Foi ainda durante o Amadora BD que a Levoir lançou o livro A Ilha, obra de estreia da autora espanhola Mayte Alvarado. Tratando-se de um dos poucos livros que a editora lançou durante este ano de forma isolada, sem estar inserido dentro de qualquer coleção – embora mantendo a etiqueta de “Novela Gráfica” na capa – parece-me que o acontecimento se reveste de maior importância. Ou, pelo menos, aos olhos da editora este livro parece ter maior relevância.
Começando pelos vários prémios que a obra ganhou – cuja referência é feita através de um autocolante colocado na capa do livro – A Ilha tem, de facto, obtido bastante sucesso e admiração.
Quanto à história, é a própria “ilha” a principal personagem do livro, já que os seus habitantes parecem viver na eminência da concretização de uma certa lenda, segundo a qual chegará um dia uma grande onda que tudo varrerá consigo. E depois, através das várias personagens que vão aparecendo nos vários capítulos nos quais o conto é dividido, vamos conhecendo diferentes percursos que, embora aparentemente independentes, parecem estar impactados pelo próprio mar.
Será "a ilha" a representação máxima de uma tela em branco, onde pintamos as nossas vidas? Que, sendo diferentes, todas caminham para a mesma perdição? O doloroso fim? O infindável vazio? E será o mar a entidade máxima e circular da vida que dá e tira? É apenas uma interpretação que lanço. Não mais ou menos válida do que a qualquer interpretação que o leitor faça.
Aquilo que a autora nos oferece é uma reflexão, uma pausa para pensar e indagar sobre o ciclo da vida. O tom é totalmente contemplativo, deixando a interpretação ao critério do leitor. Se isso é bom, pois permite que 100 leitores deste livro tenham 100 interpretações potencialmente diferentes, por outro lado, carece, quanto a mim, de um fio condutor narrativo mais objetivo e coeso. Se o abstracionismo dos desenhos é uma magnífica viagem, esse mesmo abstracionismo aplicado ao enredo, confere-lhe poesia, sim, embora também o torne mais vago e menos claro.
Seja como for, a obra vale por todo esse aspeto sensorial, delicado e íntimo que traz consigo e, desse ponto de vista, torna-se especial e marcante. Para tal, muito contribui a bela arte ilustrativa da autora.
Os desenhos que nos são dados assentam num estilo de ilustração bastante bonito, estético e original - de alguma forma mais reminiscente dos livros de ilustração do que de banda desenhada – onde as cores são peça fundamental e onde os desenhos das personagens não apresentam contornos. Será, pois, mais certo considerar este como um livro com pinturas, do que um livro com desenhos. Ora, por estes motivos, cada bela vinheta adquire uma aura poética que é o espírito e vida do livro. É, pois, na componente visual deste A Ilha onde me parece que a experiência acaba por ser mais impactante para o leitor.
Além de que acho incrível como, num álbum com poucas falas, ficamos com a clara ideia de estar a ouvir os ruídos do mar, bem como a cheirar os odores do mesmo.
Com as devidas diferenças, está claro, as ilustrações de Mayte Alvarado remeteram-me para o tipo de ilustração de duas autoras nacionais: Alice Prestes, no seu recente Vinil Rubro, e Susa Monteiro, nas várias ilustrações com que já nos brindou ao longo do seu vasto percurso criativo.
A edição da Levoir é bastante diferenciada face àquilo a que, habitualmente, a editora nos tem habituado. O livro apresenta uma capa dura bastante espessa, em que se percebe que se trata de um certo tipo de cartão, que é poucas vezes utilizado em livros de banda desenhada. Normalmente, este material é mais usado em livros de ilustração e/ou infantis. O resultado final é bastante agradável à vista e ao toque. De resto, o papel é baço e de boa qualidade. Tal como a impressão e a encadernação apresentam qualidade. Torna-se portanto, também em termos de objeto-livro, um belo exemplar.
Em suma, aplaudo esta aposta da Levoir numa bela edição diferenciada de uma obra bastante onírica, quer na história, quer no tipo de ilustração que representa um tipo de banda desenhada mais independente e que, portanto, também merece a sua oportunidade e que tem, além disso, o claro potencial de, justamente por ser diferente, poder chegar a outros públicos.
NOTA FINAL (1/10):
8.3
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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A Ilha
Autora: Mayte Alvarado
Editora: Levoir
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 200 x 265 mm
Lançamento: Outubro de 2023
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