Lucky Luke – Um Cowboy no Negócio do Algodão é o mais recente álbum de Lucky Luke. É o 9º volume da série As Aventuras de Lucky Luke segundo Morris, em que Achdé passou a desenhar a série. Relativamente ao argumentista, Jul, este é o terceiro álbum (consecutivo) que o autor assina.
Um Cowboy no Negócio do Algodão foi um álbum que desde logo suscitou o meu interesse – e, possivelmente, do mercado em geral – por abordar a temática da escravatura nos Estados Unidos da América. E ainda que considere o humor de Lucky Luke divertido e ligeiro – não comprometendo em demasia o(s) seu(s) autor(es) – devo dizer que quando soube desta nova obra, que a mesma se moveria questões demasiado sensíveis para muitos. A coisa poderia ter corrido mal, vá.
Não é que eu seja uma pessoa que se melindre quando se goza ou brinca com qualquer tema que seja. Nessa matéria, considero-me, até, 100% liberal. Sou daqueles que não se incomodam por qualquer que seja o tema abordado numa qualquer rábula humorística. Mas, claro, isso também não quer dizer que ache piada só porque é uma graçola ousada. Quero, pois, com isto dizer, que temi que o tema escolhido para esta história do cowboy mais conhecido do mundo, fosse um tiro no pé por parte dos autores. Por se tornar seco e apenas provocador. E que pudesse ofender as pessoas mais sensíveis por se tratar, afinal, de um tema pouco divertido e bastante sério.
Todavia, e felizmente, nem as pessoas mais sensíveis poderão sentir-se ofendidas com esta obra, estou certo. Lucky Luke – Um Cowboy no Negócio do Algodão é um livro divertido que se lê muito bem. Tem o seu leve humor característico, enquanto que procura ensinar – ou relembrar - algo aos leitores. Sempre foi assim nos livros de Lucky Luke e aqui também não é exceção. Acho por isso que a escolha do tema foi corajosa mas muito bem executada.
A história começa quando Lucky Luke herda uma das maiores plantações de algodão no Luisiana. O nosso herói, sendo o cowboy solitário que todos conhecemos, não fica muito atraído por tantas riquezas e decide redistribuir a sua herança pelos escravos negros que, até então, trabalhavam de sol a sol, sendo totalmente explorados nesta plantação. Lucky Luke é então atenciosamente acolhido pelos plantadores brancos que são extremamente racistas e pertencem até ao KKK (Ku Klux Klan).
E, claro, depressa Lucky Luke se demarca destas personagens detestáveis e, nos dias de hoje, risíveis. E é mesmo fazendo um retrato da classe alta e branca que explorava os escravos negros na altura, que Jul faz um bom trabalho. Nem é preciso exagerar muito os comportamentos das personagens para que o seu dicurso e atitudes sejam racistas e absurdos, baseados em ideias obtusas, sem qualquer fundamento legítimo. Ao fazer uma narração de como eram os brancos desta altura, o autor consegue expô-los ao ridículo. Os vilões acabam por ser os brancos racistas desta história. E servindo-se da personagem de Lucky Luke, os autores conseguem, eles próprios, condenar o tempo do racismo e da exploração dos negros. E, dessa forma, os pressupostos desta narrativa podem ser passados para a atual sociedade onde, frequentemente, (ainda) assistimos a comportamentos racistas. Acredito, pois, que a obra chega a ter um propósito lúdico e social. E isso é muito bem-vindo, especialmente dado o público infanto-juvenil para o qual a obra (mais) se destina.
Voltando à história, nesta obra também somos brindados com o aparecimento dos irmãos Dalton que, continuam iguais a eles próprios, e que nos oferecem várias pérolasm com as tiradas ingénuas de Averell ou com a raiva crescente de Joe por Lucky Luke. A personagem real que aparece é o herói Bass Reeves, que entrou para a história como o primeiro Marshall adjunto negro nomeado a oeste do Mississipi e que, nesta aventura, presta um importante auxílio a Lucky Luke. As personagens de Mark Twain, Tom Sawyer e Huckberry Finn, também chegam a aparecer na história. Mas, neste caso, pareceu-me algo mais forçado e que pouco ou nada contribuiu para o desenvolvimento da narrativa.
Quanto ao trabalho de Achdé, só posso dizer que é impecável. Sem uma única falha que lhe possa apontar. Mesmo que os mais puristas considerem que Achdé se limita a emular o autor original da série, Morris, a verdade é que o faz de forma perfeita e permite a milhões de leitores em todo o mundo, a oportunidade de continuar a ler novas histórias de Lucky Luke. Portanto, todos aqueles que são fãs da arte de Lucky Luke, dos desenhos tão característicos desta série, certamente ficarão muito satisfeitos com esta obra. Há até espaço para algumas pranchas algo diferentes, em termos de planificação e dimensão das vinhetas mas, lá está, sempre respeitando o legado do mestre Morris. O álbum não é desenhado por Morris mas poderia sê-lo perfeitamente.
Faço ainda o destaque para a magnífica capa da obra. O efeito da plantação de algodão está muito bem conseguido, bem como a aproximação de elementos do KKK atribui um certo dramatismo à capa. E, se havia dúvidas sobre de que lado estaria o cowboy nesta questão racial, a própria capa, ao mostrar Lucky Luke junto do Xerife negro Bass Reeves, a preparar-se para atacar os elementos do KKK, torna a questão clarividente.
A edição da editora ASA faz bem o seu trabalho, sem quaisquer percalços. Capa dura, papel baço de qualidade. O lançamento da obra foi feito em simultâneo com o lançamento mundial e isso é algo que sempre aplaudo, pois há aqui um comprometimento da editora em assegurar que os leitores portugueses não ficam à espera da edição portuguesa. E isso é excelente.
Em conclusão, este não será o melhor álbum de Lucky Luke, mas está longe de ser o pior. É-nos dada uma narrativa bem ritmada e entusiasmante, servida pela arte perfeita de Achdé, enquanto é abordado o tema do racismo. Tema esse que, infelizmente, teima em continuar atual. Os fãs de Lucky Luke têm aqui (mais) um excelente álbum do cowboy que dispara mais rápido do que a própria sombra, e que vale bem a pena conhecer.
NOTA FINAL (1/10):
8.7
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Lucky Luke - Um Cowboy no Negócio do Algodão
Autores: Jul e Achdé
Editora: ASA
Páginas: 48, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2020
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