sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Análise: The Electric State


The Electric State, de Simon Stålenhag

A ASA lançou recentemente o livro The Electric State, da autoria de Simon Stålenhag, que é uma proposta verdadeiramente diferenciada face àquilo que é normalmente lançado pela editora portuguesa. E, já agora, também é diferente de tudo aquilo que é lançado por cá pelas outras editoras de banda desenhada.

Desde já, e convém não esquecer isso, esta não é uma obra de banda desenhada. Isso deve ficar claro. A proposta artística de Simon Stålenhag tem imagem e texto, sim, mas não estamos perante uma obra de arte sequencial. É, pois, um livro ilustrado. E mesmo dentro desse universo dos livros ilustrados – que normalmente obedecem a um conjunto próprio de cânones – este The Electric State assume-se como bastante diferente. E que bom isso é! Haja espaço para a diferença e para a originalidade.

E sim, é bem provável que nunca tenham lido um livro como este. A menos, claro, que já estejam familiarizados com outras obras de Stålenhag.

Aquilo que o autor sueco nos oferece é, pois, deveras singular, com uma linguagem muito própria, que facilmente é identificável. Visualmente, cada ilustração, feita através de pintura com um aspeto hiper-realista, é simplesmente deslumbrante e assustadoramente verossímil, o que faz com que pareça mais que estamos a ver um álbum de um fotógrafo qualquer, do que o álbum de um ilustrador. Cada imagem ocupa uma ou duas páginas do livro e como a obra se apresenta em formato horizontal, a experiência cinematográfica que dela emana é muito premente.

Em termos de texto, são-nos dadas várias páginas de texto corrido em prosa, como se estivéssemos diante de um habitual romance. Quase sempre estas páginas de texto são acompanhadas ou seguidas por uma ilustração que nem sempre retrata aquilo que o texto nos relata. Por vezes, embora raramente e mais para o final da obra, há um conjunto de ilustrações que se seguem umas às outras, sem qualquer relato textual. Esta será, pois, a parte onde podemos vislumbrar uma sequência mais direta entre imagens, esse apanágio básico da banda desenhada.

Quanto à história, a mesma passa-se em 1997 e faz-nos seguir a viagem de carro de uma adolescente fugitiva que se faz acompanhar por um robô de brinquedo. A viagem leva-os em direção ao oeste dos Estados Unidos da América. Aparentemente, esta jovem tem um objetivo muito claro com esta viagem que vamos percebendo à medida que avançamos na leitura do livro. 

Mas o mundo parece ter parado. Quase não há pessoas e, à boa maneira de um Walking Dead, os carros foram abandonados bruscamente em plenas autoestradas. Porém, este não é, de todo, um mundo onde existam zombies - a menos que, metaforicamente, consideremos que zombies são todos aqueles que estão totalmente dependentes da tecnologia e que se “esqueceram” de viver por si mesmos, de forma humana.

Divagações interpretativas à parte, o que existe neste mundo é um verdadeiro cemitério de máquinas de proporções colossais. À medida que a viagem da protagonista vai avançando, esta vai passando por numerosas paisagens rurais onde marcam presença enormes máquinas que estão, quase todas, abandonadas e em ruína. Fica a ideia que este é um tempo que sucede a um enorme desenvolvimento e expansão tecnológica, mas que, por algum motivo, não correu bem, tal não é o cenário de desolação com que os protagonistas desta viagem se vão encontrando.

O autor explora uma fusão de ficção científica com tecnologia verdadeiramente avançada que não conhecemos no nosso mundo – pelo menos da forma em que ela nos é apresentada pelo autor – que habitam o cenário pós-apocalíptico da história. Por outro lado, como o relato se passa num tempo que já passou – os anos 90 – surge-nos como uma realidade alternativa distópica. Com efeito, como os veículos são relativamente antigos e os cenários bastante rurais, gera-se uma interessante e impactante dicotomia visual em que temos o futurista e o antigo a caminhar de braço dado.

A história acompanha a viagem da rapariga enquanto nos faz mergulhar ao seu passado e à relação que esta tinha com a sua família adotiva. Fica claro que Simon Stålenhag nos mostra os perigos de uma sociedade em que todos vivem mergulhados na tecnologia, vivendo mais tempo no mundo digital e virtual do que, propriamente, no mundo analógico e real. A crítica não é particularmente direta, mas torna-se bastante implícita à medida que vamos avançando na leitura. Há bastante espaço para interpretação do leitor, pois o autor apenas nos permite um mergulho superficial neste intrigante mundo por si traçado. Como se fôssemos convidados a adivinhar o que terá acontecido para que o mundo ficasse assim.



Quanto à edição da ASA, estamos perante um belo trabalho. O livro é imponente, apresentando capa dura, com uma agradável textura, bom papel brilhante no miolo e excelente trabalho ao nível da impressão e da encadernação. Parece um verdadeiro coffee table book. Aplaudo a aposta da ASA em lançar este The Electric State, por ser algo fora do que estamos habituados a ver a editora lançar e, também, por antecipar com bom sentido de oportunidade a adaptação para cinema da obra que é esperado que chegue à Netflix no próximo ano.



Em suma, não sendo um livro de banda desenhada, The Electric State é uma obra visualmente deslumbrante, que nos permite uma experiência única enquanto mergulhamos neste mundo pós-apocalíptico - onde máquinas gigantes, robots, drones e instalações científicas convivem em paisagens remotas e rurais – e que nos faz parar para pensar nas implicações de uma tecnologia, cuja progressão não parece estar perto de alcançar um fim, nas relações humanas. Estaremos a perder o controlo da nossa própria criação? É a questão que fica a pairar no ar.


NOTA FINAL (1/10):
8.8



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Ficha técnica
The Electric State
Autor: Simon Stålenhag
Editora: ASA
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 245 x 270 mm
Lançamento: Novembro de 2023

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