quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Análise: Saphari

Saphari - Miguel Angel Martin - Escorpião Azul


Saphari - Miguel Angel Martin - Escorpião Azul
Saphari, de Miguel Angel Martin 

Saphari é a mais recente aposta da Escorpião Azul e traz-nos de volta o autor espanhol Miguel Angel Martin, do qual a editora portuguesa já editou Bug (2017), Neuro Habitat (2018) e The Space Between (2019). O que quer dizer que, de há quatro anos para cá, é anualmente editado um novo livro do autor em Portugal. 

E quando olhamos para o estilo de Miguel Angel Martin, percebemos que tem uma grande dose de personalidade. Um daqueles estilos que considero pertencer à categoria do “gosta-se ou odeia-se”. O tipo de ilustração é raro e único (?), sendo de uma muito ténue linha clara, totalmente a preto e branco, sem espaço para cinzentos, e as suas obras abordam tendencialmente temas algo bizarros, que não são muito comuns de encontrar em banda desenhada. 

A cena inicial com que este Saphari arranca é uma verdadeira maravilha e a prova consumada em como o autor, em 37 páginas, consegue prender a atenção e interesse do leitor com uma sucessão de acontecimentos minuciosamentes detalhados e quase sem o recurso a texto escrito. O livro não poderia começar melhor. Quase que diria que já vale a pena ser conhecido só por esta cena inicial. 

Saphari - Miguel Angel Martin - Escorpião Azul
Depois deste início é que mergulhamos propriamente na história. Sandoval, após sair da prisão, tem agora um emprego temporário enquanto segurança numa zona industrial. E é assim que conhece Belasco que é o dono do restaurante "Saphari", que é especializado em carnes exóticas e em nyotaimori que, para quem não sabe, consiste em servir a comida (normalmente sashimi ou sushi) no corpo nu de uma mulher. É no restaurante Saphari que Sandoval conhece Amanda, com quem se envolve, e as suas duas curiosas filhas. 

O universo criado pelo autor é futurista, com os automóveis a aparentarem não ter rodas e que planam pela estrada quando se deslocam, e, em termos de cenários, as ilustrações que Miguel Angel Martin nos dá, são despidas e muito simplistas, com edifícios em totais linhas rectas, compostos por paredes amplamente despidas. Há uma certa frieza futurista no mundo que nos é apresentado. 

As personagens, especialmente Amanda e as suas duas filhas, trazem alguma profundidade à trama, embora me pareça que são dispostas na narrativa de forma meio aleatória, com o autor a não explorar devidamente a profundidade dessas personagens. E isto pode ser dito para toda a história pois, no final da mesma, fica a sensação de que é um livro que apresenta algumas ideias interessantes e originais mas que, infelizmente, não as consegue unir umas às outras, de forma a oferecer-nos algo verdadeiramente inesquecível. O que é verdadeiramente inesquecível é a fantástica cena inicial com que a história abre, repito. Pena é que a restante história não esteja ao mesmo nível. 

Saphari - Miguel Angel Martin - Escorpião Azul
Há também o elemento choque que o autor introduz, dando um humor negro à história. Este humor não é uma constante e está presente apenas em algumas partes como, por exemplo, quando Sandoval mostra a Amanda a foto de uma mulher grávida a praticar sexo oral a alguém, num plano muitas vezes utilizado na indústria pornográfica e, depois, tece a seguinte afirmação: “é a única foto que tenho com a minha mãe”. Cáustico. Provocador. 

O mundo que Miguel Angel Martin nos oferece é um universo que apresenta, sem enaltecer nem criticar, um mundo fora dos valores da sociedade: desde o mercado das carnes, o nyotaimori, as lutas entre cães, o radicalismo no combate pelos direitos dos animais, a relação entre as próprias personagens, entre outros. 

Mesmo assim, e ainda que alguns dos trabalhos do autor sejam célebres pela violência, cenas de sexo e bizarrias várias, a verdade é que este Saphari até me pareceu uma história mais leve do que outras obras de Miguel Angel Martin. Claro que há alguma violência e elementos bizarros mas diria, que é uma boa oportunidade para que os desconhecedores do trabalho do autor, mergulhem na sua obra. Uma boa porta de entrada. 

Saphari - Miguel Angel Martin - Escorpião Azul
Em termos de arte, há que admitir que as ilustrações são personalizadas e muito originais. O seu estilo parece deslocado e afastado dos demais. Mesmo assim, devo dizer que há duas coisas que não me agradam muito: a primeira é que me pareceu que algumas personagens – especialmente as masculinas – parecem demasiado semelhantes entre si. E a segunda coisa que não me agrada muito é que as ilustrações são tão limpas e despidas que me parecem inacabadas. Folhear este Saphari dá quase a ideia de que se trata de um livro de colorir, tendo em conta, que o espaço é tão pouco preenchido. Mas, lá está, são géneros. Reconheço-lhe originalidade e signature style, pelo menos. 

Com uma edição semelhante ao catálogo da editora – capa mole e papel de 100 gramas -, a Escorpião Azul merece o meu respeito por apostar num autor com um estilo tão underground, arrojado e original. 

Quase como se fosse um “filme de série B”, esta parece ser uma “banda desenhada de série B”. E quando olhamos para Saphari – e para as várias outras obras do autor - ficamos com a ideia de que o seu estilo nos remete para as pequenas produções de autor, com uma arte e um estilo completamente independentes e underground na sua génese. Mas não é só o estilo visual das suas obras que é singular. A sua linguagem narrativa também é bastante diferente e original. Esta é uma banda desenhada fortemente recomendada a todos aqueles que procuram algo que seja “fora da caixa” e que seja detentor de uma arte e de um argumento que não seja parecido com nada. 


NOTA FINAL (1/10): 
7.8 


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Saphari - Miguel Angel Martin - Escorpião Azul
Ficha técnica
 
Saphari 
Autor: Miguel Angel Martin 
Editora: Escorpião Azul 
Páginas: 152, a preto e branco
Encadernação: Capa mole 
Lançamento: Setembro de 2020

2 comentários:

  1. "...Com uma edição semelhante ao catálogo da editora – capa mole e papel de 100 gramas..." quer dizer o quê? É bom...ou é mau?

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    1. Caro RC, quer dizer que é semelhante aos outros livros que a editora vai lançando. Não tem de ser mau nem bom. Bem, eu acho que o papel é demasiado "básico" mas não é "mau". E normalmente prefiro capas duras em vez de capas moles... mas nada contra capas moles.

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