A Levoir lançou recentemente, conjuntamente com Os Maias, já aqui analisado, a obra Os Três Mosqueteiros. Escrita originalmente pelo famoso Alexandre Dumas, autor de uma outra obra que adoro, que é O Conde de Monte Cristo, Os Três Mosqueteiros tornou-se uma história famosa nos mais diversos campos. Para mim, nascido em 1984, é impossível não relembrar a forte influência que dois desenhos animados tiveram em mim: a produção espanhola de Dartacão e, especialmente, o anime D’Artagnan. São versões muito(!) livremente baseadas na obra original de Alexandre Dumas, bem sei, mas que fizeram as minhas delícias na infância e que, ainda hoje, guardam um lugar especial no meu baú mental de boas memórias.
Dito isto, foi com satisfação e curiosidade que iniciei a leitura daquele que já é o 10º volume da coleção Clássicos da Literatura em BD, lançada pela Levoir, em parceria com a RTP.
A história, conhecida por praticamente toda a gente, acompanha D’Artagnan, um jovem da Gasconha que se desloca para Paris com uma carta de recomendação escrita pelo seu pai, que deverá dar ao Senhor de Tréville, com o intuito de se poder juntar aos Mosqueteiros do Rei. Rei esse que é Luís XIII, com a ação a decorrer, portanto, na França do século XVII.
Mas D’Artagnan é um jovem rebelde que arde em pouca fervura e rapidamente vai arranjando problemas por onde quer que passa. Até que conhece os famosos três mosqueteiros: Athos, Porthos e Aramis, que desafia, à vez, para duelos. Que, felizmente, não chegam a acontecer devido à chegada dos soldados do matreiro Cardeal de Richelieu.
Formada a amizade entre D’Artagnan e os três mosqueteiros, é-lhes confiada uma missão pela rainha Ana de Áustria que os levará numa missão secreta a Londres. Há depois todo um enorme rol de intrigas a envolver os mosqueteiros, a rainha, o rei, o cardeal. Milady e o Duque de Buckingham que não interessa estar aqui a relembrar.
Posso dizer que assim que folheei este álbum, e agradado com a qualidade das ilustrações, que estão vários níveis acima da média da qualidade das ilustrações desta coleção, achei: “Olha, queres ver que é desta que temos um excelente álbum de bd franco-belga nesta coleção?”. Infelizmente, estava errado. E, desta vez, a “culpa” não se atribui à qualidade do desenho, mas ao argumento.
Comecemos pelo mais positivo. O desenho. Não é um álbum perfeito do ponto de vista das ilustrações, que são asseguradas por Andrés José Mossa, mas, ainda assim, é um álbum bastante bem conseguido, de forma global. O traço é fino e elegante, com um bom nível de detalhe e com uma técnica de ilustração apurada. As personagens apresentam uma boa linguagem corporal e aprecei particularmente a boa noção de movimento que as cenas de ação, de capa e espada, apresentam. Em termos cénicos, o trabalho de Mossa também é interessante, com as ruas de Paris ou os interiores palacianos a apresentarem-se bem concebidos. As cores também contribuem para que a obra tenha um aspeto bonito e polido. Por vezes, quiçá demasiado polido.
Sendo o desenho desta obra agradável, não será um desenho perfeito, também. Por vezes, há algumas ilustrações a carecerem de algum detalhe e as expressões das personagens são um bocado vagas. Além de que certas personagens se confundem entre si, o que me causa sempre uma certa apreensão na leitura duma obra de bd. No entanto, é como digo: no que à qualidade da ilustração diz respeito, e a par de livros como Alice no País das Maravilhas ou O Livro da Selva, este Os Três Mosqueteiros estará entre os melhores da coleção até agora.
Mas depois há o argumento. Que a meu ver é bastante mal conseguido neste livro. E tudo isto por uma única razão: o autor, Fabrizio Lo Bianco, decidiu enfiar toda a história (ou se não foi “toda”, pelo menos foi “demasiada”) da obra original de Alexandre Dumas, num livro com pouco mais do que 40 pranchas. Resultado: ficou uma autêntica “salganhada” narrativa. Acho que há dois caminhos a seguir quando se quer adaptar uma obra da literatura em BD com sucesso: 1) ou se escolhe apenas a linha base do enredo, focando a adaptação nos eventos mais marcantes da história; ou 2) se se quer contar a história com muito detalhe em banda desenhada, é necessário recorrer a muitas páginas para o fazer convenientemente.
Nesta adaptação d’ Os Três Mosqueteiros, as páginas são, natrualmente, finitas e a história é completamente "martelada" pelo argumentista de forma a caber quase toda. O que faz com que os acontecimentos não fiquem bem encadeados entre si e acabe por ser difícil perceber-se a história. Como se fossem episódios soltos, mal amarrados entre si. Uma verdadeira pena, se tivermos em conta que a arte ilustrativa da obra até é tão positiva. Nem mesmo a célebre relação de amizade intransponível que se cria entre D’Artagnan, Athos, Porthos e Aramis é bem explorada nesta adaptação. Toca-se em tudo, mas muito ao de leve. De forma demasiado superficial. Se me perguntarem: "quem não leu a obra original, fica a conhecê-la, lendo esta adaptação?". Lamentavelmente, acho que terei que responder que não.
Isto leva-me até a outro ponto que muitas vezes se discute em banda desenhada: o que é mais importante num livro de bd? O argumento ou a arte? Bem, eu não gosto muito destas perguntas de resposta binária, pois as coisas são muito mais complexas do que uma escolha ou outra. É quase como perguntarmos quem é mais importante par aum filho, entre uma mãe e um pai. Logicamente, todos têm ou devem ter a sua importância, assim como argumento e ilustrador têm muita importância em banda desenhada. Nuns casos, o que mais sobressai positivamente pode ser o desenho… noutros casos pode ser o argumento. E há livros de bd que eu adoro e até acho que não têm um desenho particularmente bom. Mas também se passa o inverso, comigo a adorar livros que têm um desenho espetacular e um argumento pobrezinho. Assim sendo, e dizendo uma verdade La Palice, o melhor será se o argumento e o desenho forem igualmente bons.
Mesmo assim, e admitindo que há livros que adoro e que têm um fraco argumento e um desenho espetacular, diria que o argumento acaba por ter um pouco de mais importância para os meus gostos. E isto até me remete ao mais recente livro desta coleção dos Clássicos da Literatura em BD que analisei: Os Maias. Nesse caso, o argumento e a adaptação estão muito bem conseguidos, sendo que é a arte visual que não me enche bem as medidas. E aqui, n’ Os Três Mosqueteiros, acontece rigorosamente o oposto: o desenho é bastante agradável, mas a adaptação do argumento está bastante fraca. Qual é então o livro que prefiro? Os Maias, sem dúvida.
O que me faz concluir, com uma certa sensação inglória, que este Os Três Mosqueteiros, com uma adaptação da obra original para bd mais bem conseguida e inspirada, poderia ser um livro verdadeiramente bom. Infelizmente, ficou aquém.
Quanto à edição, mantém as características dos outros álbuns desta coleção: capa dura, bom papel, boa impressão e boa encadernação. No final do livro há um interessante dossier de extras sobre a obra, o autor e o contexto histórico de ambos. Nada a objetar quanto a isso, portanto.
NOTA FINAL (1/10):
7.7
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Os Três Mosqueteiros
Autores: Fabrizio Lo Bianco e Andrés José Mossa
Adaptado a partir da obra original de: Alexandre Dumas
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Julho de 2021
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