O início de vários TOPs no Vinheta 2020
Fazer tops não é uma tarefa fácil. Há sempre coisas de que gostamos, ou que valorizamos, que temos que deixar de fora. Portanto, há sempre uma certa injustiça subjacente a esta prática de fazer tops.
No entanto, acho que não temos que olhar para esta questão dos “tops” como uma coisa de vida ou de morte. Digo mais até: ao longo do tempo, podemos ir mudando as nossas opiniões ou gostos sobre algo que mantínhamos previamente no nosso top. Seja com canções, bandas, filmes, séries, livros, marcas, automóveis… enfim… tudo. E é salutar que assim seja.
Na minha vida tenho muitos tops mentais para diversas coisas. De certa forma, pareço o Rob Gordon, do livro Alta Fidelidade, de Nick Hornby, que tinha tops para tudo. Mas acho que não sou caso único. E a verdade é que estes tops, ajudam-nos a ter os nossos gostos em perspetiva e, no caso deste blog, ajudam os leitores a ficarem como que um "the best of" de algo.
E é por isso que o Vinheta 2020 vai passar a ter, de vez em quando, tops para vários temas, do universo da banda desenhada. Fiquem atentos!
Hoje, o top é dedicado aos Melhores Livros das Coleções Novelas Gráficas que a editora Levoir lançou nos últimos 5 anos, com o jornal Público.
Digo-o várias vezes, e repito, que esta coleção se transformou num dos acontecimentos editoriais mais importantes do ano, no que à banda desenhada em Portugal, dizem respeito. E por isso, não me canso de congratular a editora pela audácia em apostar numa coleção que faz tanto pelos leitores portugueses. Com um preço super apetecível (começou nos 9,90€ mas subiu, ao longo do tempo, para uns muito aceitáveis 10,90€), esta coleção faz duas coisas muito importantes: por um lado traz-nos livros históricos da banda desenhada que estavam em falta no português de Portugal; e por outro, não menos importante, traz-nos autores que, dificilmente teriam espaço – ou visibilidade – junto do grande público de banda desenhada. Já conheci vários autores à conta destas coleções e por isso, só posso estar grato.
Ao fazer este top, fui vasculhar a minha biblioteca pessoal, folhear e relembrar algumas das muitas histórias que já foram lançadas nestas coleções. No total, foram 5 coleções que nos deram mais do que 70 livros(!), se contarmos com alguns que foram lançados enquanto novela gráfica, mas fora das coleções como A Casa, de Paco Roca; A Vida de Che, de Brecchia e Oesterheld; Alice num Mundo Real, de Isabel Franc e Susanna Martí; Chernobyl: A Zona, de Francisco Sánchez e Natacha Bustos; e Billie Holiday, de José Muñoz e Carlos Sampayo. São números impressionantes e que, de aqui a alguns meses, deverão aumentar numa dezena de títulos.
Portanto, a apenas algumas semanas antes do lançamento da 6ª Coleção Novelas Gráficas da Levoir e Público, apresentam-se aqueles que são os 15 melhores livros das 5 primeiras coleções. Até agora.
Esta escolha reflete, naturalmente, os meus gostos. Não me baseei nos livros mais importantes para o género. Se o fizesse poderia, eventualmente, escolher títulos incontornáveis da banda desenhada como V de Vingança, de Alan Moore e David Lloyd; Ronin, de Frank Miller; A Febre de Urbicanda, de Schuiten e Peeters; ou Um Contrato com Deus, de Will Eisner, que foi o primeiro título da primeira coleção. Todos eles, títulos muito interessantes e de extrema importância para a bd e que a Levoir, oportunamente, editou.
Baseei-me então em quê, para fazer a minha escolha?
(E isto é válido para todos os tops que fizer no Vinheta 2020):
Baseei-me pura e simplesmente na resposta à seguinte pergunta: "se a minha biblioteca estivesse a arder e eu tivesse a possibilidade de salvar apenas 15 novelas gráficas da Levoir, quais seriam as minhas escolhas?" Ou se quiserem uma situação menos tragico-cómica, a pergunta também pode ser esta: "se eu me fosse ausentar para uma outra casa, num outro país, e apenas pudesse levar 15 novelas gráficas na mala (e já seria uma mala bem grande!), que livros levaria?"
Bem, a resposta a estas questões levou-me a este Top 15 que apresento de seguida.
Sintam-se à vontade para opinar sobre estas escolhas ou sobre as vossas nos comentários deste post, ou nas redes sociais.
TOP 15 - As melhores novelas gráficas da Levoir e Público
15. Presas Fáceis, de Miguelanxo Prado (2ª Coleção)
Miguelanxo Prado é o único nome que se repete nesta lista. Este Presas Fáceis conta-nos a história de idosos que foram lesados pela banca espanhola e que agora começam a aparecer assassinados. Sem aquele humor implícito, tão característico nos trabalhos de Prado, trata-se de um relato pleno de realismo, que nos revela, de forma crua, a sociedade atual, com uma economia capitalista que deixa muitas vítimas pelo seu caminho. É um livro triste, diria mesmo deprimente, mas carregado de verdade que funciona como uma "chapada na cara" para aqueles que têm visões mais utópicas e otimistas da sociedade atual. Quanto à arte, é uma maravilha "a la" Miguelanxo Prado, com a aplicação de um fantástico preto e branco. Excelente livro.
14. O Idiota, de André Diniz (3ª Coleção)
Esta é uma adaptação do clássico da literatura, escrito por Dostoiévski, numa banda desenhada em que, em mais de 400 páginas, quase nunca há legendagem e toda a história é narrada com o recurso às imagens apenas. Incrível no conceito e muito bem executado por André Diniz, que tem aquela sua personalidade gráfica muito específica e que, nesta adaptação, funciona mais do que bem. Uma obra ímpar, que merece todas as minhas vénias e respeito.
13. Neve nos Bolsos, de Kim (5ª Coleção)
Do mesmo autor que desenhou as igualmente fantásticas obras A Arte de Voar e A Asa Quebrada, com textos de Antonio Altarriba, este Neve nos Bolsos marcou-me bastante. Trata-se do relato autobiográfico de Kim que, durante a década de 60, se viu forçado a emigrar (ilegalmente) de Espanha para a Alemanha, onde passou mais de um ano. É uma história simples e genuína que me prendeu da primeira à última pagina. Gostei especialmente do facto deste não ser um livro que tenta impressionar mais do que aquilo que, eventualmente, aconteceu. É por isso, um trabalho muito sincero, que deve ser levado a sério.
12. Os Ignorantes, de Étienne Davodeau (3ª Coleção)
Um álbum com um conceito e uma narrativa bastante "fora da caixa". Sendo uma obra auto-biográfica do autor, conta-nos o seu encontro com um amigo que é produtor de vinho. Deste encontro resultam muitos diálogos que ambos travarão, de forma a conhecer – e a dar-nos a conhecer – as suas grandes paixões. Por um lado, a produção de vinho, por parte do amigo de Davodeau. E, por outro lado, a feitura de uma banda desenhada, por parte do autor do livro. Dito assim, talvez não pareça ser muito apelativo. Mas garanto que foi um dos livros mais marcantes destas coleções. O traço e aplicação de cor, do autor é uma maravilha e os diálogos são do mais real e interessante que li nestas coleções da Levoir. Eu, que nem ligo muito a vinho, ganhei muito mais interesse pelo tema, depois desta leitura. Já relativamente à banda desenhada, senti-me mais enriquecido por esta obra.
11. O Fantasma de Gaudí, de El Torres e Jesús Alonso Iglesias (4ª Coleção)
Este é um daqueles livros que considero um bom "guisado" de várias ideias, cuja soma, é algo muito interessante e muito recomendável. Baseando-se nas obras de Gaudí – por quem sou um confesso admirador – é criada uma trama, ao jeito de um thriller policial – que envolve vários assassinatos a ocorrerem junto às obras do arquitecto catalão de Barcelona. O estilo de ilustração (muito franco-belga) é mais um agradável ingrediente e a própria planificação das pranchas, bem como a dinâmica gráfica da história, são muito interessantes. É um daqueles livros que considero: "equipa vencedora". Pode não ser o melhor livro de sempre… mas é um fantástico livro. Tudo bem feito aqui.
10. Gente de Dublin, de Alfonso Zapico (4ª Coleção)
Este é um livro bastante curioso que nos conta a história de vida do escritor James Joyce, relatando-nos, com bastante detalhe, todos os seus momentos de glória mas, também, todas as suas desgraças. Um desenho muito "cartonnesco", a preto e branco, com alguns momentos de bom humor e de profunda tristeza e (até?) desilusão. Costumo achar que as biografias que nos revelam (também) o lado negativo das personagens que retratam, são as melhores biografias. E isso acontece aqui. Por vezes, senti-me desiludido com as escolhas de vida desse gigante da literatura mundial que foi James Joyce. Mas, não nego, que ler este livro me causou uma ainda maior admiração pelo escritor. E já agora, por Zapico, autor desta banda desenhada que nos oferece um livro muito bom.
09. Os Trilhos do Acaso, de Paco Roca (3ª Coleção)
Este álbum foi divido em dois livros. E é claro que isso não me deixou muito feliz porque acho que era completamente possível e mais ajustado, lançar a obra num só livro – porquê dividir esta obra de 328 páginas em dois livros, quando a mesma coleção, do mesmo ano teve o livro O Idiota, de André Diniz, com mais de 400 páginas, publicado num só volume?
Não obstante, falando da obra em si, este é um excelente relato sobre a unidade militar La Nueve, que lutou não só na Guerra Civil Espanhola, como na Segunda Guerra Mundial. O livro é contado em dois tempos, com o autor a ter conversas com um dos soldados, Miguel Ruiz, agora idoso, que vai contando os eventos do passado. E depois, vão sendo ilustrados esses mesmos eventos. Uma coisa de que gostei é que o passado é ilustrado a cores e o presente é ilustrado a preto e branco, o que será algo que surpreende, pois normalmente, é feito o oposto. A história é simples mas muito inesquecível. É (mais) uma excelente obra de Paco Roca.
08. Gorazde – Zona de Segurança, de Joe Sacco (5ª Coleção)
Este livro também podia estar na lista dos incontornáveis da BD que esta coleção já ofereceu aos leitores portugueses e que assinalei uns parágrafos acima. Confesso que, por ignorância minha, não estava à espera de uma obra tão gratificante. Naturalmente já conhecia a obra de nome – e o autor, claro – e também sabia do tema que tratava e da sua seriedade. Mas não sabia que ia ser um livro tão impressionante (e chocante) da guerra da Bósnia. Está soberbamente bem detalhado e, no final, ficamos com uma ideia muito concisa e clara daquilo que foi este período negro na Europa. Como já disse, quando no princípio do ano fiz a minha análise às 10 melhores leituras que fiz em 2019, este livro "está ao nível de um Maus, de Art Spiegelman: chocante, dramático, obrigatório ".
07. Traço de Giz, de Miguelanxo Prado (3ª Coleção)
Este livro é um clássico da banda desenhada e, possivelmente, o livro mais conhecido e premiado(?) de Miguelanxo Prado. A narrativa é simples mas não simplória. Conta-nos a história de um homem que atraca numa pequena ilha e que convive com as personagens da estalagem dessa ilha. Entretanto há outro barco na ilha e o protagonista logo se sente atraído pela dona desse barco – Ana. Posteriormente, chega à ilha uma terceira embarcação. E é aí que os problemas nascem e o mistério se adensa. Esta é uma ótima alegoria para a própria vida. Um livro muito singular e muito cinematográfico nos planos, no ritmo e na aura que nos passa. É uma verdadeira obra de arte. Já o tinha lido há muitos anos antes de sair na Coleção da Levoir mas devo dizer que ainda me deu mais prazer quando o voltei a ler. Um livro maduro que sabe contar muitas coisas nas entrelinhas.
06. Histórias do Bairro, de Gabi Beltrán e Bartolomé Seguí (3ª Coleção)
Este foi dos livros que mais me surpreendeu nesta coleção. Com uma capa agradável, ornamentada por uma arte tão descontraída e simples, não estava pronto para a densidade de emoções e histórias aqui tratadas. São-nos contadas, na primeira pessoa, as histórias do autor, Gabi Beltrán, nos bairros de Palma de Maiorca, durante os anos 80. Nestas histórias da adolescência, Gabi revela-nos como era a vida num local onde a prostituição, o consumo de drogas e o desemprego afetavam a população local. E como era difícil aos jovens não cair nesta teia errante. É um livro em que somos ainda brindados, entre capítulos, por texto em prosa, que adensa a imersão do leitor na obra. Sublime na execução, é um álbum obrigatório para qualquer amante de banda desenhada – e de boas histórias.
05. Dylan Dog – Mater Morbi, de Roberto Recchioni e Massimo Carnevale (3ª Coleção)
Dylan Dog já é, por si só, uma série extremamente bem conseguida e que levanta sempre – de forma leve - temas muito pertinentes e que nos fazem pensar. Mas devo dizer que, mesmo sabendo disso e conhecendo alguns títulos de Dylan Dog, este Mater Morbi me deixou perplexo perante a premissa super original e a forma como a aborda. Dylan Dog está numa cama de hospital, entre a vida e a morte. E como que num estado letárgico navegamos por esse enorme medo da morte que tanto afeta os humanos. São ainda abordadas as questões éticas na medicina num segundo plano. E as ilustrações que acompanham a obra são majestosas. Após terminar a leitura de um livro, é raro que eu regresse à primeira página e reinicie a leitura. Mas foi exatamente o que fiz, quando terminei esta leitura pela primeira vez.
04. A Arte de Voar, de Antonio Altarriba e Kim (1ª Coleção)
O mestre de histórias Antonio Altarriba conta-nos neste livro a vida do seu pai, que passou por um importante período na história de Espanha e da Europa: a Guerra Civil Espanhola e a Primeira e Segunda Guerras Mundiais. A maneira como Altarriba nos narra esta história é magnífica, carregada de momentos marcantes que são doseados muito bem. Tem um enorme valor histórico mas, mais importante que isso, e mais do que contar factos, conta-nos a história como os cidadãos espanhóis – simbolizados na figura do pai de Altarriba – reagiram a esses factos. E isso é duma relevância e mais valia enorme para melhor conhecermos a história. Não de uma maneira fria, utilizando números. Mas duma maneira quente e fraterna, utilizando pessoas e caras. Era assim que a meu ver, deveríamos estudar a disciplina de história.
03. O Diário do Meu Pai, de Jiro Taniguchi (1ª Coleção)
É simples. É marcante. É bonito. Desde o lançamento deste O Diário do Meu Pai, já foram publicados alguns livros do autor em Portugal. E sendo verdade que todos eles são bons livros, nenhum consegue igualar este O Diário do Meu Pai. Um livro que nos ensina verdades inegáveis sobre a vida. E sobre como a nossa opinião sobre a mesma coisa vai mudando à medida que nos vamos sentando em diferentes "cadeiras de observação" na nossa vida. Com 20 anos, certamente olhamos para uma mesma coisa de forma diferente, daquela que olhamos quando temos 30, 40 ou 50 anos. E conseguir transpor isso para a banda desenhada é algo de mágico. Além de que é um livro - e um autor - raro por um motivo: consegue ter uma arte tipicamente oriental, estilo mangá, e uma história, um ritmo e um estilo tipicamente europeu. Um casamento perfeito e uma maravilha de livro.
02. Uma Irmã, de Bastien Vivès (4ª Coleção)
Começo por dizer que o livro Polina, do mesmo autor, que a Levoir tinha editado na coleção novelas gráficas do ano anterior, não me tinha impressionado muito. Achei interessante, mas não espectacular. Mas com este Uma Irmã, fiquei plenamente convencido! Bastien Vivès é dono de um traço sui generis que, particularmente nesta história, encaixa na perfeição e permite contar uma história de vários adolescentes e do verão que passam juntos, e em que tanto está a mudar. Não no mundo à sua volta. Mas dentro dos próprios adolescentes. Vários livros tocam (ou tentam tocar, muitas vezes em vão) nos temas que afetam verdadeiramente os jovens: os seus traumas, as suas dores, as suas inseguranças. Este livro faz isso de forma sublime, aliando a história a um traço estilístico que é um regalo para os olhos. Um livro obrigatório para todos. Para os adolescentes, para todos os que são pais e, naturalmente, para todos os que já foram jovens. Ou seja, e como disse, um livro para todos. Diria que esta é uma versão de um verão adolescente que é menos alegre do que Verões Felizes e até mais profunda e negra do que Finalmente o Verão. Uma Irmã é um livro fantástico.
01. Daytripper, de Fábio Moon e Gabriel Bá (2ª Coleção)
Esta é uma autêntica obra de arte! Não só foi a minha novela gráfica preferida como é um dos melhores livros de banda desenhada que já li. Daytripper conta-nos a história de Brás de Oliva Domingos, um escritor de obituários. Em cada capítulo da obra vislumbramos um momento específico da vida do protagonista que nos permite ir vendo como as escolhas que fazemos na vida, a modificam e moldam. Tal como também moldam a própria morte. Esta obra prima da banda desenhada deveria ser passada para filme de Hollywood. E para livro, em prosa e em formato de romance. Para peça de teatro. Enfim, para qualquer meio e para qualquer pessoa. Para todas as pessoas! O conceito é mais do que original. É também audaz e belo. A leitura desta obra traz lembranças do passado. Traz projeções do futuro. Do nosso. Do daqueles que nos rodeiam. Magnífico. Brilhante. Uma obra de arte. Mais do que obrigatório!
Muitos dos melhores livros das novelas gráficas estão mencionados neste Top. Curiosamente ou não, o constante no top 1 é para mim também o melhor dos melhores.
ResponderEliminarMuito obrigado pelo seu comentário e pela sua partilha!
EliminarValem bem a pena estas opiniões; obrigado pelo trabalho e boa continuação,
ResponderEliminarpartilho, em grande parte, a sua apreciação.
Saudações,
ABCoelho
Caro António. Muito obrigado pelas simpáticas palavras.
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