Começo esta análise com um lamento: que pena tenho eu que este Mickey Horrifikland não tenha versão em português! É com quase pesar, que assinalo isso, pois este é um daqueles livros mágicos, com uma arte assombrosamente magnífica e uma história, bem equilibrada, que certamente deixará maravilhados todos os fãs da Disney.
E é pegando neste assunto, os “fãs da Disney”, que pergunto: quem são as pessoas que são fãs de banda desenhada e não são fãs da Disney? Será, sequer, possível existirem fãs de banda desenhada que tenham passado ao lado do enorme legado Disney? Quem são os leitores de bd que não reservam na sua memória um espaço para os “livros do tio patinhas”, como nos habitámos a chamar? Mesmo que, pelo amadurecimento natural dos nossos interesses, tenhamos deixado um pouco de lado os livros do “tio patinhas”, acho que um convite a navegarmos novamente por esse universo mágico, que moldou o nosso imaginário desde tenra idade, é sempre uma oferta que não podemos recusar, como diria Don Corleone em O Padrinho, certo?
E essa é a proposta deste Mickey Horrifikland dos autores Lewis Trondheim e Alexis Nesme. E, sem exageros, considero esta obra um livro de sonho pois, de facto, é tudo aquilo que eu, um leitor que há muito não lê banda desenhada da Disney, poderia sonhar!
Vamos por partes.
A história apresenta-nos as personagens Mickey, Donald e Pateta que têm uma agência de detetives que vive nas ruas da amargura, por manifesta falta de clientes. Até que aparece uma cliente cujo gato tinha desaparecido desde que tinha entrado no abandonado parque de diversões "Horrifikland". Este é um parque fantasmagórico, repleto de muitas atrações, há muito deixadas ao abandono, para onde os nossos heróis se verão forçados a ir, apesar dos claros receios de Donald.
Esta é, pois, uma história de terror, mas não um terror “a sério”. Diria que é um terror “à Disney”. Pois mesmo que Horrikland apresente um ambiente que poderia ter sido retirado do universo gótico de Tim Burton em The Nightmare Before Christmas ou The Corpse Bride, a assinatura Disney está bem presente. E afinal de contas, é uma história suave e leve que pode ser lida por miúdos e graúdos. Há elementos assustadores, mas sempre numa medida suave, que ainda por cima, é atenuada com várias tiradas cómicas, sobretudo do Donald, também elas bem conseguidas.
À semelhança das histórias de Scooby Doo em que nem sempre aqueles que pareciam maus eram os verdadeiros vilões, também aqui o enredo está bem construído, levando Mickey e Companhia a inúmeras peripécias, encontros e desencontros e algumas surpresas no final. Se a narrativa apresenta solidez e uma história tipicamente Disney, que não desiludirá os fãs do género, a arte é qualquer coisa de espetacular!
Quanto às ilustrações, é um livro que merece nota máxima. A fidelidade às personagens de Walt Disney na sua fisionomia e expressões é total e o resultado final é, arrisco-me a dizer, perfeito. Os cenários góticos estão incrivelmente bem conseguidos e assinale-se que, mesmo mantendo uma boa linha de continuidade e coesão, são cenários bastante variados pois os nossos heróis percorrerão cemitérios, casas assombradas, asilos abandonados, laboratórios sinistros, grutas sombrias, pântanos assustadores, comboios-fantasma, galeões de piratas escondidos ou mesmo pirâmides assombradas. Tudo isto em apenas 46 páginas que compõem este Horrifikland. Tudo bem montado, do ponto de vista narrativo e com uma arte ímpar.
Relativamente às cores, é-me difícil pensar num livro de banda desenhada que seja tão magnífico como este. Não diria que não exista, mas, reafirmo, é-me difícil pensar num livro com melhores cores que este. Com efeitos de luz espantosos, com tonalidades de uma beleza ímpar quer nos ambientes exteriores, quer nos interiores, quer em cenários bem iluminados, quer em cenários sombrios, este é um livro especial e ímpar na sua conceção cromática.
De realçar também que existem várias páginas em que os próprios limites das pranchas ou vinhetas receberam cuidadosos e intricados ornamentos, dando uma ideia de bonitas molduras que enfeitam as já lindíssimas páginas que nos são dadas. Como se a arte já não fosse uma beleza para os olhos, estes ornamentos ainda fazem das páginas algo mais original e com mais classe.
A qualidade da edição da Glénat também é impressionante, com uma lombada em tecido, com papel de gramagem adequada e com a soberba capa da obra marcada com vários detalhes a verniz. Nada está errado ou fora do sítio.
Há uma certa “magia” nesta história, nesta arte e nestas cores que por ventura será difícil de definir, mas que, estou certo, quem me lê, saberá a que me refiro quando estamos a falar da Disney. É verdade que nem tudo o que a Disney faz é mágico, mas também é verdade que quando o faz, parece que vai aonde os outros não conseguem ir em termos de “magia”. Este é o caso. Se alguma vez, uma pessoa já ficou rendida a algo que a Disney fez – possivelmente, toda a gente – então este livro é obrigatório.
Esta obra, lançada em Janeiro de 2019 pela Glénat, faz parte da coleção de Originais Disney que a editora francesa tem vindo a desenvolver desde 2016, convidando autores de renome para criar histórias novas com as personagens clássicas da Disney. Desta coleção já saíram títulos como Mickey's Craziest Adventures, de Lewis Trondheim e Keramidas; Une mystérieuse mélodie, de Cosey; La Jeunesse de Mickey, de Tebo; Café Zombo, de Régis Loisel; Mickey et l'océan perdu, de Denis-Pierre Filippi e Silvio Camboni; Donald's Happiest Adventures, de Lewis Trondheim e Keramidas; Mickey à travers les siècles, de Dab's e Fabrizio Petrossi; Super Mickey, de Pieter de Poortere; Minnie et le secret de Tante Miranda, de Cosey; Mickey et la terre des anciens, de Denis-Pierre Filippi, Sara Spano e Silvio Camboni e este Mickey Horrifikland da dupla Lewis Trondheim e Alexis Nesme. Uma coleção já bastante extensa, marcada por uma qualidade que merecia ter edição em português.
Admito que não conheço os moldes e trâmites da venda dos direitos destas obras mas, seja como for, considero um pecado capital se os direitos de publicação desta coleção, e em particular deste Horrifikland, (ainda) não estiverem assegurados por nenhuma editora portuguesa. O fim da editora Goody que publicava as "revistas clássicas da Disney" (chamemos-lhe assim) foi certamente uma grande perda para os fãs de banda desenhada da Disney. Mas esta coleção da Glénat, não existindo em português, será uma perda, por ventura, maior. Obviamente, acho que se pode facilmente perceber que são tipos de leitores diferentes: as revistas da Disney em pequeno formato, são para um público mais infanto-juvenil e mais desprendido. Estes Originais Disney da Glénat são para um público mais maduro, mais seguidor da banda desenhada e com mais poder de compra (porque afinal de contas, são livros em grande formato e em edições de capa dura luxuosas). Numa altura em que editoras como a G.Floy, a Arte de Autor, a Ala dos Livros e até A Seita estão a começar a apostar em edições luxuosas e mais caras, direcionadas a um púbico cada vez mais informado e com algum poder de compra, julgo ser legítimo dizer que há um claro espaço e uma óbvia oportunidade para que estes Originais Disney da Glénat entrem no mercado português. Será certamente um dia muito bom para a banda desenhada portuguesa quando este Horrifikland – ou outro(s) título(s) da coleção – for publicado em português.
Este é um livro soberbo, com ilustrações para lá do magnífico, com cores maravilhosas e uma história com a linguagem Disney que tanto marcou o mundo da animação no cinema mas, também, e não menos importante, o género da banda desenhada. Não há defeitos neste livro que roça a perfeição. O único defeito é mesmo (ainda) não ter versão em português, o que me leva ao lamento com que iniciei esta análise. Que pena tenho eu que este Mickey Horrifikland não tenha versão em português!
NOTA FINAL (1/10):
9.7
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Ficha Técnica
Mickey Horrifikland – Une Térrifiante Aventure de Mickey Mouse
Autores: Lewis Trondheim e Alexis Nesme
Editora: Glénat
Páginas: 46, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Janeiro de 2019
não existe versão em ingles ?
ResponderEliminarPor estranho que possa parecer, não existe.
EliminarFoi lançada a versão em português, aqui no Brasil. Excelente!
ResponderEliminarÉ verdade! E já a tenho! Vale muito a pena. Se bem que as cores não estão tão boas como as da versão original francesa. Tenho os dois livros e pude compará-los.
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