partir do princípio. Mas repito que dá para entrar no universo de Riad Sattouf com qualquer livro. Pelo menos para mim, isso não foi problema. O "risco" maior que daí pode advir é que, depois de feita a leitura, queiram desenfreadamente encontrar todos os livros da coleção.
Neste quinto volume, e procurando não revelar nada que possa ser considerado como um spoiler, o jovem Riad já tem idade para andar no ensino secundário. O seu talento para o desenho já é uma constante e, como é natural na adolescência, está a descobrir a música, passando de bandas como os Nirvana para outras mais pesadas, do heavy metal, como os Slayer. Mas não é só isso que Riad está a descobrir. Também está a descobrir as raparigas e as paixões inerentes às mesmas. E Anaick parece ser o grande amor da sua vida. Caso ela olhasse para ele da mesma forma com que ele olha para ela, claro. A juntar a todos estes dramas próprios da juventude, em casa as coisas não estão famosas. O pai deixou a casa, tendo levado o irmão mais novo de Riad, Fadi, consigo para a Síria. O divórcio entre os seus pais parece iminente.
O desenho é simples e funcional, bem ao jeito do tipo de ilustração que, muitas vezes, vemos em álbuns de tiras humorísticas com cartoons. Se é parecido em termos visuais, não o será tanto em termos de narrativa visual, já que estamos perante uma novela gráfica, no sentido geral do termo. Normalmente, a paleta de cores utilizada por Riad é o azul, o preto e o branco, embora o vermelho seja bastante utilizado para ilustrar os pensamentos do protagonista. O resultado, quase sempre, nos faz sorrir.
Não há dúvidas de que os desenhos de O Árabe do Futuro capturam muito bem a essência das experiências vividas pelo autor, enquanto misturam com mestria humor, inteligência e momentos emocionantes para criar uma narrativa envolvente que explora, de forma eficaz e profunda, temas como a dinâmica familiar, o impacto das ideologias políticas e a luta de um jovem para encontrar o seu próprio lugar no mundo.
A edição da Teorema é em capa mole, com badanas, e apresenta bom papel baço e boa impressão e encadernação. Fiquei bastante feliz pelo facto de a editora não ter deixado cair esta série, já que o interregno entre o lançamento do quarto e do quinto volume foi quase de três anos. Como tal, e tendo em conta que a série já se encontra integralmente publicada em França, faço votos para que a editora portuguesa não perca muito mais tempo até ao lançamento do sexto e último volume.
Em suma, o quinto volume de O Árabe do Futuro dá-nos mais do mesmo e que bom isso é, já que estamos perante uma série absolutamente obrigatória, cujo retrato atual e sincero de tantos franceses imigrantes duplamente apátridas, nos deixa alegres e tristes, enquanto nos faz refletir sobre a questão cultural na afirmação de um indivíduo. Não se deixem enganar pelas capas sofríveis, esta série é mesmo muito boa!
NOTA FINAL (1/10):
9.3
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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O Árabe do Futuro 5 - Ser Jovem no Médio-Oriente (1992-1994)
Autor: Riad Sattouf
Editora: Teorema (Grupo LeYa)
Páginas: 176, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 174 x 234 mm
Lançamento: Maio de 2023
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