terça-feira, 13 de outubro de 2020

Análise: Bordados



Bordados, de Marjane Satrapi 

Chegados à 8ª obra da coleção de Novelas Gráficas da Levoir e do Público, foi altura para que a aposta recaísse numa autora bastante consagrada e que até já teve um dos seus livros publicados na anterior coleção de Novelas Gráficas – Frango com Ameixas. Falo de Marjane Satrapi, que ficou mundialmente célebre pela sua obra Persépolis

Este Bordados é mais uma oportunidade para que a autora regresse às suas raízes no Irão e às histórias da sua família. Desta vez, a forma de o fazer é através de um diálogo entre 9 mulheres que, após o fim do almoço com os homens e de arrumarem a cozinha, ficam sozinhas num diálogo intimista e muito divertido entre elas. E afinal, sejamos homens ou mulheres, quem é que não gosta de um bom mexerico? 

Num registo que quase parece uma peça de teatro, pois do princípio ao fim, a obra resume-se aos mexericos que estas nove mulheres contarão sobre si mesmas e sobre algumas amigas das mesmas, estamos perante uma obra cujos temas abordados são quase sempre os homens, o matrimónio e o sexo. Isto, não esquecendo, que estamos no contexto do Irão e no papel secundário a que as mulheres desse país são submetidas, desde tenra idade. 

O resultado destas histórias é hilariante! Se era possível – e talvez mais fácil – fazer, com base na temática das mulheres do Irão, uma obra séria, triste, pesada e com o intuito de denunciar ao mundo ocidental a realidade que (ainda) faz parte do mundo de tantas mulheres, julgo que aquilo que Satrapi se propõe fazer, é algo mais difícil, honesto e, no final, divertido. E tudo isto ao mesmo tempo! 

É que a forma como estas histórias são contadas, não só é divertidíssima e nos faz rir muito, como, ao mesmo tempo, nos dá aquele sorriso interior de satisfação perante algo que é tabu ou segredo e nos é contado como que em surdina. Como se o leitor fizesse parte deste pequeno grupo onde tantos e tão deliciosos mexericos são contados. Comparando com literatura, remeteu-me para aqueles pequenos e picantes segredos que Eça de Queiroz nos deu nas suas obras ou, mais recentemente, a sensação pecaminosa e agradável que o leitor sente quando, na obra O Herói Discreto, de Mario Vargas Llosa, acompanha o "arranjinho" de infidelidade que o protagonista mantém com a sua amante. Há pois coisas que parecem ser viciantes, hilariantes e pecaminosas de ler. Bordados é uma dessas obras. 

Há também um duplo sentido no termo “bordados” porque, partindo do termo original em francês, broderies, temos o significado de uma conversa entre mulheres, mas também o de uma cirurgia reconstrutiva do hímen, de modo a simular a virgindade de uma mulher. E este assunto também está presente num dos mexericos contados. Mas, se o leitor poderia esperar uma história triste para o lado da Mulher, enquanto género, a verdade é que é impossível não rir e não achar deliciosa a forma como a autora (também) retrata este tema. 

Relativamente à componente gráfica, Marjane Satrapi continua a apresentar o mesmo tipo de traço naïf a que nos habituou nas suas outras obras. Não é um traço que eu considere muito belo ou elegante e se analisarmos com algum cuidado, até verificaremos que a autora apresenta bastantes limitações, a nível global, na ilustração: seja na representação de caras e expressões, quer na fisionomia das personagens ou no desenho de cenários – quando os mesmos existem já que, na maioria dos casos, apresenta cenários despidos, onde o destaque é atribuído às personagens. Acho também uma arte muito carregada a preto que, acaba por não nos dar páginas bonitas. Mas, claro, esta questão das "ilustrações bonitas" tem sempre um elevado grau de subjetividade, portanto, reconheço que, não me agradando muito a mim, poderá agradar a muitos outros leitores. 

Também a fonte utilizada para o texto, embora encaixe bem no estilo infantil de ilustração da obra, torna-se pouco legível às vezes. 

A sensação que tenho é que esta obra de Satrapi até podia não ser catalogada como um “livro de banda desenhada” pois chega a parecer que a autora foi escrevendo o texto e adornando cada uma das páginas com uma ilustração. Aqui não há vinhetas a fazerem a separação clássica das sequências gráficas da ação. E portanto, quase que diria que é mais um livro ilustrado do que uma banda desenhada. E há algum mal nisso? Nenhum! Até porque a autora se mostra como peixe na água a abordar as suas histórias desta maneira. Para um livro leve, descontraído e cómico, eu diria que funciona na perfeição. Portanto, mesmo que eu possa considerar que a arte ilustrativa de Satrapi não seja propriamente bela e que a planificação da sua obra fuja aos cânones clássicos da banda desenhada, isso não belisca nem um pouco a qualidade e harmonia daquilo que nos é dado. São as histórias que aqui são contadas que tornam este livro em algo muito bom, que vale a pena conhecer. A meu ver, até é uma obra que supera claramente Frango com Ameixas

Quanto à edição da obra pela Levoir, e por muito que eu não queira focar as minhas análises nos erros da editora, a verdade é que esta é mais uma obra ensombrada pelo descuido da revisão editorial. Desta vez, os dois erros aparecem logo na capa e contracapa. Na capa, aparece um acento mal colocado na palavra Persépolis que acabou sendo “Persepólis”. Na contacapa, na sinopse da editora, embora desta vez Persépolis apareça bem escrito, é referido que o grupo de mulheres que vai tendo os diálogos nesta obra é constituído por sete mulheres quando, na verdade, o grupo é constituído por nove mulheres. Se estes erros são muito graves? Não. Mas são erros que demonstram um certo amadorismo e descuido para com as obras e, consequentemente, para com os leitores. Se é razão para não comprar este Bordados? Certamente que não!!! São erros "pequenos", que não destroem a obra, mas que a editora deverá rever melhor na sua próxima coleção. 

Respondendo ainda a alguns comentários que a minha última análise a Andanças e Confissões de um Homem em Pijama suscitou, eu diria que, até agora, a maioria dos livros desta coleção está a ser lançada sem grandes problemas. Os dois volumes de O Expresso do Amanhã, As Paredes têm Ouvidos, The New Deal e Andanças e Confissões de um Homem em Pijama não apresentaram, praticamente, erros nenhuns – ou se existiram alguns erros, não foram, a meu ver, "crassos". No entanto, este Bordados, O Neto do Homem mais Sábio e, sobretudo, Rever Paris apresentam erros mais difíceis de digerir. Especialmente se tivermos em conta os leitores que também são colecionadores de banda desenhada e que, certamente, são uma grande fatia de compradores desta coleção. Arrumada esta questão dos problemas na revisão dos livros, quero deixar claro que não sou minimamente obcecado com a questão. Pequenos erros, aqui e ali, acontecem. Mas há que detetar isso para fazer melhor no futuro. 

Finalizando, Bordados funciona de forma excelente no seu todo e é uma aposta ganha por parte da Levoir. Divertido, pecaminoso nos temas e (até) viciante, é um livro que merece ser lido pelos adeptos de uma boa história. E até podem não ser adeptos de banda desenhada! 


NOTA FINAL (1/10): 
8.4 

Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020

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Ficha técnica 
Bordados 
Autora: Marjane Satrapi 
Editora: Levoir 
Páginas: 144, a preto e branco 
Encadernação: capa dura 
Lançamento: Outubro de 2020

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