terça-feira, 23 de março de 2021

Análise: O Homem Polvo

O Homem Polvo, de Véte


O Homem Polvo, de Véte
O Homem Polvo, de Véte

Desde a idade de ouro dos comics, que a proliferação de super-heróis tem existido na cultura popular. É, aliás, algo que cedo saiu das páginas aos “quadradinhos” e invadiu todo e qualquer meio – televisão, cinema, brinquedos, todo o tipo de merchandising, etc – marcando, para sempre, a cultura popular. E claro que, ao longo dos anos, assistiu-se ao aparecimento de milhentos super-herós. Homens, mulheres, magros, gordos, bonitos, feios, bons, maus. Tudo e mais alguma coisa. E, em muitos casos, tal como um Batman ou um Homem-Aranha, os super-herós que foram sendo criados tinham uma relação com qualquer animal. O que ajudaria, logo à partida, que pudéssemos pré-formar um conceito mental sobre as capacidades desse super-herói só de ouvirmos o seu nome.

O prolífico português Véte (autor de Haverá um Amanhã?! ou de O Amor é Apenas uma Palavra, por exemplo) decidiu, há uns anos, criar a sua própria versão de super-herói e chamar-lhe “Homem-Polvo”. E, para tal, criou uma personagem que, embora tente proteger os fracos dos opressores, é, em tudo, muito falível e errático na forma como atua. Ainda que seja movido pelas melhores intenções possíveis. No entanto, recorre à violência gratuita, tem um método de improviso para resolver as situações com que se depara e é extremamente cínico (embora hilariante) nos comentários que vai tecendo ao longo das suas aventuras.

O Homem Polvo, de Véte
Este é um pequeníssimo livro de 20 páginas, numa edição ashcan que reúne três histórias. As duas primeiras até foram originalmente lançadas para o mercado espanhol, no webzine Antimateria (daí o título El Hombre Pulpo #1). A terceira história, por sua vez, é inédita. Este é um livro onde Véte parece estar, uma vez mais, – ou não estará sempre a tentar isto, tal como os bons artistas, verdadeiramente independentes? - a fazer um projeto mais para si do que para os outros. E este O Homem Polvo parece funcionar como um honesto e singelo exercício de banda desenhada. Como que uma tentativa de incursão criativa, como uma delineação de uma nova abordagem de banda desenhada, por parte do autor. Ou, simplesmente, como uma tentativa de (des)construção de um super-herói.

Quanto a mim, devo dizer que este Homem-Polvo me agradou bastante e que é uma personagem divertida. Lembrou-me outras personagens famosas, pelas melhores razões. Quando o Homem Polvo combate os vilões, vai dizendo comentários provocativos tal como um Homem-Aranha. Mas quando utiliza qualquer coisa que esteja à mão, por mais pouco ortodoxa que seja, como é o caso de um dildo (!) na terceira história, este Homem Polvo lembrou-me um Jack Sparrow dos filmes da Disney, Os Piratas das Caraíbas. E, claro, quando utiliza violência de um modo bastante agressivo, enquanto faz reflexões hilariantes, fui remetido para Deadpool. Não esquecendo que aquela chamada à realidade – tão portuguesa, diria – quando, por exemplo, a meio de uma batalha contra o crime, o Homem Polvo atende o telefone e ouve cuidadosamente a sua mulher a pedir-lhe que traga algo do supermercado, me lembrou do super-herói português O Corvo, da autoria de Luís Louro.

O Homem Polvo, de Véte
Mas apontar todos estes super-heróis para onde fui remetido enquanto lia O Homem Polvo não é, de forma alguma, dizer que esta personagem de Véte não tem o seu próprio carisma e personalidade. Pelo contrário! Simplesmente parece-me que, de uma forma involuntária (ou não), o autor foi beber a excelentes exemplos de character building. E isso, em conclusão, só atesta que este super-herói poderia (deveria?) receber mais atenção por parte do autor. Provavelmente isso não acontecerá, pois trata-se de uma série descontinuada – ou não fosse esta uma versão ashcan que, no jargão dos comics, pressupõe o fecho de uma série e/ou um novo experimento, estilo “episódio piloto”, para uma série de BD.

Seja como for, sublinho que me diverti a ler estas breves páginas. As três aventuras utilizam uma meta-comunicação para desconstruir (com humor) alguns dos chavões e lugares comuns do universo dos super-heróis na banda desenhada. A primeira e a terceira histórias são aquelas que melhor funcionam, com o autor a assumir aquela consciência de si mesmo, enquanto leitor de banda desenhada. É preciso ser-se um fã de banda desenhada para se perceber todas as pequenas piadas e referências que Véte utiliza num livro de tão poucas páginas. E, nesse sentido, este O Homem Polvo acaba por ser, ele mesmo, uma homenagem ao universo dos super-heróis.

A arte de Véte continua no seu estilo próprio, com um traço algo infantil, que neste livro também recebe uma vertente mais caricatural, com algumas personagens – especialmente as da terceira história – que me parecem ter saído de uma série de desenhos animados da empresa Nickelodeon.

Enquanto lançamento profissional, sabe a pouco, parece tímidamente explorado e não se leva muito a sério. Mas enquanto lançamento de autor... é uma delícia. Quem cresceu a ler comics americanos encontrará, certamente, muita satisfação nestas breves e divertidas páginas. É saboroso. Só é pena... que termine rápido. Gostaria de ler mais aventuras d' O Homem Polvo.


NOTA FINAL (1/10):
6.6



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Homem Polvo, de Véte

Ficha técnica
O Homem Polvo
Autor: Véte
Editora: Independente (Edição de Autor)
Páginas: 20, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Maio de 2019

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