quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Análise: A Solidão do Executivo

A Solidão do Executivo, de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí - Levoir - Público


A Solidão do Executivo, de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí - Levoir - Público
A Solidão do Executivo, de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí 

O 11º volume da coleção de Novelas Gráficas da Levoir e do jornal Público, é A Solidão do Executivo, da autoria de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí. Da mesma dupla criativa, foi igualmente publicada pela Levoir, na coleção de 2018, a obra Tatuagem. Quanto a Bartolomé Seguí, isoladamente, contando com As Serpentes Cegas (argumento de Felipe Cava Hernandez) e com Histórias do Bairro (argumento de Gabi Beltrán), este já é o seu quarto livro a figurar na coleção de novelas gráficas, o que faz dele um dos autores mais assíduos desta coleção da Levoir. 

Quanto a mim, isso são boas notícias. A arte deste autor tem uma personalidade muito própria e que muito me atrai. Se os leitores que me lêem gostaram da arte visual de Tatuagem, certamente gostarão da arte ilustrativa de A Solidão do Executivo. Há uma continuidade no desenho e no estilo, que é mantida nesta nova aventura da personagem Pepe Carvalho. Quer o desenho, quer a ambiência que Seguí introduz nas suas ilustrações, parecem remeter-nos para os anos 70. Se fosse um filme, tanto este A Solidão do Executivo, como Tatuagem, teriam uma fotografia muito derivante dos anos 70, em termos cromáticos. E o cuidado com que os ambientes (sejam objetos, sejam personagens ou sejam veículos) são desenhados é tanto que nos basta folhear o livro para que mergulhemos nesse período. As referências a esses anos idos são muitas e estão presentes por todos os desenhos, se estivermos atentos. Até chega a haver uma referência – e reflexão - ao célebre cartaz do 25 de Abril, com a imagem da criança a colocar um cravo numa metralhadora. 

A Solidão do Executivo, de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí - Levoir - Público
O trabalho de cores é, possivelmente, a arma secreta de Seguí que lhe permite ter uma aura tão histórica nos desenhos que nos apresenta nesta história. O resultado é fantástico! E mesmo sendo verdade que o traço do autor é fino, há também uma presença de carvão a sombrear as ilustrações, que dá o tal toque original ao trabalho de Seguí, que o distingue dos restantes autores. Em termos de desenho, apresenta uma vertente semi-realista que funciona muito bem. A planificação das páginas é interessante, apresentado uma boa variedade e dinâmica, e os “planos de câmara” também são bem conseguidos por parte de Seguí. Diria que, em termos gráficos, é uma obra cheia de qualidade. Pode-se gostar ou não do estilo de ilustração do autor. Mas acho que é facilmente aceitável por todos que, em termos de ilustração, este é um álbum muito interessante. 

Onde as coisas não funcionam tão bem, é na parte da história em si. Mas já lá irei. 

Quanto ao argumento, tal como em Tatuagem, também em A Solidão do Executivo temos uma adaptação, com base no romance com o mesmo nome, de Manuel Vázquez Montálban. E também a personagem principal é Pepe Carvalho que, neste novo caso, terá que investigar a morte de Antonio Jaumà, um importante homem de negócios. A narrativa permite-nos ainda um regresso ao passado de Carvalho, nos tempos em que era agente da CIA e fez uma viagem pelos Estados Unidos com o, agora falecido, Jaumà. E embora tudo e todos pareçam confirmar que Jaumà foi assassinado por causa de um acerto de contas sexual, a vivúva do mesmo contrata Pepe Carvalho para investigar o assassinato. Entretanto a história dá várias voltas e reviravoltas. A maior parte da investigação acontece em Barcelona mas também há muitas partes do livro que nos levam até São Francisco, Los Angeles ou Las Vegas. Entretanto, o investigador Carvalho vai mergulhando nos assuntos que rodeavam Jaumà, desde as suas crenças políticas de esquerda, até à sua passagem pela multinacional “Petnay”. E pelo caminho, há de tudo um pouco: desde inúmeros comentários gastronómicos de Pepe Carvalho, até cenas de sexo e de ação. 

A Solidão do Executivo, de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí - Levoir - Público
A história, não sendo nada de muito original, até pode ser bastante boa. Mas a maneira como está transposta para a banda desenhada é que apresenta alguns problemas. Estão a ver quando uma pessoa quer dizer muitas coisas e acaba por perder o fio à meada em relação ao seu raciocínio inicial? Parece-me que foi o caso de Migoya neste livro. Das duas uma: ou o livro necessitaria de (muitas) mais páginas para que pudesse dar tempo ao leitor de digerir os acontecimentos e diálogos; ou então, com este número relativamente reduzido de páginas para condensar tantas coisas, julgo que Migoya teria sido mais bem sucedido se abdicasse de inúmeras situações que, não só não acrescentam nada verdadeiramente importante à história ou à investigação de Pepe Carvalho, como, lamentavalemente, ainda têm o condão de tornar a trama principal menos perceptível. Ou seja, o efeito é duplamente negativo. Há diálogos e situações que parecem autênticos fillers, isto é, que estão ali só para ocupar espaço. E se tivermos em conta que o livro até nem tem assim tantas páginas (96), é uma má jogada, em termos de gestão do argumento, por parte de Nagoya. 

Em termos de como os autores utilizam o discurso da banda desenhada, acho que surgem mais algumas fraquezas na obra. O discurso da personagem de Carvalho é apresentado com o recurso a balões de pensamento mas isto gera um certo problema pois não se torna muito claro se aquela afirmação pertence ao pensamento da personagem naquele determinado momento, naquela determina vinheta, ou se é um pensamento que nos é dado num outro tempo de ação diferente, como é muitas vezes utilizado para contar uma história. Por outras palavras, se esses pensamentos são o discurso direto do narrador que conta a história ao leitor ou se, afinal de contas, esse balão de pensamento diz apenas respeito ao pensamento da personagem naquele determinado momento, não tendo propriamente um narrador a contar a história. Não está claro e confesso que me gerou alguma confusão. Aliás, há algum tempo que não lia uma banda desenhada que achasse tão difusa em termos de argumento e discurso. Muitas foram as vezes em que tive que voltar a ler determinada página para perceber o que se estava a passar. E não, não é por ser uma trama muito complexa. É, isso sim, por ser um livro algo confuso naquilo que quer passar. 

A Solidão do Executivo, de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí - Levoir - Público
E é uma pena pois acho que este livro tinha potencial para ser um dos melhores desta coleção de novelas gráficas da Levoir. A arte é impressionante e um bom policial é sempre bem-vindo, diria. Mas aqui, parece-me que em termos de argumento – ou de adaptação do argumento original que, confesso, não conheço – houve alguns problemas. Não são suficientes para destruir a obra. Continua a ser um livro interessante para ler e graficamente é um dos meus preferidos desta coleção da Levoir, mas fica um sentimento agri-doce no final da leitura. 

Relativamente à edição da Levoir, é mais um livro bem conseguido. Capa dura, papel fino, boas cores e ainda, como bónus, uma curta história adicional de 4 páginas, denominada Como Pepe Carvalho Conheceu (Em Liberdade) Biscuter. Verifiquei que esta é a única novela gráfica – até à data - que não tem um prefácio. É pena porque, a meu ver, um prefácio é sempre bem-vindo por acrescentar algo à obra. 


NOTA FINAL (1/10): 
8.5 



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica 
A Solidão do Executivo 
Autores: Hernán Migoya e Bartolomé Seguí 
Editora: Levoir 
Páginas: 96, a cores 
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Outubro de 2020

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