O facto da editora Gradiva ter, nos últimos tempos, ganhado um bom fôlego com a edição de bastante banda desenhada, nomeadamente através de algumas coleções como A Sabedoria dos Mitos, Eles Fizeram História, Descobridores, ou de, mais recentemente, ainda ter lançado a Coleção Thriller, da qual faz parte, não só este O Guardião como, também, Bruno Brazil, é um franco e positivo sinal da aposta crescente da editora portuguesa em banda desenhada. E isso, só me merece, respeito e agradecimento.
É bom que haja diversidade e salutar concorrência no mercado da bd em Portugal.
A série O Guardião, da autoria de nomes bastante consolidados no universo da banda desenhada franco-belga, Boucq e Sente, é uma aposta segura e, certamente, fará as delícias dos amantes do género. Estes Volumes 1 e 2 foram originalmente publicados em 2007. E, desde então, a série original já conta com 5 álbuns. Como cada história é dividida em dois tomos, estes O Anjo de Malta e Fim de Semana em Davos correspondem à primeira aventura deste Guardião e é por esse motivo que a presente análise diz respeito a ambos os livros. Foram lidos e analisados como um todo.
E, de facto, o fio condutor entre ambos os livros é tal que confesso que gostaria de ter visto os dois tomos reunidos num só volume. Prática que é cada vez mais comum quando são lançadas obras com já alguns anos de idade.
A história desta série leva-nos até ao Vaticano e apresenta-nos Vince, que é um dos doze Guardiões, um grupo secreto que trabalha para o Vaticano, levando a cabo missões ao nível de um típico agente secreto, como o universal James Bond. Este grupo é tão secreto que os doze membros nem se conhecem entre si e cada missão que lhes é confiada é única e irrepetível. Vince chegou recentemente a este cargo e, nesta primeira aventura, está encarrege de adquirir alguns documentos antigos.
A narrativa arranca com bastante vigor - apresentando-nos um herói improvável, um monge guerreiro - e é hábil em cenas de ação intensas, que permitem ao leitor ficar imediatamente com uma ideia acerca do tipo de herói que tem em mãos. E logo depois da frenética ação das páginas iniciais, vemos este monge a envolver-se sexualmente com uma hospedeira da Luftansa, que tinha acabado de conhecer no lobby do hotel, onde está hospedado. Embora isto tudo me tenha parecido um pouco abrupto em termos narrativos, a verdade é que me fez crer que os dados estavam lançados para um herói cheio de carisma e com uma dualidade interessante entre ser um monge do Vaticano mas, paralelamente, um bad boy. A história cativou-me desde o início. Porém, a leitura do restante livro e do segundo volume, veio contrariar a minha expetativa inicial. Mas já lá irei.
Depois disso, e já no volume 2, Vince terá que proteger os cardeais que participam no Fórum Económico Mundial de Davos, onde uma conspiração, estratégica e tecnologicamente bem preparada, é montada com o propósito de desviar fundos dos líderes económicos mundiais presentes em Davos. A história tenta ser atual, relativa ao mundo moderno, e dar-nos também uma noção da globalização do planeta em que vivemos, em que uma ação em sítios tão diferentes como Los Angeles ou Síria pode ter influência na outra parte do mundo. E onde a guerra da atualidade é mais económica do que militar.
Se a ideia é interessante e pertinente, parece-me que o argumentista Yves Sente, nos oferece uma história um pouco “embrulhada” em si mesma. Que procura ter muitas coisas a acontecer mas que, depois, acaba por não conseguir ligar os pontos da narrativa entre si, da forma desejável. Acho também que Vince acaba por ser uma personagem algo clichet e com pouco carisma na maneira de ser e estar. E isso é algo que fui descobrindo ao longo dos dois livros porque, de facto, o início do primeiro livro parecia ser mais promissor do que aquilo que acabou por ser. Infelizmente, Vince é uma persoagem que acaba por não ser muito memorável. A meu ver, talvez a ação pudesse ser mais violenta ou o modo de agir do protagonista mais edgy, com mais personalidade.
Quanto à arte de Bouq, não há nada a dizer negativamente. Com o seu traço característico e tão facilmente identificavel, o autor revela toda a sua capacidade técnica para ilustrar de forma magnífica toda e qualquer cena de ação. Ou paisagens, ou ambientes citadinos, ou personagens. Não há nada que Boucq não consiga ilustrar com beleza. Já escrevi noutra altura e posso repetir-me, mas aqui vai: julgo que as ilustrações de Boucq primeiro "estranham-se" e depois "entranham-se". O nome do autor é já uma garantia de qualidade. Se me chegar às mãos um livro em que Boucq assina as ilustrações, já posso dar por garantido que, nesse cômputo, será um bom livro. E em O Guardião, não há exceções, com o autor a apresentar um estilo mais clássico na ilustração do que noutras obras como Bouncer ou o fantástico, New York Cannibals, recentemente publicado pela Ala dos Livros. O uso de planos de câmara é bom e a aplicação de cores também está bem conseguida.
Este O Guardião é uma série de banda desenhada que me remete para o passado. Porque embora seja uma bd lançada em 2007 e que, portanto, é relativamente recente, parece ser uma banda desenhada muito em linha com algumas das séries franco-belgas dos anos 70 e 80. Não só em termos gráficos como, também, em termos de argumento. Por esse motivo, parece-me que é uma série claramente mais direcionada para um público maduro de banda desenhada. Aquele que, presumivelmente já na casa dos 50 anos, apreciará esta banda desenhada com um certo cariz revivalista. Julgo que um público mais jovem não encontrará em O Guardião os ingredientes que, normalmente, procura numa banda desenhada mais atual.
Relativamente à edição da Gradiva, esta série está a ser lançada em livros de grande formato, com uma boa qualidade de encadernação. Repito que preferiria que cada volume fosse composto por dois tomos mas tal não foi possível.
Em conclusão, esta é uma boa banda desenhada. O desenho está ao nível daquilo a que o fantástico Boucq já nos habituou. Aquilo que me deixa um pouco mais reticente com esta obra, é uma ligeira falta de carisma de toda a história e personagens. Especialmente do protagonista. O Guardião está longe de ser um mau livro. Está bem executado em todas as suas formas – especialmente na arte – mas, lá está, acaba por ser uma leitura demasiado “morna” e que, eventualmente, talvez fique esquecida com o passar do tempo. Falta-lhe algo do ponto de vista da construção da história e personagens. Mesmo assim, reconheço que é uma banda desenhada coesa que será (mais) recomendada para os fãs desta dupla criativa ou das séries de bd franco-belgas de ação dos anos 70 e 80.
NOTA FINAL (1/10):
8.2
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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O Guardião Vol. 1: O Anjo de Malta
Autores: François Boucq e Yves Sente
Editora: Gradiva
Páginas: 52, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Março de 2020
Autores: François Boucq e Yves Sente
Editora: Gradiva
Páginas: 56, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Março de 2020
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