O mais recente volume da coleção Clássicos da Literatura em BD, O Livro da Selva, assume-se como uma das melhores obras da coleção da Levoir e da RTP até agora. Finalmente encontramos o equilíbrio pretendido para uma obra do género: uma adaptação do argumento da obra original que, mesmo não sendo perfeita, faz jus à obra, mantendo-lhe fidelidade, e uma arte ilustrativa gratificante, com desenhos muito bonitos e uma paleta de cores vibrante, que nos consegue colocar mesmo no coração da selva.
Daquilo que tenho conversado com alguns leitores e, também, daquilo que tenho lido na web, a qualidade, especialmente dos desenhos, dos álbuns que compõem esta coleção, tem deixado muitos leitores algo desiludidos com a mesma. Várias são as obras em que apenas os "mínimos olímpicos" de qualidade são alcançados. Mas este O Livro da Selva é, felizmente, uma exceção à regra. Pelo menos, olhando para os 7 álbuns lançados até esta parte. Só mesmo Alice no País das Maravilhas será um concorrente de peso em termos de ilustrações. Os outros, ficam bastante abaixo desta adaptação encetada por Djian e Tieko.
O Livro da Selva é uma história intemporal e que marcou, marca e continuará a marcar o imaginário de milhões de crianças em todo o mundo. Conta-nos a história de Mowgli, uma criança que foi abandonada e que reside no meio da selva indiana, junto dos animais selvagens. Desde o tempo de bebé, Mowgli é acolhido e educado por uma alcateia e vai aprendendo as línguas de todos os animais da selva, à medida que cresce. Os seus companheiros são os célebres urso Baloo e a pantera Baghera e o seu arqui-inimigo é o temível tigre Shere Khan.
A história da obra original de Rudyard Kipling está dividida em três grandes arcos que, aqui, nesta adaptação para bd, são respeitados: a primeira parte apresenta-nos Mowgli em tenra idade a ser adotado pela família de lobos e o que isso pressupõe para o grupo enquanto assembleia de animais. Depois, temos a parte em que o urso Baloo educa Mowgli, passando-lhe todos os ensinamentos que detém. É também nesta parte que os anárquicos macacos da tripo Bandar-log raptam Mowgli, o que motiva um ataque ao seu território por parte de Baloo, Baghera e da cobra Kaa. Esta será, por ventura, a parte mais conhecida e mais romantizada da história original. Na terceira e última parte da narrativa, encontramos Mowgli expulso da alcateia, a viver junto de humanos, e as consequências que daí advêm.
De facto, e esta será uma das ilações a retirar do texto original, Mowgli parece não encontrar verdadeira pertença nem junto dos animais, nem junto dos humanos. Para os animais, o que o distingue e levanta dúvidas relativamente ao seu caráter é, justamente o facto de ser humano. Já para os humanos, o facto de ser um selvagem faz com que Mowgli não seja bem aceite nem compreendido. E, portanto, a personagem sente-se algo dividida entre o lado mais humano e o lado mais selvagem. Algures perdido entre um e o outro mundo.
Em termos narrativos, embora o trabalho de Djian me pareça genericamente bem feito, captando os grandes momentos da obra e retendo aquilo que mais interessa contar, diria apenas que poderia ter havido uma maior fluidez na forma como a a história está contada. Pois, várias vezes, pareceu-me que o texto usado era o original numa vinheta e, na vinheta seguinte, já era outro texto, mais adaptado à bd, que estava a ser usado. E isto causou que a voz narrativa se atropelasse a si mesma, até nos tempos verbais do próprio discurso. Por exemplo, logo na página 7, a narração é feita no tempo passado na primeira vinheta, é feita no tempo presente na segunda vinheta e é feita, novamente, no tempo passado na terceira e restantes vinhetas. Soou-me um pouco artificial e há exemplos disto ao longo de todo o livro. Não é nada de muito gritante mas acho que o trabalho de narração e discurso poderia ter sido mais bem talhado por Djian.
Quanto à ilustração, este é um álbum muito gratificante e bonito. O autor, Tieko, apresenta-se como um exímio ilustrador de animais e de ambientes naturais, como são as luxuriantes florestas e cenários onde a história toma lugar. Os desenhos são detalhados e bonitos de se observar. E as expressões que os olhos dos animais passam para o leitor são providas de sentimento. Mowgli, enquanto personagem humana, também está bem representada pelo autor. Todavia, diria que Tieko brilha mais na caracterização dos animais do que na das personagens humanas. Mesmo assim, é justo dizer que o trabalho do autor é de uma excelente qualidade conseguindo até, por vezes, ser de uma certa magnificiência visual.
Para isso também ajuda o bom trabalho de cores por parte de Catherine Moreau, que sabe fazer sobressair os tons verdejantes da selva, bem como a luz que entra pela vegetação ou o jogo de sombras típico de ambientes naturais que, ora torna a selva aconchegante, ora torna-a assustadora. Sentimo-nos mesmo no meio da vida selvagem enquanto folheamos este livro.
E também gostei particularmente do estilo realista que o livro assume, aproximando-se mais da adptação para cinema de 2016, da Disney, em imagem real, do que da adaptação mais clássica de 1967, pela mesma Disney.
A edição da Levoir mantém os parâmetros de qualidade da restante coleção. Capa dura, papel de boa qualidade e um dossier de extras com pertinentes informações adicionais sobre o autor e obra. Tudo numa excelente relação qualidade-preço.
Em suma, posso reiterar que, das obras já lançadas até agora, este O Livro da Selva ombreia com Alice no País das Maravilhas como o melhor álbum da coleção Clássicos da Literatura em BD. Visualmente, é um livro muito bem conseguido e a adaptação do argumento também faz justiça à obra original do prémio Nobel da Literatura, Rudyard Kipling. É esta a qualidade que eu gostaria que os outros álbuns da coleção conseguissem alcançar. Não é perfeito mas é muito bem conseguido.
NOTA FINAL (1/10):
8.1
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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O Livro da Selva
Autores: Djian, TieKo e Catherine Moreau
Adaptado a partir da obra original de: Rudyard Kipling
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Março de 2021
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