quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Análise: A Volta do Mundo em 80 Dias



A Volta ao Mundo em 80 Dias, de Chrys Millien

A Volta ao Mundo em 80 Dias é o primeiro volume da coleção Clássicos da Literatura em BD, que a Levoir lançou recentemente, com a RTP.

Devo começar por dizer que o lançamento desta série é uma das surpresas mais agradáveis do ano 2020, no que diz respeito ao mercado de banda desenhada em Portugal.

Reunindo, para já, 14 obras fundamentais da literatura, esta é uma coleção que se recomenda a um público bastante vasto. Não só para os leitores habituais de bd, que vão acompanhando aquilo que vai sendo lançado no país em termos de banda desenhada e que, aqui, têm a oportunidade para (re)descobrir alguns clássicos da literatura de forma acessível, mergulhando, ao mesmo tempo, numa obra da 9ª arte; como, também, para leitores menos experientes em bd que ficam com a chance para entrarem de forma fácil e leve numa coleção de banda desenhada. 

Possivelmente ainda mais importante do que tudo isso, acho que é uma excelente oportunidade para os pais portugueses introduzirem os seus filhos – crianças e/ou adolescentes – em duas coisas, de uma só vez: na literatura e no género de banda desenhada. E que maravilha isso é! O vulgarmente referido como “matar dois coelhos de uma só cajadada”. 

Se juntarmos às adaptações destes clássicos da literatura para banda desenhada, dossiers informativos que permitem aprofundar ainda mais a obra original e o autor da mesma e, ainda, a um preço muito cativante, então esta coleção reveste-se de um carácter praticamente obrigatório! Quem é que não fica satisfeito?

Assim, e aplaudindo eloquentemente esta ideia e esta aposta da Levoir, analiso a primeira obra da coleção, que dá pelo nome de A Volta ao Mundo em 80 Dias e foi originalmente escrita por Júlio Verne. A adaptação ficou a cargo de Chrys Millien e devo dizer que é uma obra que abre bem a coleção.

Dando uma rápida nota sobre esta conhecidíssima obra, a mesma conta-nos como o cavalheiro inglês Phileas Fogg aceita uma aposta com os membros do Reform Club, em Londres, em como consegue dar uma volta ao mundo em 80 dias. E inicia então uma corrida frenética contra o tempo, cheia de peripécias e episódios pelo meio, enquanto é igualmente perseguido pela polícia inglesa, devido a ser suspeito de um roubo que acontecera em Inglaterra, momentos antes do início da sua viagem. Uma verdadeira história de aventuras que marcou, marca e certamente continuará a marcar milhões de pessoas pelo mundo.

Apresentando um estilo franco-belga clássico, diria que este livro resume e adapta para bd a obra original de forma eficaz e clara. Não será um livro magnífico ou uma obra-prima mas, se soubermos separar as águas, também veremos que aqui o intuito é, nada mais, nada menos, do que informar, entretendo. Sendo, pois, que o objetivo desta obra - e das seguintes, presumo – não será o de re(construir), re(interpretar) ou ser uma reflexão sobre as obras originais. Acho, por isso, que também aquilo que podemos esperar destes livros, não deve ser tão exigente do ponto de vista narrativo e do ponto de vista da arte ilustrativa. Interessará mais que cada livro adapte bem a obra e que tenha uma arte agradável. E isso é conseguido neste A Volta ao Mundo em 80 Dias.

Em termos de argumento, sente-se que a história original teve que ser bastante compactada, mas, ainda assim, parece-me que Chrys Millien soube resumir o argumento de forma bastante eficaz e pertinente. Como o protagonista da história viaja em inúmeros transportes diferentes, que vão passando por diversos locais, é de realçar que o autor demonstra habilidade em ilustrações bastante variadas. As expressões faciais das personagens poderiam, por vezes, ter recebido mais detalhe na caracterização, mas não é algo que marque (muito) negativamente a obra. A ilustração não é maravilhosa, mas é agradável e funciona bem. A aplicação das cores também ajuda a que o resultado final seja agradável à vista. A única coisa menos positiva foi um ligeiro abuso do autor em utilizar, em ambientes caseiros, um fundo a preto com umas manchas de cor castanha que, servindo apenas, para dar a ilusão de maior "enchimento" do cenário, acabou por me fazer uma certa confusão. Não obstante, não é isto que vai estragar a leitura da obra, certamente.

Os dossiers de conteúdo são pertinentes e bem-vindos, assinalando o cariz educativo desta coleção. Algo muito semelhante àquilo que a Gradiva tem vindo a fazer com as suas coleções A Sabedoria dos Mitos (com obras como Prometeu e a Caixa de Pandora, As Desventuras do Rei Midas, entre outras) ou Descobridores (Darwin, entre outros). A banda desenhada educativa merece ocupar um lugar nas lojas e nas estantes dos leitores de banda desenhada.

Um último destaque deve ser dado ao design de capas desta coleção. A minha primeira reação não foi a melhor pois estas capas cometem alguns erros básicos que qualquer professor de introdução ao design gráfico poderia mencionar. Com um fundo totalmente branco, letras garrafais com o nome da obra e do respetivo autor, que são separadas pelas personagens da história, diria que é algo incomum em banda desenhada. Especialmente se for do estilo franco-belga. Mas o que me faz mais confusão é mesmo a maneira atabalhoada como o título da coleção e os logótipos da Levoir e da RTP foram introduzidos no último e único espaço branco que restava. Faria mais sentido ter sido feito um friso lateral semelhante ao da coleção Novelas Gráficas, que poderia ter os dois logótipos da editora e da RTP visíveis. Ou então, reduzir ligeiramente as enormes letras do título e fazer uma linha de texto no cabeçalho da capa. Todavia, é um estilo de capa que, admito, primeiro estranha-se e depois vai-se entranhando. E agora, que já olhei várias vezes para o meu exemplar, devo admitir que talvez não tenha sido má ideia esta aposta arriscada. Porque também é verdade que são capas que chamam à atenção e que conseguem ser agradáveis à vista. Portanto, embora eu não esteja totalmente convencido com esta opção, mantenho, dou o benefício da dúvida, especialmente pela audácia e criatividade da escolha. Por vezes não se gosta de algo ao início e depois de aceitarmos, até passamos a gostar. Talvez seja o caso.

Em conclusão, devo dizer que esta é uma obra que abre de forma satisfatória esta coleção. Sempre que analisar livros desta coleção focar-me-ei mais no seu todo do que na sua parte. E no seu todo, esta coleção é uma maravilha para que os adultos possam introduzir a banda desenhada a um público mais jovem e/ou desinteressado pela bd. E isso, por si só, já merece mil vénias. Quem disse que a única forma de introduzir as crianças à banda desenhada é através de livros do Astérix, do Lucky Luke ou do Tintin? Essas três séries são recomendadíssimas, entenda-se, mas esta coleção da Levoir e da RTP também é mais uma forma de o fazer! Como pai que sou, farei esta coleção para que as minhas filhas, quando forem mais crescidas, possam, numa primeira fase, mergulhar na bd e nos clássicos da literatura que aqui são adaptados. Recomendado, claro!


NOTA FINAL (1/10):
7.5



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020




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Ficha técnica
A Volta ao Mundo em 80 Dias 
Autor: Chrys Myllien
Adaptado a partir da obra original de: Júlio Verne
Editora: Levoir
Páginas: 64 páginas, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Setembro de 2020

4 comentários:

  1. Boa noite. Para já, quero dar os parabéns pelo Blog, que só descobri hoje.
    Depois de ler as críticas ao pouco cuidado com o português dos álbuns "O Neto do Homem Mais Sábio" e "Rever Paris", esperava o mesmo relativamente a este. Li este livro hoje e o pouco cuidado com o texto deixou-me muito desagradado. Talvez por conhecer a obra original, senti que a adaptação a BD sofreu bastante com a limitação do número de páginas. Talvez por isto, detetei algumas contradições em alguns pontos, mas parece-me que também houve pouca atenção na tradução, como algumas expressões incoerentes ou mesmo erros, tal como nos álbuns já referidos.
    Relativamente à capa, estranho que o Passepartout seja bastante diferente do que aparece no interior. Parece que o ilustrador da capa nem olhou para as pranchas de Chrys Myllien.
    Espero um pouco melhor dos próximos álbuns.

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    1. Caro Cravo. Muito obrigado pelo seu comentário, que agradeço. E que é muito pertinente, diga-se! De facto, concordo consigo e com a sua análise relativamente a algumas imperfeições na obra. Se as imperfeições nesta coleção dos clássicos da literatura não me merecem tanto reparo - e mesmo concordando consigo - a verdade é que esta é uma coleção que me parece mais "suave" no seu propósito. Parece-me para um público menos experiente em bd. E, por esse motivo, aceito melhor certas imperfeições. No entanto, repito, compreendo e concordo com os pontos que refere.

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  2. Boas Hugo, desculpe-me meter a foice em seara alheia, até porque não estou a fazer esta coleção, mas julgo que os comentários do Cravo levantam, mais uma vez, uma série de questões pertinentes relativamente à (má) edição de BD em Portugal. O tom, construção e âmbito de sua coleção parece nitidamente orientado para públicos mais jovens (mas não só), o que não quer dizer que seja sinónimo de menorização da obra nem de simplificação da narrativa, até porque o mercado franco-belga tem uma longa tradição de edição de obras do género, sejam de autor ou adaptações de obras literárias, como é o caso. Parece-me a mim que o "defeito" está na falta de edição e revisão acompanhada por profissionais competentes e com experiência na 9ª arte. Será esta uma "tradução" feita "à pressa"?... Tudo indica que sim.

    Quanto ás diferenças estilísticas entre a capa e o miolo, penso ser uma situação recorrente nos maiores mercados de BD, nomeadamente no mercado norte-americano, e é, acima de tudo, uma velha estratégia de marketing.

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    1. Caro António! Sim, sim! Concordo consigo e com o Cravo. Os erros devem ser editados para que a obra seja melhor, quer ela seja lida por adultos ou jovens. Estamos de acordo. Diria apenas que a minha indignação não é tão grande nesta obra como nas Novelas Gráficas porque acho que estas últimas têm um pendor mais literário. Mas, repito, ainda assim, estes erros não devem existir nunca.

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