sexta-feira, 31 de julho de 2020

Análise: Homem-Aranha: Caído Entre os Mortos e Herói da Resistência




Homem-Aranha: Caído Entre os Mortos e Herói da Resistência, de Mark Millar, Terry Dodson e Frank Cho

Estes dois livros de Homem-Aranha Caído Entre os Mortos e Homem-Aranha: Herói da Resistência reúnem os 12 números que foram produzidos por Mark Millar, Frank Cho e Terry Dodson para a revista Marvel Knights Spider Man. As edições em análise pertencem à Coleção Definitiva do Homem-Aranha, que foi lançada no Brasil, pela Salvat e Panini Comics, durante o ano de 2017, e posteriormente distribuídas, há cerca de um ano, nas bancas portuguesas. Caído Entre os Mortos foi o primeiro álbum desta coleção que reúne 40 livros, enquanto que Herói da Resistência é o sexto volume.

Nesta história, dividida pelos dois livros, Mark Millar apresenta-nos uma narrativa que levará o Homem-Aranha ao limite das suas capacidades físicas e emocionais. 

O homem por detrás da máscara, Peter Parker, leva agora uma existência mais pacata, sendo um professor de secundário e vivendo com a sua bonita namorada Mary Jane. Recentemente, a sua tia May descobriu a verdadeira identidade do Homem-Aranha e, embora chocada ao início, apoia Peter na sua luta contra o mal. Mas, entretanto, há outra pessoa que descobriu a verdadeira identidade do Homem-Aranha e pretende usar essa informação para destruir tudo o que Peter Parker mais ama. O protagonista terá então que lutar contra o mal e, ao mesmo tempo, tentar proteger os seus entes queridos, nomeadamente a sua tia e a sua namorada. Mas quando a sua tia May é raptada, o Homem-Aranha inicia uma batalha – quase desesperada – para a encontrar. Não sabe bem contra quem está a lutar. 

Nisto há espaço para quase todos os vilões do universo do Aranha (12, no total) participarem na história, nomeadamente: Duende Verde, Dr. Octopus, Venom, Electro, Coruja, e muitos outros. Ao longo de ambos os livros, o Homem-Aranha é acompanhado por Felicia Hardy, a Gata Negra, que parece ainda estar apaixonada por Peter. Do lado dos bons, também o Capitão América, o Homem de Ferro, o Demolidor e o Quarteto Fantástico se juntam ao festim de super-heróis.

Os diálogos são muito bons e parecem muito reais. Por exemplo, as conversas entre Peter e Mary Jane soam muito verosímeis. E claro, à semelhança do que Millar faz em Kick-Ass, muito me agrada a maneira como utiliza o discurso na primeira pessoa do protagonista, permitindo-nos criar uma maior conexão com o mesmo, pois percebemos claramente os seus receios, as suas valências, as suas opiniões e o seu humor. 

É uma história com bastante violência e este Homem-Aranha fica com graves danos físicos nas várias lutas que trava, chegando mesmo a ir parar a uma cama de hospital. No entanto, para os níveis habituais de Millar, até não é uma história muito violenta. E, por isso, há tempo – especialmente no primeiro livro – para o desenvolvimento da relação amorosa de Peter Parker - com todas as discussões e desacordos que isso pressupõe - e há oportunidade para mergulharmos na psique de Peter e percebermos como a personagem tem certos recalcamentos causados pela morte de pessoas próximas a si. E isso é muito bem feito. Torna a história madura e com boa consciência de si mesma. Embora muitas vezes se considere o Homem-Aranha como uma personagem “leve”, talvez devido às suas tiradas cómicas constantes, a verdade é que este Peter Parker de Millar, é leve e brincalhão por fora mas, interiormente, apresenta uma certa tristeza e desilusão para consigo mesmo, colocando muitas vezes em cima da mesa, a hipótese de deixar de vestir o fato do Aranha.

Devo dizer que esta história arranca muito bem, sendo dado tempo ao leitor para absorver a envolvente narrativa. A primeira parte da obra chega a parecer uma história de detectives porque, quer Peter Parker, quer o leitor, estão sem saber muito bem o que pensar em relação ao rapto da Tia May. Quem o fez? Porquê? Este clima de dúvida é bastante longo, o que adensa bem a trama. E entretanto, nesta busca incessante pela sua tia, Peter Parker vai tendo alguns confrontos físicos que aparecem de forma bastante bem conseguida. Há algumas sub-plots, como o neto com cancro do Abutre; a recompensa que o Clarim Diário oferece a quem encontrar a identidade do Homem-Aranha; a relação entre Peter e Felicia; uma guerra ideológica governamental contra os super-heróis; ou os traumas psicológicos de Venom. Gostei particularmente da sub-narrativa do Abutre que mostra que também os vilões têm entes queridos a quem querem fazer o bem. Mas infelizmente, estas sub-plots acabam por ser insuficientemente exploradas. E no final, a sensação com que se fica, é que Mark Millar não se conseguiu conter e acabou por criar um "guisado" de personagens – com demasiados heróis e, especialmente, vilões – que se conseguem atropelar narrativamente umas às outras. A partir do momento em que Venom surge na história, é o momento em que Mark Millar perde as rédeas da narrativa que estava – até aí – tão bem montada. É pena, porque quando se lê o primeiro volume, fica-se com a esperança de que este poderá ser um livro essencial do Homem-Aranha – daqueles que definem uma personagem. E, embora existam muitas coisas bem feitas e esta história seja – apesar de tudo – extremamente recomendável para os fãs do Aranha ou mesmo de Super-Heróis, no final fica-se com uma sensação de "remate ao poste". E isto – apenas e só – porque a história ficou demasiado over the top. Como diria Robert de Niro, "less is more". Bem que Mark Millar deveria falar com Robert de Niro sobre este tema.

A arte é magnífica para uma história do Homem-Aranha. Bons desenhos, boas cores, boa planificação, boas cenas de ação, alternadas entre cenas mais calmas. É a arte que uma personagem emblemática como o Homem-Aranha precisava. Terry Dodson e Frank Cho fazem um trabalho exemplar nestes livros. Não tenho muito mais a opinar sobre a componente ilustrativa, pois considero-a excelente para o tipo de história que temos em mãos.

Quanto às edições, pode-se dizer que são de boa qualidade. São livros robustos, com boa encadernação, e papel adequado para este tipo de comic americano. Têm extras interessantes que contextualizam as personagens e a história. Nota positiva para, antes de cada livro começar, haver uma página, denominada “a história até aqui” que dá aos leitores mais desatentos - ou àqueles que não estão à vontade com as personagens e tramas do universo do Homem-Aranha – uma sintética contextualização da história. Ainda para mais, tendo em conta que estes dois livros não foram publicados de seguida – com 4 livros pelo meio – diria que foi um pequeno detalhe muito acertado. As lombadas dos livros formam também uma imagem cativante. Mas neste ponto, a Salvat apenas está a distribuir 40(!) dos 60 volumes da coleção original portanto, a imagem formada da lombada fica incompleta, o que é uma coisa totalmente incompreensível. É a editora a ficar refém da sua própria cartada que procura deixar igualmente reféns os leitores que não resistem a uma lombada apelativa. Neste caso, acredito que muitos desses leitores que se vêm tentados a adquirir coleções (também) por causa da lombada, não o tenham feito por saberem, de antemão, que a lombada estaria incompleta. É caso para dizer: vira-se o feitiço contra o feiticeiro. 

Gostaria que a série tivesse sido distribuída em português de Portugal e não em brasileiro. Compreendo que para a Salvat - devido aos custos inerentes a adaptar a série ao português de Portugal - talvez não compensasse mas, do ponto de vista da leitura, seria bem melhor. Ainda assim, pela história em si, penso que os portugueses lerão estes livros sem problemas.

Concluindo, para os fãs de comics, de histórias de super-heróis ou do Homem-Aranha, diria que estes dois livros Homem-Aranha Caído Entre os Mortos e Homem-Aranha: Herói da Resistência são mais do que obrigatórios. Para os fãs de banda desenhada em geral, diria que esta proposta é bastante interessante para mergulhar no universo deste célebre super-herói. Com mais moderação na utilização de certos personagens, poderia ser uma obra perfeita. 


NOTA FINAL (1/10)
8.6


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Fichas Técnicas
Homem-Aranha: Caído Entre os Mortos
Autores: Mark Millar, Terry Dodson e Frank Cho
Editora: Salvat - Panini Comics
Páginas: 168, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: 2017

Homem-Aranha: Herói da Resistência
Autores: Mark Millar, Terry Dodson e Frank Cho
Editora: Salvat - Panini Comics
Páginas: 160, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: 2017

2 comentários:

  1. "Neste caso, acredito que muitos desses leitores que se vêm tentados a adquirir coleções (também) por causa da lombada, não o tenham feito por saberem, de antemão, que a lombada estaria incompleta. É caso para dizer: vira-se o feitiço contra o feiticeiro. "

    Isso é uma faca de 2 gumes,claro que em Pt-Pt até podiam ser os 60 assim não.
    E este arco saiu também nas revistas Homem Aranha 21-30 Devir com 2 papeis diferente e num Tpb da Panini Espanha que se ficou por 1 volume.
    Eu por acaso gosto do arco apesar de achar que Millar destruí o Venom que só voltaria a origem recentemente.

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    1. Verdade, Optimus Primal, a questão da lombada é, de facto, uma faca de dois gumes.

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