segunda-feira, 1 de março de 2021

Análise: Amor é apenas uma palavra

Amor é apenas uma palavra, de Véte

Amor é apenas uma palavra, de Véte
Amor é apenas uma palavra, de Véte

Se há coisas que muito me agradam na obra do autor português Véte – e já o mencionei na análise que fiz a Haverá Um Amanhã?! - é, e passo a citar-me, a sua capacidade de nos remeter “automaticamente para o tempo dos fanzines, das edições independentes de banda desenhada, do gosto puro, sincero, juvenil e descomplexado de querer produzir e ler uma banda desenhada.” Neste Amor é apenas uma palavra, uma publicação de autor, com uma tiragem de apenas 100 exemplares, Véte vai ainda mais longe e lança uma banda desenhada que parece um exercício narrativo, em que o autor se propõe contar uma história, de um tema tão profundo como o amor, sem o recurso a palavras escritas.

O exercício pode não ser fácil mas a verdade é que, no final, a prova é bem superada e este Amor é apenas uma palavra assume-se, possivelmente, como a obra mais bem conseguida do autor até agora. Acaba por ser um exercício muito interessante em que Véte consegue transpor para o papel, de forma inequívoca, uma paleta de sentimentos. Não só o amor é aqui retratado mas também os sentimentos negativos como a raiva, a dor, a perda e o sofrimento que um amor não correspondido nos faz sentir. E toda a gente, de uma forma ou de outra, na idade da adolescência ou em adulto, já sentiu algo assim. Possivelmente, até mesmo alguém como uma Sara Sampaio! Acontece a todos, acreditem. É, portanto, uma mensagem universal e um livro que pode ser lido e compreendido por qualquer pessoa, de qualquer credo, raça ou cultura. E nisso, há que saber retirar o chapéu ao autor. Vou até mais longe e digo que numa edição profissional, com um grafismo mais aprumado - e com as histórias extra ausentes – tinha capacidade para chegar a um mercado internacional.

Amor é apenas uma palavra, de Véte
A obra está dividida em pequenos capítulos que nos revelam os principais momentos chave de uma relação amorosa. Os momentos em que uma relação, por um motivo ou outro, acaba e um dos elementos do casal se começa a apaixonar por outra pessoa. E a forma como aquele que é deixado tem que lidar com o sentimento de rejeição e com o/a novo/a namorado/a da antiga cara-metade. Desde os sentimentos assassinos que começa por sentir até ao esforço mental para superar essa relação perdida e soltar-se das amarras que a mesma ainda coloca na sua vida. Há todo um processo de luto amoroso que é necessário percorrer. E tudo isso está presente em Amor é apenas uma palavra.

Muito interessante e digno de vénias é que estes são sentimentos do foro íntimo e profundo e não necessariamente leves. Ora, arriscar ilustrar este tipo de emoções sem palavras foi verdadeiramente audaz. Talvez fosse fácil ilustrar sem palavras um tema leve e simples. Mas o autor arriscou mais do que isso. Poderia ter corrido mal e ser um tiro ao lado. Mas é um tiro certeiro.

Para além da história principal, este livro ainda inclui mais três histórias: Quebrando o Muro e Descendo à Terra, onde Véte se afasta do tema da história principal do livro e nos leva por cenários e aventuras oriundas de uma imaginação profunda. No final, temos ainda a história Amor, onde as personagens de Amor é apenas uma palavra voltam a aparecer. Pessoalmente, é neste tipo de histórias, ternas e simples, que o autor mais me convence. Não é que não tenha gostado de Quebrando o Muro ou Descendo à Terra mas, sinceramente, acho que são histórias que acabam por causar algum ruído narrativo em Amor é apenas uma palavra.

Amor é apenas uma palavra, de Véte
O estilo de arte apresentado é simplista no traço, na caracterização das personagens e na própria aplicação de cores. Acabam por ser desenhos muito lineares na concepção, o que nos remeterá para os desenhos da nossa infância. Claro que, naturalmente, este é apenas o estilo adotado pelo autor porque, na verdade, aqui e ali, encontramos vinhetas que detêm mais detalhes, planos de câmara mais arrojados ou elementos que dificilmente poderiam ser desenhados por uma criança. É apenas um estilo utilizado pelo autor, que muitos poderão achar demasiado simplista, mas que, a meu ver, funciona bem para o tipo de história despretensiosa e exercício narrativo que temos em mãos.

Inicialmente estas histórias haviam sido lançadas em formato digital mas o autor achou por bem lançá-las em 2019 sob a forma desta edição de autor. Naturalmente, e por essa mesma razão, não podemos esperar um objeto-livro com a qualidade profissional que, normalmente, uma editora coloca nos seus livros mas, ainda assim, devo reconhecer que, para edição de autor, é um livro com uma qualidade muito aceitável. O formato é grande e o papel é brilhante e tem boa gramagem, o que faz com que seja um objeto interessante. Acho apenas que o grafismo da obra poderia ter sido mais bem trabalhado ao nível da ficha técnica e demais informações contidas na obra. Julgo também que a presença de três línguas no livro (português, inglês e espanhol) torna a informação algo confusa. Compreendo que, até por ser uma obra (quase) sem texto, o autor tenha pensado que seria uma boa forma de facilmente poder chegar a vários destinos linguísticos. Mesmo assim, acho que graficamente, talvez estas informações mais técnicas pudessem ter sido dispostas de forma mais harmoniosa.

Amor é apenas uma palavra, de Véte
Em conclusão, posso dizer que esta é uma obra que vale bem a pena ser conhecida. Talvez Véte não saiba isto – porque nunca lho disse – mas identifico-me bastante com a sua persona em termos artísticos. Olho para ele como um verdadeiro autor indie de banda desenhada. Que desenvolve tudo, que produz tudo, que pensa tudo. E que o faz mais para si do que para os outros. Parece-me sempre que o seu objetivo é sempre mais pessoal do que comercial. E, em termos musicais, é exatamente assim que sou com os vários projetos musicais que tenho. Criar é mais um escape pessoal do que uma necessidade de aceitação. E que bom isso é!

Amor é apenas uma palavra funciona muito bem e acho até que o autor poderia, no futuro, oferecer-nos (mais) uma banda desenhada muda sobre um outro tema tão terno e profundo como o amor. É claro que se olharmos para a obra comparando-a a uma edição profissional, fará com que certos elementos da mesma não tenham a qualidade profissional que muitos leitores procuram. No entanto, olhando para Amor é apenas uma palavra como uma edição de autor, acho que a perceção final só pode ser positiva e gratificante.


NOTA FINAL (1/10):
7.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Amor é apenas uma palavra, de Véte

Ficha técnica
Amor é apenas uma palavra
Autor: Véte
Editora: Independente (Edição de Autor)
Páginas: 84, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Maio de 2019

Tendo em conta que é uma edição de autor, as compras deverão ser feitas através deste endereço de email: vetebd@hotmail.com

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