quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Análise: Bouncer #12 - Hecatombe

Bouncer #12 - Hecatombe, de Alejandro Jodorowsky e François Boucq - Arte de Autor

Bouncer #12 - Hecatombe, de Alejandro Jodorowsky e François Boucq - Arte de Autor
Bouncer #12 - Hecatombe, de Alejandro Jodorowsky e François Boucq

Em sentido contrário a diversos heróis do faroeste que a banda desenhada nos deu, com as séries de Blueberry ou Tex a serem as que mais me veem à memória neste ponto, Bouncer sempre primou por tentar ser, com sucesso, o oposto a esse western limpinho, onde os bons são sempre muito perfeitos e onde vence sempre o bem. Não tenho nada contra esse tipo de história mais clássica, atenção, mas a verdade é que a exigência de uma história mais adulta, com vários níveis de interpretação e onde a ação é mais crua e menos "hollywoodesca", vai muito mais ao encontro do que, pelo menos na atualidade, procuro numa história. E não falo apenas de histórias do faroeste. Falo de qualquer tipo de história.

Bouncer mostra-nos o lado mais negro, mais sujo, mais velhaco, mais ingrato, mais chocante do antigo faroeste. E mesmo sendo verdade que o protagonista da série, Bouncer, se reja por um quadro de princípios éticos que até podemos considerar – pelo menos grande parte – como corretos à luz da justiça e da retidão, tudo o que acontece em Barro City, a cidade onde se desenrola a ação, põe em causa qualquer tipo de moralidade e bem que poderíamos esperar. Bouncer não nos dá uma visão positiva das coisas, opta por nos dar uma verdade gutural e amarga. E, por tudo isso, quer-me parecer, talvez seja mais verossímil do que a maioria de todos os outros westerns – e não são tão poucos assim – que há em banda desenhada.

Bouncer #12 - Hecatombe, de Alejandro Jodorowsky e François Boucq - Arte de Autor
Este Bouncer, que a Arte de Autor publicou por cá há algumas semanas, já é o 12º volume tomo da série e assinala o regresso de Jodorowsky à escrita do argumento. Com muita satisfação vos digo que há muitos anos que não lia um argumento do autor franco-chileno que considerasse tão bem equilibrado e que me enchesse tanto as medidas. Este é, afinal de contas, pelo menos para os meus gostos, um autor algo "bipolar", pois consegue o melhor e o pior. Como tal, sempre que me aproximo de um livro do autor, engulo em seco, desejando o melhor, mas preparando-me para o pior. Aquela tendência que o autor foi sedimentando de colocar as suas personagens em situações extremas, mais para chocar o leitor do que em prol de uma boa construção narrativa, aliada à vertente metafísica das suas histórias, que sempre me pareceu algo gratuita e vaga em demasia, deixa-me por vezes desapontando.

No entanto, e é por isso que toco no assunto, em Hecatombe, Jodorowsky aparenta estar no pleno das suas capacidades. Esta é uma história verdadeiramente down to earth, sem que haja espaço para desvarios narrativos. Bem, em boa verdade, bem próximo do final da história, Jodorowsky parece não ter resistido a uma certa divagação metafísica que, quanto a mim, até acaba por ser o lado menos bom deste livro. Mas, tirando esse pequeno (grande) detalhe, que não aprofundarei para não estragar a surpresa a ninguém, Jodorowsky revela-se bastante contido, com uma trama bem montada, terra-a-terra, que vai crescendo em interesse e impacto para o leitor.

Bouncer #12 - Hecatombe, de Alejandro Jodorowsky e François Boucq - Arte de Autor
Aprofundando a história de Hecatombe, a mesma segue a linha narrativa dos tomos anteriores, intitulados O Ouro Maldito e O Espinhaço de Dragão – embora não seja obrigatório que tenhamos lido esses tomos para bem compreender este 12º volume – em que Bouncer se viu a braços com um enorme tesouro em lingotes de ouro. Com efeito, Bouncer e a sua trupe depositaram o ouro de origem mexicana no banco de Barro City. Mas, expetavelmente, todo aquele tesouro, embora guardado por um forte e moderno cofre, desperta a cobiça alheia. E não é, portanto, de admirar que comecem a chegar à cidade muitas pessoas – algumas da pior espécie – com intenções algo dúbias, embora ocultas.

Um dia, o ouro desaparece do cofre sem deixar qualquer rastro, sem que se oiça um único tiro e sem que tenha havido, sequer, arrombamento do cofre. Como terá isto acontecido? Jodorowsky brinca muito bem com o leitor, sugerindo-lhe um caminho de interpretação para, logo a seguir, mostrar-lhe que as coisas não são o que parecem.

E como resultado do roubo do dinheiro, a cidade torna-se ainda mais violenta, com a multidão à procura de um bode expiatório para tão enigmático roubo.

Apetecia-me falar das interessantíssimas e bem desenvolvidas personagens que entram neste Hecatombe, mas opto por não o fazer, para não desvendar mais do que pretendo em relação à história. Posso, no entanto, dizer que são personagens cheias de carisma e que sabem ser más e astutas, elevando o enredo em termos de qualidade. E, claro, há um grande número de momentos trágicos, com várias baixas importantes. O que seria de prever se pensarmos em como hostil e violenta esta história consegue ser. Uma autêntica “hecatombe”, portanto.

Bouncer #12 - Hecatombe, de Alejandro Jodorowsky e François Boucq - Arte de Autor
Falando das ilustrações, acho que, se tenho que dar mérito à crueza com que Jodorowsky arquiteta esta história, também tenho que prestar louvores à forma como François Boucq dá vida, forma e cor a este faroeste sujo, agreste, inóspito e tantas vezes desumano. É algo que já vimos nos tomos anteriores, sim, e talvez por esse motivo, não surpreende particularmente (nem desilude) os que já conhecerem a série. Ainda assim, diga-se que o início da história, marcado pela chuva torrencial que jorra nas ruas de Barro City, é verdadeiramente genial. O autor consegue transportar-nos para aquele ambiente vívido e carregado de lama. Sem prados belos ou montanhas floridas porque o "verdadeiro faroeste" era assim mesmo: vazio, badalhoco e cheio de pó e lama.

E, claro, o desenho das personagens – algumas delas com uma fealdade que encaixa perfeitamente na personalidade das mesmas – é verdadeiramente soberbo. E também a nível de cores este é um belo álbum, com as mesmas a darem a cada uma das cenas o ambiente cromático que era necessário.

Quanto à edição da Arte de Autor, estamos perante mais um bom trabalho de edição, sem algo de negativo a apontar. O livro apresenta capa dura brilhante, bom papel brilhante e uma boa impressão e encadernação. Nota positiva para o facto deste volume ter sido lançado em simultâneo com a edição francesa. É sempre bom quando estamos alinhados com a atualidade de lançamentos em mercados estrangeiros.

Em suma, este Bouncer #12 é o regresso em grande de um dos melhores westerns em banda desenhada! Sendo a série que é, já estava à espera de algo bom, mas não esperava que fosse tão bom! História e ilustrações caminham de mãos dadas para nos dar um dos mais maduros e bem concebidos tomos de toda a série. E, por conseguinte, de todos os westerns em BD, uma vez que coloco esta série bem lá em cima, entre as melhores das melhores bandas desenhadas com o tema do faroeste como pano de fundo. Numa palavra: fantástico!


NOTA FINAL (1/10):
9.6



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


-/-

Bouncer #12 - Hecatombe, de Alejandro Jodorowsky e François Boucq - Arte de Autor

Ficha técnica
Bouncer #12 - Hecatombe
Autor: Alejandro Jodorowsky e François Boucq
Editora: Arte de Autor
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 23,2 x 31 cm
Lançamento: Novembro de 2023

2 comentários:

  1. É uma BD sensacional . Adoro esta série e os seus autores. A mim sempre me agradou a loucura do Jodorowsky e o traço cruel do Boucq. É daqueles livros que nos enche as medidas. Um enorme prazer...

    ResponderEliminar