A Suma de Letras tem vindo a percorrer o seu caminho, na edição de banda desenhada em Portugal, de uma maneira muito interessante, não fazendo muitas edições em termos de quantidade mas tendo, ainda assim, lançamentos regulares de bd, como foi disso exemplo o divertidíssimo livro Vida de Adulta, de Raquel Sem Interesse, durante o ano passado.
Agora, a editora aposta novamente num autor português e no registo do humor. Desta vez, temos as aventuras e desventuras que um pai divorciado vive com as suas duas filhas. Diria que dificilmente e, ainda por cima, nesta altura de confinamento, eu poderia identificar-me mais com esta situação, uma vez que tenho estado com as minhas duas filhas em casa - embora na companhia da minha mulher - o que, naturalmente, é uma tarefa que não é fácil. Por vezes apetece-me berrar e fugir de casa... mas noutras vezes, os momentos de ternura multiplicam-se. O que me leva à verdade incontornável de que há sempre o lado positivo e o lado negativo em cada situação com que nos deparamos. Até mesmo com o confinamento imposto pela pandemia de Covid-19! Não obstante o facto de que, compreensivelmente, já todos estejamos fartos destes tempos e com vontade do regresso a uma vida normal.
Parece-me também relevante que, cada vez mais, o papel do Pai comece a receber o devido valor. Se as mães são heroínas incontestáveis nas nossas vidas, os pais também o são. Ou, pelo menos, podem sê-lo. O que não faltam são exemplos desse super-heróismo dos pais que nem sempre merecem o devido apreço. Numa sociedade que começa – e bem – a voltar-se finalmente para a igualdade/equidade entre homens e mulheres, colocando, lenta mas gradualmente, estas últimas no seu lugar merecido, também faz falta que se credite aquilo que é fantástico e que os homens também fazem tão bem - ou melhor - que as mulheres. E portanto, reitero que é positivo que exista este D.A.D. – Desempregado, Artista, Dona de Casa.
Mas claro, sendo um homem a retratar as próprias aventuras de se ser pai – e ainda por cima, com duas miúdas – teria que dar situações divertidas. E é isso que o português Alexandre Esgaio nos oferece neste D.A.D. – Desempregado, Artista, Dona de Casa. O título é suficientemente auto-explicativo para que compreendamos o que temos em mãos. O autor vai partilhando as vivências, aparentemente auto-biográficas, que vai experenciando com as suas filhas. Não há aqui uma exploração muito grande da parte do protagonista estar desempregado ou de ser artista. Fica subentendido mas julgo que poderiam ter sido várias (muitas?) as piadas à volta destas duas vertentes que o autor, neste livro, acaba por não aproveitar. A parte de ser “dona de casa”, de cuidar da casa e das filhas é que acaba mais bem explorada.
Com momentos ternos e divertidos, considero, no entanto, que o humor não chega a ser muito acutilante. É engraçado na maior parte das curtas histórias que vamos lendo mas só em dois casos – no discurso sobre os tomates em pleno supermercado ou no passeio na praia, que acabou com um presente de uma gaivota – é que este livro me fez gargalhar. Considero que se existissem mais destas situações, este livro seria um verdadeiro fartote de risada. Mas, não o sendo, é uma leitura fácil e agradável de se fazer. Por vezes até me parece que o autor está mais focado em partilhar as situações que vai vivendo, tal como se a obra fosse apenas um diário, do que, propriamente, fazer rir o leitor. E não há mal nenhum nisso, relembro. Por ventura, até fará do livro algo mais honesto. As crianças estão sempre a surpreender-nos com as suas tiradas inteligentes, transparentes e inesperadas e isso é o que recebemos desta obra, especialmente da filha mais velha do protagonista deste livro. Destaque ainda para algumas referências que o autor deposita nas suas histórias, das quais se destaca, claramente, aquela em que homenageia Relatividade, uma das obras primas do artista holandês MC Escher.
Quanto à forma, os tipos de pequenas histórias que nos são apresentados pelo autor variam entre breves gags de uma só ilustração (cartoons), ou pequenas histórias de uma, duas, quatro páginas. Não há uma fórmula estática que o autor utilize e isso faz com que o livro não se torne repetitivo. Apesar das mais de 100 páginas é um livro que se lê bastante depressa.
Em termos de ilustração, os desenhos que nos são dados são feitos à mão por Alexandre Esgaio. De traço bastante simplista e por vezes infantil, diria que encaixa bem no cariz desta banda desenhada. Mesmo com caras em que os olhos são dois pontinhos, as bocas são um risco em meia lua e os narizes um mero rabisco, a verdade é que as emoções nos rostos das personagens são bem passadas pelo autor e há mérito nisso. Sendo um cartoon de humor, interessa, acima de tudo, ser-se eficiente na ilustração e isso é sobejamente conseguido pelo autor.
Normalmente, os desenhos são a preto e branco mas acaba por haver sempre um elemento a cores. O mais frequente é a camisola às riscas vermelhas do pai e as botas amarelas da sua filha mais velha mas, ocasionalmente, aparecem outros elementos coloridos.
Na parte da legendagem parece-me que o livro apresenta alguns problemas. Por vezes o texto quase come o espaço das personagens e torna as páginas muito cheias e com a ausência da harmonia desejável. Fica tudo muito "encavalitado" e pouco apelativo visualmente. Nesse sentido, há também que ter em conta que esta bd começa por ser lançada enquanto web comic e isso talvez justifique que, visualmente, a mesma não pareça ter sido concebida de raiz para o papel e para os livros. A continuar a editar as aventuras de D.A.D. em papel, julgo ser algo que Alexandre Esgaio poderia ter em conta no futuro. Não é que funcione mal... mas estou certo que poderia funcionar melhor.
Em conclusão, D.A.D. – Desempregado, Artista, Dona de Casa não é um livro hilariante ou com desenhos magníficos. Mas é uma leitura fácil, com alguns momentos divertidos e afetuosos e que é lançada, com fantástico sentido de oportunidade por parte da editora Suma de Letras, reconheça-se. Pois relembro que o Dia do Pai está à porta e que, nesse sentido, este é um presente "na mouche" para os pais que são fãs de banda desenhada. E não só.
NOTA FINAL (1/10):
6.8
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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D.A.D. – Desempregado, Artista, Dona de Casa
Autor: Alexandre Esgaio
Editora: Suma de Letras
Páginas: 128, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Março de 2021
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