quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Análise: As Desventuras do Rei Midas



As Desventuras do Rei Midas, de Luc Ferry, Clotilde Bruneau e Stefano Garau

As Desventuras do Rei Midas é o mais recente lançamento da editora Gradiva. É o quarto volume da coleção A Sabedoria dos Mitos, que se tem dedicado a apresentar de forma genérica - e muito educativa, diga-se - algumas histórias clássicas da mitologia grega. 

Antes de avançar na minha análise, afirmo que considero admirável que a editora Gradiva tenha sabido encontrar esta franja de mercado – a banda desenhada histórica e educativa, chamemos-lhe assim. E mesmo tendo em conta a recente entrada neste segmento da editora Levoir, com o lançamento da sua coleção Clássicos da Literatura em BD, julgo que (ainda) há espaço para todas estas obras de cariz didático que permitem, especialmente a um público mais infanto-juvenil, a aquisição de mais conhecimento e cultura geral, de uma forma simples e recreativa que, ainda por cima, também estimula o gosto pela banda desenhada. Estas coleções são muito bem-vindas, a meu ver.

Posto isto, desta vez o volume é dedicado ao Rei Midas e à sua capacidade de transformar em ouro, tudo aquilo em que toca. Tudo começa quando dois guardas do reino de Midas aprisionam erroneamente Sileno. Como Midas o reconhece, rapidamente desfaz o erro dos seus guardas, libertando Sileno e convidando-o para dez dias de banquetes, com vinho e muitas mulheres à mistura. Quando encontram Dioniso, o rei da festa e do vinho, este decide premiar o bom gesto de Midas para com Sileno e concede-lhe um desejo. Midas, de forma gananciosa e pouco refletida, pede que lhe seja granjeado o “toque de ouro”. Dioniso depressa se apercebe da infelicidade de tal desejo, mas decide, ainda assim, conceder esse sonho a Midas. Este fica agora munido de um fantástico poder: transformar em ouro tudo aquilo em que toca. Porém, este poder acarreta consigo consequências devastadoras para Midas pois, ao transformar tudo em ouro, isso também incluirá que através de um mero toque, Midas transforme animais, plantas – e até os seus próprios filhos – que são seres vivos em objetos inanimados. E já para não falar que atividades simples da vida, como comer e beber, tornam-se impossíveis com este poder. Rapidamente Midas se apercebe que cometeu um grande erro com este pedido e roga a Dioniso para que este reverta o malogrado poder e que deixe Midas tal como era antes do infeliz desejo. 

A história remete-nos ainda a um segundo episódio do Rei Midas, ao colocá-lo frente a frente com o Deus Apolo e com a sua ira perante as suas palavras insensatas, quando Midas decide defender Pã, afirmando que prefere a música deste, à música harmoniosa de Apolo. Eventualmente, Apolo castiga o suposto mau gosto de Midas para a música, transformando as suas orelhas em orelhas de burro. 

Este é um livro que vai ao encontro dos recentes lançamentos da Gradiva, funcionando bem, com uma história bem preparada e com desenhos atraentes. Pode parecer por vezes impessoal, mas como também é verdade que há aqui um intuito educativo nestes livros, é algo que é facilmente desculpável. No final, As Desventuras do Rei Midas são um livro bem equilibrado em todos os seus vectores. 

Muitas vezes digo que determinados livros precisavam de mais páginas para que as personagens ou o argumento, pudessem ser mais bem desenvolvidos. Mas, nesta obra, não é esse o caso. Pelo contrário, até. Porque, se repararmos bem, a própria história principal de Midas que passa a transformar em ouro tudo aquilo em que toca, até fica bem retratada nas primeiras 20 páginas deste livro. Parece que, sendo o argumento curto, houve depois a necessidade de aumentá-lo e de desenvolvê-lo. E por isso, os autores foram buscar a origem da arpa do Deus Apolo, a rivalidade que este tinha com o seu irmão Hermes, até chegarem ao encontro e duelo com Pã onde, finalmente, Midas volta a aparecer com destaque na obra. De qualquer maneira, cabe-me dizer que isto que poderá estar a parecer aos meus leitores um certo “enchimento de chouriços” por parte dos autores desta obra, não o é necessariamente. Ou se o é, pelo menos, até ficou bem feito. Ou seja, os autores souberam unir os pontos das duas histórias (ou três, se contarmos com os episódios de Hermes e Apolo) que, no fundo, constituem este livro. Embora não fosse necessário ir tão fundo para contar a história principal de Midas, compreende-se que para que o livro tivesse as habituais 48 páginas de história, os autores tiveram que procurar outros episódios da mitologia grega. Mas fizeram-no com tacto, reconheça-se. 

Em termos de arte, e à semelhança do que já escrevi por altura da análise feita a Prometeu e a Caixa de Pandora, a arte aqui presente é moderna, bem executada e bonita de se observar. Mais do que uma ilustração artística, diria que esta é uma ilustração funcional, que faz bem o seu trabalho, conseguindo ser apelativa também. Algumas caracterizações físicas – especialmente as faciais – estão verdadeiramente impressionantes, pela sua qualidade. Diria que, e comparando-o a Prometeu e a Caixa de Pandora, este As Desventuras do Rei Midas (ainda) joga mais pelo seguro, em termos de arte. A planificação, embora apresente vinhetas e arranjo das mesmas de várias formas, é mais clássica e menos audaz, descurando ilustrações grandes em dimensão. Seja como for, a arte deste livro é agradável e a aplicação das cores também não fica atrás. Destaque para a ilustração da capa que está verdadeiramente majestosa na dicotomia entre riqueza e desespero que a mesma encerra. Uma daquelas capas que, por si só, quase já vale o livro.

O dossier informativo, no final do volume, também é um interessante acrescento de informação ao tema do Rei Midas e das interpretações que deverão ser feitas em relação à sua história. Talvez nem precisasse de ser tão grande e tão desenvolvido. Mas, como costumam dizer, é preferível "a mais" do que "a menos" e portanto, o dossier de notícias é algo bem vindo e que acentua grandemente o cariz didático desta coleção da Gradiva.

Em conclusão, reitero que é sempre bom que a banda desenhada (também) esteja ao serviço da educação. Porque, como dizem os ingleses, é uma situação win-win. Por um lado, faz com que os interessados e os leitores em banda desenhada aumentem a sua cultura geral. Por outro lado, também faz com que algumas pessoas, pouco familiarizadas com a banda desenhada, aproveitem este convite de aumentar conhecimentos de uma forma leve, mergulhando assim na banda desenhada. Quem sabe se estas bandas desenhadas educativas não podem servir como porta de entrada para trazer leitores para a 9ª arte?


NOTA FINAL (1/10):
8.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
As Desventuras do Rei Midas
Autores: Luc Ferry, Clotilde Bruneau e Stefano Garau
Editora: Gradiva
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Setembro de 2020

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