O Penteador, de Paulo J. Mendes
Se há géneros que, na minha opinião, estão batidos, o do humor ocupa um lugar de destaque. Quer seja na banda desenhada, como no cinema ou nos programas televisivos, estou constantemente com a sensação de dejá vu, perante obras de humor. Felizmente, O Penteador, de Paulo J. Mendes, lançado pela Escorpião Azul, é uma exceção à regra nesse universo de comédia, assumindo-se como uma leitura refrescante e original que, aqui e ali, pisca o olho ao universo dos Monty Python.
Paulo J. Mendes tem uma história pessoal interessante enquanto autor. Tendo estado bastante ativo no mundo da banda desenhada nacional quando era jovem adulto, com a publicação do seu material em fanzines como Comicarte ou Düdü, e tendo colaborado na organização das primeiras edições do Salão de Banda Desenhada do Porto, a verdade é que passou as últimas décadas desligado da banda desenhada. E em boa hora se reconectou à 9ª arte quando lançou esta obra.
Devo dizer que O Penteador me surpreendeu desde o primeiro momento em que iniciei a minha leitura porque a obra encerra em si uma dicotomia muito interessante: é que, por um lado, se folhearmos as páginas desta obra, olhando apenas para os desenhos sem lermos a história, ficamos com a ideia de que é um livro sério, com um estilo de arte que em nada faz percepcionar de que se trata de uma história humorística. Só olhando para os desenhos, poderia ser uma novela gráfica do mais pesado e intenso possível. Um drama eloquente, até. Mas, se lermos o livro, não demoramos muito a perceber de que se trata de um livro cómico ao mais alto nível.
A história conta-nos a experiência do jovem Mafaldo Limparrim que chega a Poço Redondo, uma terra tipicamente portuguesa - baseada certamente numa pequena terriola do interior de Portugal - em busca de um emprego. As coisas começam a correr-lhe bem e rapidamente acaba nas boas graças do seu novo, embora idoso, chefe, Nascilindo, que o arrasta para uma vida descontraída, bem regada de boa comida e muita bebida. E sempre na companhia de figuras cada vez mais proeminentes na esfera social: o Presidente da Câmara, o Rei e o Papa.
Os nomes das personagens, as situações criadas pelas mesmas, o cómico de situação que aqui se apresenta… é muito bem explorado. Estamos sempre perante situações non sense. Não me pareceu uma comédia forçada, pareceu-me que, acima de tudo, o autor há-de ter um singular sentido de humor que o leva a divertir-se enquanto cria uma banda desenhada. As personagens, os locais, as comidas, as experiências e a trama não se encaixam naquilo que seria o expectável. E isso é algo que só temos que louvar. O autor parece, por isso, ter uma voz própria que merece ser assinalada e tida em atenção, pois tem potencial para trilhar um caminho próprio na banda desenhada nacional. Acho que não consigo encontrar um livro de banda desenhada semelhante a este. Há aqui muita originalidade e um certo desprezo implícito pelo expectável, pelo comummente aceite. Isso não quer dizer que o tom do texto seja provocatório, muito embora, as personagens clássicas do clero, da nobreza e da política sejam apresentadas em tom jocoso. Há aqui um certo humor ingénuo e quase infantil, que resulta bem, pela (aparente) seriedade da história e da arte ilustrativa que a acompanha.
Porque uma coisa é dizer-se uma piada. E outra coisa é dizer-se uma frase que tem piada. Há diferenças nisso porque, se virmos bem, esta obra nem sequer assenta na clássica punchline que a maioria dos textos humorísticos pressupõe. Parece que o propósito não é fazer rir mas sim contar uma história que, eventualmente, nos fará rir. Há livros que têm escrito na capa (por vezes literalmente) que são livros de humor. Este O Penteador, aparentemente nem parece ser um livro de humor. E é por isso que é tão refrescante. Que surpreende tanto. Em vez de querer ser um livro de comédia, levado a sério; parece querer ser um livro sério, levado com comédia. E há substanciais diferenças entre uma e outra coisa.
Os diálogos estão muito bem construídos e a sequência narrativa e planificação da mesma, também demonstram um bom cuidado por parte do autor.
Tocando no tema da arte ilustrativa, é um livro que, uma vez mais, se leva a sério. Gostei particularmente dos cenários, onde o autor revela experiência e boa técnica, e também realço a boa e dinâmica utilização de "planos de câmara". O desenho das personagens, sendo simples, torna-as bastante amigáveis e giras de observar. A ilustração é a preto e branco, com forte presença dos tons cinzentos de carvão. Algo que me lembrou bastante o trabalho do espanhol Kim nas novelas gráficas A Arte de Voar e A Asa Quebrada, assinadas em conjunto com Antonio Altarriba e, especialmente, em Neve nos Bolsos (esta última, escrita e desenhada por Kim) que foram publicadas em Portugal pela Levoir, juntamente com o jornal Público. Contudo, mesmo com algumas semelhanças na aparência das ilustrações, é de referir que o estilo de desenho de Paulo J. Mendes é um pouco mais cartoonesco do que o de Kim.
Como nota menos positiva, apenas acho que ao longo da leitura, sensivelmente a partir do meio da obra, começa a existir uma certa repetição de situações que esgotam a componente cómica das primeiras peripécias com que a personagem principal, Mafaldo, se depara. Bem se entende que é algo propositado pelo autor para hiperbolizar o nonsense mas aqui, diria, que vai um pouco longe demais e que acaba por perder (alguma da) piada original. Eu sou daqueles que, normalmente, aprecia que os livros de banda desenhada sejam longos em número de páginas. Mas, neste caso, acho que talvez a história pudesse ter menos páginas. Ou então, que da segunda parte para a frente, apresentasse novas situações. Ainda assim, isto não estraga o livro. Apenas o impede de ser mais imaculado.
Por todos estes motivos, este é um livro altamente recomendável e que, bastante me entristece, se passar ao lado de muitos leitores de banda desenhada.
NOTA FINAL (1/10):
8.3
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Ficha técnica
O Penteador
Autor: Paulo J. Mendes
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 160, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Fevereiro de 2020
Mais uma excelente análise sobre uma obra bastante interessante.
ResponderEliminarObrigado pelo simpático comentário!
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