quarta-feira, 8 de julho de 2020

Análise: Os Filhos de El Topo: 2 - Abel



Os Filhos de El Topo: 2 - Abel, de Alejandro Jodorowsky e José Ladrönn

O texto escrito pelo autor Alejandro Jodorowsky, que antecede este segundo tomo de Os Filhos de El Topo: 2 – Abel, é bem claro: a ideia original do autor era que este argumento, que continua os acontecimentos do filme original de 1970, denominado El Topo, fosse transformado num filme. Infelizmente, devido à incapacidade de reunir um orçamento que sustentasse a realização de tal empreitada, o argumento acabou por ser adaptado a uma banda desenhada em 3 volumes.

Este segundo volume, continua os eventos do primeiro tomo, Os Filhos de El Topo: 1 – Caim, que havia deixado os leitores num cliffhanger, quando terminou, meio que abruptamente, com Caim a afundar-se em águas pantanosas. E tal como aquilo que Jodorowsky nos havia dado no filme clássico de 1970, também a história de Os Filhos de El Topo está carregada de elementos bizarros, que nos deixam – não raras vezes - perplexos perante uma história tão "fora da caixa". Originalidade é a palavra de ordem. Mas para muitos, esta será certamente uma originalidade demasiado em "ácidos", dada a loucura narrativa com que Jodorowsky nos premeia.

Quando foi feita a análise ao fantástico Os Cavaleiros de Heliópolis: Rubedo e Citrinitas aqui no Vinheta 2020, já teci as minhas observações sobre as ideias (demasiado?) selvagens do autor, relativamente à construção de uma narrativa. E mantenho que, por vezes, me parece que o autor "chuta" a história para onde bem lhe apetece, perdendo os próprios fios do novelo que ele mesmo cria. E Os Filhos de El Topo não é exceção à regra. Sim, é um livro interessante, com boas ideias, mas com uma história por vezes difusa, que parece ser artificialmente forçada a ter certos elementos do universo fetichista do autor.  

Portanto, e tal como (quase) tudo o que Jodorowsky faz, é justo dizer que há uma consistente inconsistência nesta obra. Ou seja, o autor parece fiel ao seu estilo louco de inventar uma história e há até um bom paralelismo, muito coerente, com o filme El Topo. Esta é a parte em que Os Filhos de El Topo é consistente. Todavia, e goste-se ou não, por vezes a história poderá aparecer algo absurda, levantando algumas pontas que acabam por não ficar bem resolvidas – ou bem exploradas - e introduzindo elementos que, mais do que dotar a história de consistência narrativa, apenas parecem ser introduzidos para chocar e surpreender – gratuitamente – o leitor. Esta será a parte em que considero haver alguma inconsistência na obra, que acaba por ser uma da bandas desenhadas mais niilistas que já li. 

Neste western, carregado de surrealismo e constantes alegorias religiosas, contem com doses gratuitas de violência, como mortes, violações ou tortura, e com bastante sexo e nudez. Mas todos estes elementos estão envoltos numa aura metafísica e filosófica, que toca nos dogmas religiosos – ou não fossem as próprias personagens protagonistas desta história, Abel e Caim, uma ponte direta para a história de Adão e Eva, contida no livro de Génesis, da Bíblia Sagrada.

Detalhando um pouco mais em relação à história que este segundo volume nos traz, é por esta altura que Caim e o seu irmão, Abel, se reencontram, acabando a transportar os restos mortais da sua mãe, que "cheirando a santidade", atrai companhias indesejadas a ambos. Juntam-se aos dois irmãos duas personagens femininas carismáticas. A primeira é uma jovem virgem que está perdidamente apaixonada por Caim. Este, porém, repudia-a veementemente e acaba por oferecê-la a uma comunidade que quer submeter a jovem a uma violação coletiva. A segunda personagem feminina é uma exuberante mulher de fartos seios que enfeitiça Caim, levando-o a prometer-lhe todo o tipo de tesouros. Ainda há espaço para personagens como freiras com caras (e barba!) de homens e para o líder de um exército que se julga - e comporta como - um cão. Abel e Caim põem-se a caminho da sepultura de El Topo, convencidos de que a inocência dos restos mortais que transportam lhes permitirá entrar na ilha santa. Caim procura igualmente apoderar-se dos menires de ouro protegidos por um poder misterioso.

Quanto à arte, devo dizer que Jodorowsky encontrou no ilustrador Ladrönn, a pessoa certa para esta obra. Não tenho dúvidas de que o estilo de arte de Ladrönn era exatamente aquilo que esta obra pedia. Com cores genericamente esbatidas, que por vezes chegam a parecer estar mal pintadas, mas que são alternadas por alguns vermelhos vivos, o resultado estético final é muito interessante e parece remeter-nos automaticamente para o ambiente dos filmes de série b dos anos 70, em especial, e claro está, o de El Topo. Também aqui, na componente gráfica, há uma personalidade muito própria desta obra. É igual a si mesma. Por vezes, as personagens apresentam expressões faciais que me parecem algo mecânicas e pouco expressivas. No entanto, na aridez dos ambientes e cenários, que nos remetem para os clássicos do cinema de Sergio Leone, nas fantásticas ilustrações dos cavalos ou do corpo feminino, Ladrönn faz um excelente trabalho. 

E há ainda um ponto que merece destaque: a fantástica capa deste Os Filhos de El Topo: 2 – Abel. A meu ver, é uma séria candidata a melhor capa do ano. Toda a concepção dos elementos da capa, como as borboletas, e a ilustração quase fotográfica de Abel, bem como as cores abundantemente iluminadas, fazem desta capa uma verdadeira obra-prima. E se tivermos em conta a própria componente simbólica das borboletas em torno de Abel, o significado subjacente ainda é mais profundo. Magnífica e inesquecível.

Além do mais, e como se não bastasse, a qualidade da edição da Arte de Autor, está, uma vez mais,  para lá de excelente. Com uma capa detentora de uma textura aveludada, tão agradável ao toque, e com verniz aplicado às borboletas e letras, é (mais) um objeto lindíssimo que a Editora traz aos leitores portugueses.

Concluindo, esta é um obra de tudo ou nada. Ou se ama, ou se odeia. Tem demasiada personalidade. E à semelhança do filme El Topo, que por ser proibido nas salas de cinema mainstream, acabou relegado para exibições à meia-noite em cinemas pornográficos, também a saga d'Os Filhos de El Topo tem potencial para atingir um bom número de pessoas que encontra redenção numa história tão pautada por elementos únicos. Ou seja, é uma história de culto. Uns vão considerá-la como algo épico e genial, enquanto que outros vão considerá-la como algo doido e gratuito. Quem está certo? Ninguém. É na diversidade de gostos estéticos que há beleza. Não é um livro para todos. Mas muitos, vão adorar.


NOTA FINAL (1/10):
8.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
Os Filhos de El Topo: 2 - Abel
Autores: Alejandro Jodorowsy e José Ladrönn
Editora: Arte de Autor
Páginas: 72, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Julho de 2020

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