Entre os lançamentos que a parceria formada pelas editoras A Seita e Arte de Autor já nos ofereceram, destaca-se a recente aposta mútua em obras do autor belga Zidrou. Primeiro, ambas as editoras nos trouxeram o fantástico e lindíssimo Lydie, de Zidrou e Jordi Lafebre, e, mais recentemente, foi a vez de Emma G. Wildford chegar até nós. Isto sem esquecer que, quer A Seita, com A Fera, quer a Arte de Autor, com Verões Felizes, já tinham lançado obras do autor. E isto já para não esquecer que também a Ala dos Livros já lançou A Adopção e lançará no próximo ano a série Shi. Zidrou é, portanto, um autor amplamente publicado em Portugal. Pela parte que me toca, fico muito feliz com isso, já que o trabalho do autor tem sido símbolo de qualidade ao nível do argumento, por um lado, e ao nível do desenho, por outro, tendo em conta que Zidrou parece saber rodear-se sempre de impressionantes ilustradores.
A esse propósito, desta vez, para este Emma G. Wildford, Zidrou faz-se acompanhar pela autora Edith, no desenho.
A história da obra passa-se nos anos 1920 e centra-se, como não podia deixar de ser, na personagem com o mesmo nome, que tem passado os últimos catorze meses à espera do seu noivo, Roald Hodges, membro da National Geographic Society, depois deste ter embarcado numa expedição à Noruega. Mas desde que essa jornada começou, não mais Emma obteve qualquer notícia do paradeiro do seu noivo.
E um detalhe bastante relevante para a história é que, antes de iniciar a sua jornada, Roald oferece uma misteriosa carta a Emma, pedindo-lhe que só a abra caso lhe aconteça alguma coisa de mal durante a viagem que vai empreender. Como tal, e estando sem notícias do seu noivo por tantos meses, Emma nega para si mesma que a causa dessa ausência seja algo de mau, e opta por, em vez de abrir o tal envelope, ir à procura do seu noivo. Deixa, portanto, a sua Inglaterra repleta de luxos e mordomias dignas da classe alta a que pertence, para partir para a Lapónia.
E o que é mais interessante é que, mais do que a busca pelo seu noivo, Emma acaba por empreender uma busca por si própria, fazendo com que a tal viagem mais não seja do que uma viagem ao seu eu-interior. Zidrou dá-nos aqui um belo texto bastante romântico, onde pisca o olho à própria poesia – ou não fosse Emma uma poetisa por direito - que nos vai oferecendo vários versos e quadras soltas ao longo do livro. A criação da uma personagem feminina forte e obstinada, especialmente num tempo mais longínquo ao atual, já que a história se desenrola no início do século XX, onde a sociedade era bem mais machista do que nos tempos em que vivemos agora, é outra das coisas onde Zidrou é bem sucedido.
“Nem tudo é como parece” e, lá mais para o final do livro, quer Emma, quer o leitor, acabam por ser surpreendidos por aquilo que realmente aconteceu a Roald. Isto, claro, se os leitores não lerem a carta que o livro traz colada às guardas do livro. Esta carta – que é um pormenor delicioso da edição - só deve ser lida depois de finalizada a leitura, como os editores – e bem – não se esqueceram de avisar os leitores mais incautos. Reitero essa recomendação já que a referida carta, se lida antes de finda a leitura, vai conter imensos spoilers.
De resto, o livro assume depois um certo tom mais simbólico que, felizmente – para os meus gostos, pelo menos – não é demasiadamente vincado, embora nos leve a um final um tanto mais forçado. Todavida, e acima de tudo, acho que é o aspeto mais poético da obra, que mais salta à vista. Pode não ser um daqueles livros que marca uma vida – ou, sequer, o melhor de Zidrou – mas certamente é uma obra bem conseguida, que merece ser lida. Acho até que é uma daquelas bandas desenhadas que, por este tom mais romântico e poético, terá o potencial de trazer pessoas que habitualmente não leem banda desenhada para o género. Se tivesse que oferecer uma BD a alguém que gosta de ler poesia ou romances, mas que não lê BD, este Emma G. Wildford poderia muito bem ser a minha aposta.
A autora francesa Edith (Gattery, de apelido) dá-nos aqui uma ilustração algo diferente daquilo a que estamos habituados a ver nos ilustradores que, normalmente, acompanham Zidrou. O traço de desenho de Edith é bastante suave e delicado, assumindo um tom romântico clássico que encaixa perfeitamente na história arquitetada por Zidrou. A paleta de cores quentes que habita a história - exceto na parte em que a mesma assume tons mais frios para melhor se adequar ao clima inóspito da Lapónia – também contribui para o tal aspeto romântico e delicado da mesma. No fundo, acho que os desenhos de Edith oferecem à obra aquele cariz de charme meio vintage que a mesma precisava.
Em termos de edição, o trabalho conjunto das editoras A Seita e Arte de Autor deu-nos um excelente exemplar. O livro apresenta capa dura baça, bom papel baço e boa impressão e encadernação. Todo o objeto-livro é muito bonito, com belas guardas a sobressaírem. Nas segundas guardas, já depois de finalizada a leitura do livro, os leitores são brindados, conforme já referi, com um pequeno regalo que é um envelope com a famigerada carta de Roald para Emma. Tudo num papel amarelado para transparecer a passagem do tempo e o cariz de relíquia do envelope e da carta. É um pormenor absolutamente delicioso que assinala a qualidade do trato editorial quer d’ A Seita, quer da Arte de Autor.
Em suma, parece ser claro que Zidrou não sabe fazer maus livros. Ainda que este Emma G. Wildford assuma um registo quiçá menos impactante do que outras obras do mesmo autor lançadas por cá, continua a ser um belo livro, carregado de romantismo, poesia e beleza, que merece ser (re)conhecido por todos!
NOTA FINAL (1/10):
8.5
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
-/-
Emma G. Wildford
Autores: Zidrou e Édith
Editoras: A Seita e Arte de Autor
Páginas: 104, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 21,5 X 28,5 cm
Lançamento: Outubro de 2023
Sem comentários:
Enviar um comentário