sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Análise: Alice no País das Maravilhas

Alice no País das Maravilhas, de David Chauvel e Xavier Collette - Levoir e RTP


Alice no País das Maravilhas, de David Chauvel e Xavier Collette - Levoir e RTP
Alice no País das Maravilhas, de David Chauvel e Xavier Collette 

Alice no País das Maravilhas é o 2º volume da coleção Clássicos da Literatura em BD, que a Levoir edita em conjunto com a RTP. E olhando para o primeiro volume, A Volta ao Mundo em 80 Dias, de Chrys Millien, e tendo já folheado os livros desta coleção que já chegaram ao mercado (Odisseia, Oliver Twist e As Aventuras de Tom Sawyer), posso dizer que este Alice no País das Maravilhas difere em tudo dos restantes álbuns. 

Em primeiro lugar, em termos de arte. Se o nível de ilustração apresentada nos livros da coleção que saíram até agora é simplesmente eficiente no objetivo primeiro de contar a história, não revelando uma grande capacidade em arriscar em termos visuais, Alice no País das Maravilhas apresenta uma qualidade e uma desenvoltura apreciável em termos de desenho. O autor Xavier Collette faz um trabalho notável, oferecendo-nos uma obra visualmente impressionante e um livro bonito de se observar, da primeira à última página. A conceção das personagens e de alguns ambientes, a caracterização das expressões, a utilização das cores, luz e sombreado… tudo é magnífico e faz desta obra algo muito refrescante. Destaque para a utilização de cores em tons de pastel que oferece uma boa harmonia cromática à obra. O estilo da arte é meio sombrio, fazendo lembrar a adaptação cinematográfica da obra original, feita pelo realizador Tim Burton mas, ainda assim, Collette consegue ter o seu próprio estilo e oferecer-nos um universo que encaixa que nem uma luva no imaginário que a obra criou nas nossas cabeças. 

Alice no País das Maravilhas, de David Chauvel e Xavier Collette - Levoir e RTP
Se a obra tinha tudo para ser perfeita com uma arte deste nível, infelizmente é no trabalho de adaptação que este livro peca. O autor da adaptação do argumento para banda desenhada é David Chauvel (autor, entre outras obras, da fantástica série O Peixe-Palhaço) que, admito, não tinha uma tarefa fácil em mãos. Alice no País das Maravilhas é uma das obras mais alucinantes e absurdas de sempre. O autor da obra original, Lewis Carroll, subverte as leis da lógica e do óbvio, de forma a criar um universo fantástico, com personagens oriundas do universo onírico. É extraordinário pela originalidade e por ser diferente de tudo o resto. Mas mesmo assim, o que Chauvel faz é extrair apenas os vários episódios do romance original não sabendo, depois, ligá-los entre si. 

Dei-me ao trabalho de voltar a pegar no livro original de Caroll, antes de escrever esta análise, para poder estar mais certo do que digo. E, de facto, enquanto que na obra original, por mais louca e absurda que possa ser, há uma clara e bem delineada linha narrativa que une bem os pontos dos vários episódios e peripécias com que Alice se depara, isso já não acontece nesta adaptação de bd. E acho que teria sido bem fácil resolver este problema, se os autores tivessem optado por usar legendas que, de alguma forma, pudessem ajudar a narrar o que estava a acontecer. Como só usaram balões de diálogo, os mesmos não conseguem narrar a história convenientemente. 

Alice no País das Maravilhas, de David Chauvel e Xavier Collette - Levoir e RTP
Dito por outras palavras, estou certo que se percebemos a história quando lemos este livro de banda desenhada é porque a história é sobejamente conhecida por quase toda a gente. Mas acho que se esta bd for apresentada a uma pessoa que não sabe nada da história original, essa pessoa não compreenderá nada do enredo. Parecer-lhe-á, apenas, um desfile pelo universo do sonho e do absurdo. Mas um desfile vazio. Enquanto que, se ler a obra original, esse desfile pelo universo do sonho e do absurdo até pode existir à mesma, mas, estará repleto de significados que advêm da boa narração da história. Porque o que é certo é que os principais episódios da história como o coelho que corre atrasado para um encontro, os biscoitos e bebidas que fazem Alice aumentar e diminuir de tamanho, o encontro com a lagarta e com o gato sorridente que desaparece, a cena do chá com o Chapeleiro Louco, a Rainha de Copas e o seu exército oriundo de um baralho de cartas… enfim, todas as cenas deste imaginário que faz parte da cultura popular, estão representados nesta adaptação a BD. Só mesmo na forma como os episódios são montados é que a obra acusa falhas. 

Alice no País das Maravilhas, de David Chauvel e Xavier Collette - Levoir e RTP
Em termos de edição, estamos perante um trabalho de qualidade. Capa dura e papel de uma boa gramagem. Esta é uma das capas da coleção que, na minha opinião, melhor funciona, pois soube jogar bem com os elementos à volta da personagem Alice. O dossier de notícias complementa a leitura de forma muito interessante. Diria que 18 páginas de informações sobre a obra, autor e contexto de época talvez sejam páginas a mais. No caso de Alice no País das Maravilhas, como é uma obra complexa para se destrinçar os seus significados e intuitos do autor, reconheço que talvez faça mais sentido ter um dossier de informações assim grande. E, além disso, há quem diga que "é preferível a mais do que a menos". Talvez se aplique neste caso. 

Em conclusão, este livro deixa-me com sentimentos mistos. A arte é soberba, mas, infelizmente, a adaptação da obra para banda desenhada não funcionou bem, pois os diferentes eventos que vão acontecendo ao longo da jornada de Alice, são-nos dados de forma dispersa e bastante mal interligada. Ainda assim, penso que pela beleza das ilustrações de Xavier Collette, é um livro que vale a pena conhecer. 


NOTA FINAL (1/10): 
8.1 


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020 


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Ficha técnica 
Alice no País das Maravilhas 
Autores: David Chauvel e Xavier Collette 
Adaptado a partir da obra original de: Lewis Carroll 
Editora: Levoir 
Páginas: 96 páginas, a cores 
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Setembro de 2020

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