A Planeta DeAgostini apanhou todos desprevenidos quando, no início de Março, lançou em Portugal a coleção Snoopy – A Peanuts Collection, que reúne em 61 volumes, as tiras dominicais que o célebre Charles M. Schulz, lançou ao longo de 50 anos.
E se esta série depressa chegou ao mercado português, depressa gerou igualmente polémica e críticas por parte de leitores, blogs e sites especializados em banda desenhada. Há coisas mal conseguidas nesta série, sem dúvida, mas diria que o grande calcanhar de Aquiles desta coleção é o preço ou o modelo de negócio que a mesma traz consigo.
As (muitas) críticas que li na internet apontam como erros nesta coleção a língua utilizada (português do Brasil), o nome da coleção (Snoopy em vez de Peanuts), as vinhetas pixelizadas, o papel de baixa qualidade, a ordem de lançamento dos volumes (cujo primeiro livro lançado em banca é o volume 16) e o preço, claro.
Todas estas coisas apontadas são verdade, sim. Mas aquele que, para mim, é o grande problema desta coleção é, sem dúvida, o preço. E isso, por si só, creio, fará com que a série não tenha o sucesso que, certamente, a Planeta DeAgostini, esperaria.
Senão vejamos: cada livro tem 64 páginas a preto e branco e custa, excetuando a primeira e segunda entrega, 9,99€. O que faz com que a série, no total custe 597,39€. E parece-me um preço excessivo mesmo que a edição fosse: a) em português de Portugal; b) com o nome Peanuts; c) sem qualquer vinheta pixelizada; d) com papel de melhor qualidade; e e) com a ordem de lançamento ajustada.
O real problema desta série é mesmo o preço. Ainda para mais, acaba por ter um preço injusto para com os leitores portugueses, se tivermos em conta que, no Brasil, a mesma série, com os mesmos problemas, tem o custo unitário de 7,29€. “Ah, mas a editora tem custos de handling, de transporte e tal... com a colocação dos livros em Portugal”. Pois, talvez. Mas quanto a isso, não considero que seja razão suficiente para aumentar tanto o preço. Parece que a diferença entre 7,29€ e 9,99€ não é muita, certo? Num só volume até não é muita, de facto, mas no total da coleção são 159,3€! Sim, leram bem! Cada leitor paga mais 159€ pela mesmíssima coleção que sai no Brasil. A menos que cada livro venha em jato privado, é uma diferença pornográfica no preço. Ultrajante, mesmo. E das duas uma: eu até aceitaria os 159€ adicionais se a coleção fosse em português de Portugal. Era o mínimo! Não o sendo, acho vergonhoso e sinto-me até ofendido enquanto português. Não há razão que justifique esta escalada de preço.
Compreenderia também que cada livro custasse 9,99€ se, em vez de 64 páginas, cada volume tivesse o dobro das páginas, ou seja, 128 páginas. Porque, na verdade, sendo um livro com 128 páginas, neste tipo de papel e com impressão a preto e branco, 9,99€ seria um preço aceitável. E, lá está, desta forma, não teríamos 61 volumes mas sim 31 volumes. O que, fazendo novamente as contas, nos daria a mesma coleção integral por 297,69€.
Portanto, olhando para o preço, encontro 4 opções. E a única que não acho minimamente aceitável é a opção que a Planeta DeAgostini escolheu. Vejamos então as quatro opções:
1) Lançar 31 livros de 128 páginas, ao preço de 9,99€, daria o preço final de 297,69€;
2) Lançar 61 livros de 64 páginas, ao preço de 7,29€ (igual ao preço brasileiro), daria o preço final de 430,11€;
3) Lançar os 61 livros de 64 páginas, ao preço de 9,99€, mas em português de Portugal, daria o preço de 597,39€;
4) A quarta opção seria gozar com a cara dos portugueses e lançar os 61 livros, de 64 páginas, ao preço de 9,99€, mas sem se darem ao trabalho de colocar a obra em português de Portugal, e daria o preço de 597,39€.
E sim, é mesmo isto que a Planeta De Agostini está a fazer!
Atenção que não devemos ser ingénuos e achar que as editoras devem fazer algum tipo de caridade para com os leitores de banda desenhada. Naturalmente, as editoras de BD estão no negócio da BD para fazerem dinheiro. Para terem lucro. E não há mal nenhum nisso! É, aliás, isso que deve ser feito para que as editoras tenham liquidez financeira e continuem a editar por muitos anos. Agora, uma coisa é fazer dinheiro, outra coisa é extorqui-lo. Há um limite de bom senso para tudo e também o deve haver a nível empresarial. Senão, às tantas, a frase: “quem tudo quer, tudo perde” começa a ser um imperativo. No final, não seria mais lógico lançar mais barato e vender mais unidades? O preço desta coleção é anedótico. Ponto final.
E é lógico que cada um faz o que quer com o seu dinheiro mas parece-me o pior negócio dos últimos anos em banda desenhada. Por muito que se goste da série em questão! Se tal for o caso, haverão outras opções de ter a série – ou grande parte dela – por uma melhor relação qualidade/preço.
Voltando aos problemas que já foram verificados por leitores e outros colegas bloggers que pude ler, confirmo que todas essas coisas são legítimas. Também acho que o nome certo da coleção seria “Peanuts”, embora reconheça que se aceita "Snoopy" pois este é um dos casos que, em Portugal e no Brasil – e não só – o branding Snoopy superou em força o branding de Peanuts ou de Charlie Brown. E sendo a assinatura/subtítulo A Peanuts Colection, acho que fica respeitada a série. Não é por aí que as coisas ficam destruídas, a meu ver.
Uma das páginas (a página 15) está pixelizada. Se há coisas que me chateiam e que destroem um livro de bd é a existência de imagens pixelizadas, como já referi na altura em que a Levoir lançou Rever Paris, de François Schuiten e Benoît Peeters, com uma página completamente piexelizada. No caso deste livro do Snoopy, só encontrei mesmo essa página 15 mal impressa. É grave, claro, mas sendo uma bd a preto e branco, não é tão irritante à vista como se fosse a cores. O que me permite fazer vista grossa a este erro, de forma algo relutante, reconheço.
Quanto ao papel de baixa qualidade, sim, é verdade que é bastante fino, o que permite ver as ilustrações do verso da página. Poderia - deveria - ser melhor, claro. Mas também não diria que seja algo vergonhoso, ainda assim. Poderia ter mais qualidade mas aceito e digo que não é por isso que as coisas ficam destruídas também.
E depois ainda há a questão da Planeta DeAgostini estar a lançar a coleção sem ser pela sequência natural cronológica. Confesso que isto a mim não me causa confusão nenhuma e até compreendo que a editora o faça. É um golpe de marketing, claro, mas daqueles legítimos, a meu ver. Errado era se, depois de feita a coleção, os anos não ficassem em sequência cronológica. E não é isso que acontece. Convém que as pessoas percebam que a sequência dos anos do lançamento original das histórias de Schulz mantém-se. O que vem trocado é a ordem da venda dos livros. Não me chateia minimamente. É o único problema apontado pelos leitores e bloggers que não considero, sequer, um problema.
Finalmente, persiste a questão do livro ser em português do Brasil. Ora bem, é claro que prefiro SEMPRE que a leitura dos livros que faça sejam em português de Portugal. A minha língua materna. E aí sou um claro purista em relação ao assunto. No entanto, também é verdade que o português brasileiro será a língua mais próxima ao português de Portugal e se esta for a única forma de ler algumas obras em Portugal, aceita-se. Ou seja, temos aqui uma situação de “copo meio cheio” ou “copo meio vazio”, conforme quisermos olhar para ela. A edição em português do brasil não me deixa totalmente feliz pois prefiro o português de Portugal. Todavia, se essa for a única forma de lançar uma obra em Portugal, é melhor isso do que nada, certo? Preferimos ter apenas 10 livros a serem lançados em Portugal com português lusitano ou preferimos ter o dobro dos lançamentos de obras, mesmo que metade seja em português do Brasil?
Não ficando totalmente feliz com nenhuma das opções, eu prefiro esta segunda hipótese, naturalmente. O que depois está errado, e que já referi, é que a editora tenha o desplante de encarecer os livros só porque sim. O grave não é ser em brasileiro. É ser em brasileiro e, mesmo assim, ser mais caro.
Por isso, insisto que o verdadeiro problema desta coleção é o preço.
Olhando agora para as histórias aqui presentes, parece-me que começar o lançamento com as tiras de 1967 até faz algum sentido pois nessa altura a série Peanuts já estava muito enraizada na sociedade, tendo muitos fãs. E Schulz já estava a navegar em velocidade cruzeiro em termos de criação. Portanto, as histórias que este volume traz, são engraçadas e aquilo que um fã de Peanuts pode esperar.
Reconheço todo o mérito a Schulz pela criação desta série que marcou milhões e milhões de pessoas. E alguns (muitos?) desses milhões até não eram seguidores de banda desenhada. E esse feito é incontestável. Ainda assim, admito que não sou um grande fã. Acho giro, que se lê bem, mas não é uma série que me encha as medidas. Acho um tipo de humor algo seco e insonso. Algumas tiradas são inteligentes, sim. Mas outras são apenas aceitáveis e não arrancam da minha cara mais do que um ligeiro sorriso. Nunca na minha vida gargalhei com uma história de Peanuts. Mas, lá está, se há algo que é subjetivo é o humor. Lá por eu não achar graça, não quer dizer que os outros não achem.
Olho mais para Peanuts como uma série com simpáticas personagens, que marcou o universo das tiras humorísticas, saltando do meio original para todo e qualquer meio que possamos imaginar (merchandising de todo o tipo e feitio, brinquedos, desenhos animados na televisão e no cinema, entre muitos outros). E isso merece todo o meu respeito. Peanuts conseguiu ser universal. Décadas passarão e Snoopy continuará a ser um dos cães mais famosos em todo o mundo.
Olhando ainda para este primeiro livro, considero que a capa está bem conseguida, a lombada em tecido é sempre agradável e que gostei bastante da introdução feita à obra de Charles M. Schulz.
O primeiro livro, por um preço tão simbólico de 1,99€ e o segundo, por 5,99€, merecem ser comprados. Por aqueles que estão com saudades de Peanuts e/ou por aqueles que ainda não conhecem a série – os leitores mais novos, claro. Mas não é uma série que possa recomendar pelo preço ridículo. E tenho as minhas dúvidas que existam muitas coleções a serem finalizadas em Portugal.
Veremos.
NOTA FINAL (1/10):
7.0
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Snoopy #16 – A Peanuts Collection
Autor: Charles M. Schulz
Editora: Planeta de Agostini
Páginas: 64, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Março de 2020
Muito boa análise. E eu por opção e para dar um sinal ao mercado opto por não fazer as coleções que saiam em PT-BR. Claro que se fosse uma série que pela pouca popularidade dificilmente saísse em Portugal, mas estamos a falar de séries amplamente populares e transversais, que se tratando de PT-BR até acabem por afastar eventuais novos leitores.
ResponderEliminarHá muita oferta no mercado. Por mim vou premiar os editores nacionais.
Obrigado pela mensagem, caro Nuno. Um abraço
EliminarCaro Hugo penso, muito sinceramente, que esta série assenta num equívoco. Quer ser "popular", com distribuição em bancas e outros pontos de fácil acesso e comercialização, pondo em evidência a personagem mais célebre e, simultaneamente, apela ao "colecionador" - qual colecionador? O casual, o entendido, o crítico, o apreciador desde á muito tempo? Quem?.... Estas séries fazem sentido quando há um verdadeiro investimento e compromisso, por parte de quem edita, em apresentar um produto com conteúdos verdadeiramente diferenciados - falo nos extras - afinal esta é uma obra para "colecionadores". No entanto, para quem analisa a obra, verá que não é bem assim. Os extras estão lá para "cumprir calendário" e a obra é "seccionada" ao máximo para " render o peixe" (perdoe-me as imagens, mas são o melhor termo de comparação que consigo dar...). E, sim, tal como afirma o preço de capa em Portugal é o verdadeiro desmotivador. Existem no mercado diversos bons exemplos do que dever ser um resgate de uma obra clássica de BD, portanto o editor nem sequer poderá alegar falta de conhecimento...
ResponderEliminarCaro António. Concordo em absoluto com o que escreveu e não altero nem uma vírgula.
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