terça-feira, 6 de outubro de 2020

Análise: Andanças e Confissões de um Homem em Pijama


Andanças e Confissões de um Homem em Pijama, de Paco Roca

Andanças e Confissões de um Homem em Pijama é a mais recente obra que a editora Levoir publicou, juntamente com o Jornal Público, no passado sábado, na sua coleção Novelas Gráficas.

Este volume da autoria do espanhol Paco Roca, autor muito conhecido e apreciado em Portugal, continua as pequenas rábulas humorísticas – iniciadas no anterior livro Memórias de um Homem em Pijama, editado também pela Levoir – e que são centradas no autor - que trabalha em casa, de pijama - e na forma com o mesmo vê e reflete sobre o mundo que nos habita. 

Ao contrário do primeiro livro onde as histórias eram mais centradas na sua vida pessoal e na daqueles que o rodeiam, como família e amigos, nesta obra - que, na verdade, é um álbum duplo, pois reúne os dois livros Andanças de um Homem em Pijama e Confissões de um Homem em Pijama – Paco Roca parece centrar-se em temas mais exteriores a si mas que, ainda assim, nos implicam a todos, como o capitalismo de vários sectores de atividade – telecomunicações, farmacêuticas, entre outros -, a distribuição de riqueza pelo mundo, aplicação do dinheiro dos contribuintes espanhóis, a atuação dos governos, a despreocupação dos mesmos em relação aos países subdesenvolvidos e muitos mais temas da atualidade. 

Perde-se, por ventura, algum humor, mas ganha-se em consciência social e em pensamento crítico. Uma coisa que me parece extremamente interessante é a eficiência e clareza como o autor consegue transpor uma temática complexa, como a atuação da indústria farmacêutica, por exemplo, para meras duas pranchas. No final, o leitor fica bem informado e o autor ainda consegue passar a sua forma de pensar em relação ao tema. Uma maneira muito bem conseguida que prova que Paco Roca é um verdadeiro mestre na forma como ilustra uma história. Portanto, embora mais heterogéneo que o primeiro livro, este segundo volume parece-me mais completo. Mais denso. 

E, ainda assim, continua a haver espaço para aquelas piadas do dia-a-dia com que todos nós nos identificamos embora, nem sempre, queiramos admitir isso, publicamente. Mas que, na verdade, estão lá bem presentes na forma como vivemos a nossa vida ou nas nossas perceções do mundo. Tal como referi na análise que fiz ao primeiro livro, o tipo de humor que Paco Roca nos dá, está muito em linha com o da célebre série televisiva norte-americana Seinfeld. Em ambos os casos, são destrinçados os temas simples, básicos e mundanos das relações interpessoais, de uma forma muito inteligente e divertida. Estas histórias mais humorísticas não me fazem dar uma gargalhada, mas são algo que, ainda assim, me deixa divertido e com um sorriso na face.

Há ainda espaço para algumas histórias inéditas – que não foram originalmente publicadas nos periódicos espanhóis – como As Leis (Temporárias) do Mercado e A Dívida Pegajosa. A primeira das histórias não funciona tão bem, a meu ver, como a segunda que, hábil e eficazmente, sintetiza o ciclo vicioso que são as dívidas públicas soberanas. Uma autêntica aula de economia que, aliás, acho que poderia figurar num qualquer manual juvenil de economia, para que os jovens possam perceber facilmente todo este processo. Há ainda espaço para uma outra história, um romance, denominado Como Ondas em Oposição de Fase, que também sai do espectro da comédia para um exercício narrativo muito interessante que teria até possibilidade de se tornar uma novela gráfica, por si só, se o autor assim tivesse querido.

Em termos de arte, temos um Paco Roca igual a ele próprio. Aliás, embora o autor mude bastante em relação aos temas e tipos de narrativas que nos dá, do ponto de vista do argumento, em termos de arte ilustrativa, mantém-se bem fiel a si mesmo. Portanto, aqui também temos um desenho que utiliza a linha clara, cores fortes, e um estilo de ilustração "cartoonizado".

Quanto à edição, a Levoir parece estar a afinar melhor os seus livros. Depois de uma edição desastrosa em Memórias de um Homem em Pijama, com a obra a ter ficado parcialmente destruída, neste Andanças e Confissões de um Homem em Pijama, não há praticamente nenhum erro a declarar, à exceção de dois pequenos erros – em que uma palavra deveria estar no plural e não está; e em que um texto ficou fora da respetiva legenda. São defeitos. Mas, a meu ver, são pequenos e “passam”. E claro, aqueles problemas de dividir as histórias de forma aleatória, que arruinaram a experiência de leitura no primeiro livro, já não existem neste livro. 

Mas não obstante isso, há uma coisa que me merece um reparo. São coisas tão simples e fáceis de fazer bem, que me deixam intrigado. No primeiro livro – que foi lançado fora da coleção de novelas gráficas, relembro – mas com uma menção a “Novela Gráfica”, a lombada do mesmo foi feita na cor branca. Não me pareceu mal. E até gostei. Mas agora, no segundo livro, a lombada é feita a preto, anulando a continuidade que há entre ambos os livros de Paco Roca. E aí, já me parece mal. Para um colecionador de bd – e certamente muitos dos compradores da coleção de novelas gráficas também são colecionadores de bd, pois as duas coisas muitas vezes estão indissociáveis – é difícil perceber o porquê desta escolha. “Ah… a lombada é de outra cor porque o primeiro livro do homem em pijama foi lançado fora da coleção novelas gráficas”. Isso não justifica. Já vários livros foram lançados fora da coleção de novelas gráficas e mantiveram a lombada a preto. Outro possível argumento: “Ah… se a lombada do segundo livro do Homem em Pijama fosse a branco, conforme a do primeiro livro, depois o segundo livro não funcionaria bem junto dos outros livros da 6ª Coleção de Novelas Gráficas, que têm lombada a preto”. Isso também não justifica. Ainda no ano passado, o livro 73304-23-4153-6-96-8, de Thomas Ott, da 5ª Coleção de Novelas Gráficas, teve uma lombada na cor branca. Resumindo: a Levoir parece demonstrar duas coisas: por um lado, que é displicente em coisas tão simples como esta – mas que importam para os seus leitores – e, por outro lado, parece ter uma dualidade de critérios. Umas vezes, face a uma questão resolve de uma maneira, e noutras vezes, face à mesma questão, resolve de uma outra maneira. Exemplo disso foi a forma diferente como resolveu os (mesmos) problemas que os livros O Neto do Homem mais Sábio e Rever Paris apresentaram.

Seja como for, a Editora está de parabéns por editar (mais) um bom livro de Paco Roca que, aos poucos, vai tendo grande parte da sua obra editada em português, pelas mãos da Levoir. Este é um autor muito querido dos portugueses e também o é para mim. E este Andanças e Confissões de um Homem em Pijama é ainda mais recomendado do que o primeiro livro.


NOTA FINAL (1/10):
8.3


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Ficha técnica
Andanças e Confissões de um Homem em Pijama
Autor: Paco Roca
Editora: Levoir
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2020

2 comentários:

  1. Caro Hugo, este é um dos 2 volumes que adquiri nesta coleção (o próximo será Chaboutté), não só porque gosto da obra do autor, como me identifico especialmente com histórias curtas e casos do quotidiano. Felizmente que a Levoir manteve o layout original, mas não deixa de ser estranho que, e como diz, em situações de de erro evidente haja 2 pesos e 2 medidas. Outra situação que me aborrece particularmente é o papel de fraca qualidade que usam de forma indiscriminada em todas as obras com reflexos na qualidade de reprodução e até, no cheiro intenso a tinta que deixa. Entendo que as obras são vendidas a preço acessível mas usar papel desta qualidade é "assassinar" em parte a obra. Faltam valores de produção por aqueles lados....

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    1. Caro António. Obrigado pelo pertinente comentário. Sim, este livro é muito bom e facilmente recomendável. Também compreendo o que diz sobre os "dois pesos e duas medidas" da Editora. Esperemos que a Editora afine de vez o seu modo de atuação. Quanto à questão do papel, também percebo o que diz e, de facto, o papel poderia ter mais qualidade... mas também é verdade que isso poderia encarecer estes livros, que têm um preço tão apetecível. E sinceramente, prefiro que estes livros tenham este papel mas saiam com capa dura do que se tivessem um papel melhor mas fossem lançados em capa mole.

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